Conforme discutimos no artigo anterior, a mastite é uma das principais enfermidades que acometem as vacas leiteiras no Brasil, comprometendo a produtividade, a lucratividade e a sustentabilidade das fazendas. A sua persistência nos rebanhos está fortemente relacionada a falhas no procedimento de ordenha, no manejo sanitário e operacional da propriedade, isto é, a deficiência no sistema de gerenciamento da saúde das vacas nas propriedades.
Trata-se de um problema complexo, que demanda a identificação dos pontos críticos do sistema de produção e a compreensão dos mecanismos de transmissão para que estratégias eficazes de prevenção e controle sejam implementadas.
Apesar de isto ser independente do agente causador da mastite, é fato que se torna mais evidente e necessário no caso da mastite contagiosa, considerando o impacto desta sobre a perpetuidade e rentabilidade do negócio.
A mastite contagiosa é assim definida por se caracterizar por infecções transmitidas a partir de vacas infectadas, geralmente no momento da ordenha, por meio das mãos do ordenhador, toalhas e/ou equipamento de ordenha, que atuam como reservatórios das bactérias.
Diferente da mastite ambiental, ocasionada por patógenos que vêm do ambiente da vaca (como cama, solo, esterco e água parada), e que tende a provocar casos clínicos isolados e de curta duração; a mastite contagiosa está frequentemente associada a infecções subclínicas persistentes, resultando em elevada contagem de células somáticas (CCS) e redução significativa da produção de leite ao longo do tempo. Por exemplo, dentre os tanques cujas amostras foram analisadas por PCR no ano de 2025 na Clínica do Leite, aqueles detectados para patógenos contagiosos apresentavam CCS 40% maior comparativamente aos positivos para somente bactérias ambientais.
Principais patógenos
Os principais patógenos causadores de mastite contagiosa são Staphylococcus aureus, Streptococcus agalactiae e Mycoplasma bovis.
Staphylococcus aureus é o principal patógeno contagioso (Marland et al., 2019). A alta taxa de transmissão e persistência dessa bactéria nos rebanhos deve-se à sua capacidade de colonização do tecido mamário e escape da resposta imune e da ação de antibióticos (Zaatout et al., 2020), este último por meio da formação de biofilme e da sobrevivência no interior das células do sistema imunológico (macrófagos), é geralmente associado à mastite subclínica, manifestada por aumento moderado na CCS que oscila entre meses. As infecções são, em sua maioria, crônicas, persistindo ao longo da lactação.
O Streptococcus agalactiae por sua vez, não cresce ou se multiplica fora da glândula mamária. No entanto, pode sobreviver por um curto período nas mãos do ordenhador, equipamento de ordenha e na superfície do úbere, o que pode ser suficiente para a sua disseminação para vacas sadias durante a ordenha. Trata-se de um patógeno conhecido por sua alta infectividade e transmissão (Cobirka et al., 2020). Adicionalmente, causam importante impacto sobre a contagem de células somáticas (maior do que 1 milhão de células/ml). Apesar de ter baixa taxa de cura espontânea (própria vaca), apresenta alta taxa de cura (maior que 90%) quando tratadas com antibióticos.
Mycoplasma bovis é o agente causal de diversas doenças em ruminantes, incluindo mastite, pneumonia, endocardite, artrite, etc. bem como algumas disfunções reprodutivas, vivendo não apenas no úbere, como também no pulmão, articulações e no trato genital. Como bactéria causadora de mastite, é menos comum do que os demais agentes contagiosos, caracterizando-se por manifestações clínicas súbitas e formação de uma secreção purulenta nos quartos infectados.
Prevenção e Controle
Considerando que a principal fonte de infecção das bactérias contagiosas são as vacas infectadas, com transmissão via equipamento de ordenha e/ou as mãos do ordenhador, a prevenção das infecções se dá predominantemente por meio de boas práticas de higiene durante a ordenha. Por exemplo, limpeza e secagem dos tetos, garantia da cobertura adequada do teto pelo sanitizante no pré e pós-dipping, e manutenção das mãos e luvas sempre limpas durante o procedimento de ordenha. Deve-se ainda minimizar o risco de injúrias na ponta dos tetos utilizando equipamentos de ordenha com a configuração correta de vácuo e pulsação, e evitando a sobreordenha.
De forma similar, a análise do leite individual para contagem de células somáticas de forma regular tem papel importante no controle ao possibilitar a identificação das vacas com mastite subclínica, cujo agente causador da infecção pode ser confirmado por um teste diagnóstico (como o PCR). O manejo das vacas infectadas - ordenhando-as por último, tratando-as, secando-as mais cedo ou as descartando também são ações que contribuem para a redução do risco de infecção.
Ainda nesse sentido, operar um rebanho fechado, criando as novilhas para reposição ou comprando animais de rebanhos com histórico de baixa CCS e ocorrência de mastite clínica, é medida preventiva da introdução de patógenos contagiosos no rebanho.
Protocolo da Clínica do Leite para reduzir a mastite
Diante de tantas informações, uma dificuldade comum é saber por onde começar. Como todo problema complexo, a resolução do problema de mastite se inicia por seu entendimento e estratificação, dimensionando o seu impacto e identificando-se as causas raízes.
A primeira etapa desse Protocolo consiste, portanto, na observação da CCS do leite do tanque – para a constatação do problema, e a consequente definição da perda financeira gerada por ele. Essa compreensão do problema pode ser complementada pela informação acerca dos patógenos que estão circulando no rebanho.
Considerando o caráter de eliminação intermitente de Staphylococcus aureus no leite durante a ordenha, essa análise deve ser realizada, preferencialmente, em três semanas subsequentes, para realmente confirmar a ausência desse patógeno no rebanho.
Figura 1. Protocolo para o controle da mastite
(Fonte: Clínica do Leite, 2025).
Sendo o resultado positivo para um ou mais agentes contagiosos, se faz importante identificar e corrigir as causas raízes. Nessa etapa, utiliza-se a CCS individual para determinar se o problema está concentrado em uma categoria animal ou lote, o estágio da lactação no qual os animais estão se infectando bem como a eficiência da secagem. Isto também envolve mensurações feitas a campo e que auxiliam a verificar se desajustes no equipamento de ordenha, no procedimento de ordenha ou no ambiente estão favorecendo a ocorrência de infecções. Coletam-se dados referentes a:
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Realização do pré-dipping, cobertura do teto e tempo de ação do produto antes da secagem do teto;
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Tempo entre o primeiro estímulo e a colocação das teteiras;
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Realização do pós-dipping e cobertura do teto pelo produto;
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Conforto das vacas durante a ordenha, isto é, se as vacas dão coices ou sapateiam durante a ordenha;
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Condições dos tetos das vacas imediatamente após a ordenha, ou seja, se apresentam edemas, petéquias ou anel na base;
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A pressão de vácuo, limpeza e integridade do equipamento de ordenha, etc.
Essas informações, juntamente aos resultados das análises do leite do tanque e das vacas individuais, devem direcionar à identificação da origem do problema e, posteriormente, às ações para resolvê-lo. Essas ações geralmente estão relacionadas à padronização da rotina de ordenha, capacitação dos ordenhadores, manutenção do equipamento de ordenha, revisão dos protocolos de tratamento e secagem, melhora da limpeza do ambiente de espera e da sala de ordenha, além de medidas de biosseguridade para evitar novas infecções.
É fundamental que a causa raiz do problema seja tratada anteriormente às ações sobre os animais infectados, de maneira que o problema não se torne recorrente e as ações relativas às vacas infectadas (como separação em lotes, secagem, tratamento ou descarte) não sejam somente medidas que aliviem o problema momentaneamente. Dessa forma, somente na última etapa e após a resolução das causas raízes, prossegue-se para a identificação das vacas infectadas por agentes contagiosos e tomada de ações referentes a esses indivíduos (segregação, secagem, tratamento ou descarte).
Estudo de caso
O processo para o estabelecimento de um programa de redução e controle da mastite em uma propriedade é longo, demandando mudanças consistentes no manejo, a capacitação da equipe, o uso de ferramentas precisas para o diagnóstico, e o monitoramento contínuo. No entanto, é um desafio tangível se encarado com disciplina, paciência e engajamento.
Consideremos como exemplo a situação real de um rebanho com cerca de 120 vacas, cuja média ponderada da CCS individual era de aproximadamente 350 mil células/ml em outubro de 2023. A análise por PCR confirmou a presença de Staphylococcus aureus, Streptococcus dysgalactiae e Staphylococcus não aureus no rebanho. Do ponto de vista financeiro, esse cenário representava ao produtor uma perda anual estimada de R$ 600.000,00, ou a perda de R$ 0,40 por litro de leite devido à presença de mastite no rebanho (calculado no simulador de perdas econômicas devido à mastite da Clínica do Leite).
Prosseguiu-se com o entendimento do problema utilizando a CCS individual dos animais para identificar quem tem o problema, onde ele ocorre, quantos animais estão infectados e quando o problema começou.
Foi observado que dos 113 animais avaliados, 29 estavam infectados (com CCS > 200 mil células/ml) – um número quase três vezes superior ao limite aceitável de 11 vacas. A dinâmica do rebanho indicava que, mensalmente, cerca de 11 animais se infectavam, apenas 4 se curavam e 7 evoluíam para casos crônicos (Figura 3). Como consequência, muitos animais chegavam ao período seco já infectados.
Além disso, aproximadamente 14% das vacas estavam parindo infectadas (valor de referência: <10%) e, no pós-parto, a porcentagem de novas infecções alcançava 14%, também acima do recomendado. Após os 50 dias de lactação, o índice de novas infecções chegava a ser três vezes maior do que os valores de referência.
Entre as vacas de terceira ou mais lactações, apenas a metade se mantinha sadia (12 encontravam-se infectadas). Observou-se, ainda, um agravamento da situação a partir de julho de 2023, reforçando os resultados do PCR do tanque e indicando a necessidade urgente de estratégias direcionadas ao controle de Staphylococcus aureus.
Nesse momento, o produtor iniciou as mensurações a campo, de maneira a coletar informações que complementassem o entendimento do problema e a identificação das causas raízes. Nisto, foram identificados como pontos críticos:
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Vacas chegando com o úbere sujo (tetos com serragem e/ou esterco) para a ordenha, o que se mantinha pela ausência de uma etapa de limpeza dos tetos anteriormente ao pré-dipping.
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Falta de padronização do procedimento de ordenha, com variação em relação ao tempo e à execução de cada atividade dentro do processo.
Dessa forma, foi iniciado um trabalho focando na padronização do procedimento de ordenha, incluindo a limpeza dos tetos previamente ao pré-dipping, e capacitando os ordenhadores para que todos executassem o procedimento da mesma maneira.
Adicionalmente, trabalhou-se sobre a manutenção das camas, aumentando a frequência de reposição de cama (de duas para três vezes na semana) e de cal hidratada (de uma para duas vezes na semana).
Paralelamente, utilizou-se a análise de PCR para a identificação das vacas infectadas por Staphylococcus aureus, segregando-as em único lote para serem ordenhadas por último e descartadas ao final da lactação se vazias.
Com a implementação dessas medidas, em seis meses a média da CCS individual ponderada reduziu para aproximadamente 160 mil células/ml (Figura 4), enquanto que a prevalência, a porcentagem de novas infecções e de vacas crônicas se estabeleceram no patamar de 15%, 7%, 9%, respectivamente, com cerca de 77% das vacas sadias (Figura 5). Manteve-se o monitoramento do rebanho por meio da análise de PCR do leite do tanque, negativa desde então para patógenos contagiosos, e a investigação também via PCR de animais classificados como novas infecções.
A experiência demonstrada neste estudo de caso evidencia que, embora a resolução de um surto de mastite contagiosa seja possível por meio de um diagnóstico preciso, ações consistentes e mudanças estruturais no manejo, o desafio não termina com a queda da CCS ou a negativação do PCR. A manutenção de um rebanho saudável exige vigilância constante e disciplina na execução das rotinas.
Por isso, mesmo com a eliminação dos patógenos contagiosos e a estabilização dos indicadores, é essencial manter o monitoramento sistemático da CCS e a análise periódica do leite do tanque por PCR. Tão importante quanto isso, é estabelecer um programa contínuo de controle da mastite, com protocolos bem definidos, capacitação da equipe e avaliações regulares das práticas adotadas.
A mastite deve ser encarada como um risco recorrente e, por isso, a busca pela melhoria contínua deve estar no centro da gestão da qualidade do leite. O sucesso a longo prazo dependerá da constância no cuidado diário.
Referências bibliográficas
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