Logo após o parto, o animal a por uma transição fisiológica acentuada, onde a demanda metabólica do animal sobe expressivamente devido ao aumento na exigência para lactação, como descrito na Tabela 1. Porém, o consumo de matéria seca (CMS) não acompanha o aumento dessa exigência, devido a ação hormonal da leptina e neuropeptídeo Y, além do espaço físico do rúmen estar reduzido pelo aumento progressivo do útero gravídico durante a gestação.
Tabela 1. Exigência energética (ELlac, Mcal), 2 dias antes e 2 dias depois do parto.
Devido a esse desbalanço entre exigência e CMS, o animal entra em balanço energético negativo (BEN), onde há uma maior mobilização de gordura corporal para suprir a demanda energética, levando à produção de ácidos graxos não esterificados (NEFA) e corpos cetônicos em altas concentrações, sendo mais intenso em vacas com elevado escore de condição corporal (ECC).
Esses metabólitos causam grandes problemas, como: 1) redução da produção de leite, chegando a perdas de 328 kg/lactação (Gustafsonn et al. 1993); 2) redução da imunidade devido à diminuição da atividade fagocitária, além do aumento da produção de espécies reativas de oxigênio, intensificando o estresse oxidativo (Bernabucci et al., 2005); 3) redução da fertilidade, devido ao aumento da liberação de cortisol que reduz a liberação de GnRH (hormônio liberador de gonadotrofinas) hipotalâmico, além de induzir a liberação de LPS (lipopolissacarídeos) devido a diminuição imunológica e desenvolvimento microbiano - essa substância se acumula no líquido folicular, gerando redução na qualidade do oócito (Hafez et al., 2004).
Dessa forma, a inclusão da suplementação lipídica no pós-parto é uma alternativa para reduzir a intensidade do BEN, uma vez que haverá um adensamento da dieta, onde a energia fornecida irá suprir parte da demanda energética sem afetar o CMS, potencializando a produção de leite.
Os ácidos graxos mais abundantes em suplementos lipídicos comercialmente disponíveis são o ácido palmítico (C16:0), esteárico (C18:0) e ácido oléico (cis-9 C18:1). Esses 3 também são predominantemente encontrados na gordura do leite e tecido adiposo. Diferentes níveis suplementares e de combinações geram diferentes resultados, como descrito na Tabela 2.
Tabela 2. Níveis de inclusão e combinações lipídicas sobre o desempenho de vacas leiteiras.
Outro ponto é que vacas em diferentes níveis de produção necessitam de diferentes tipos de ácidos graxos ou diferentes níveis de inclusão para gerar o mesmo resultado, como descrito na Tabela 3.
Tabela 3. Tipos de ácidos graxos utilizados em vacas de alta e baixa produção.
As dietas base (aquelas que não possuem inclusão de gordura) possuem aproximadamente 3% de ácidos graxos, porém dietas no pós-parto costumam ter maior inclusão de gordura, podendo atingir 5-7%, com o objetivo de suprir o déficit energético.
Valores superiores não possuem benefícios, uma vez que, a produção de lipase pancreática não é suficiente para a digestão do excesso de lipídios. Além disso, existe uma grande produção hormonal de colecistocinina (CCK) e glucagon, que atuam no centro da saciedade, reduzindo o CMS.
Outro ponto a se atentar é o tipo de ácido graxo fornecido, os ácidos graxos poli-insaturados am pelo processo de biohidrogenação ruminal, contudo, quando em excesso as bactérias não conseguem realizar o processo completamente, gerando produtos conjugados, como o CLA trans 10, cis 12 (ácido linoléico conjugado), que atua reduzindo a ação da enzima que converte acetato em gordura, reduzindo a síntese de ácidos graxos na glândula mamária, dessa forma o acetato excedente é direcionado para a produção de gordura corporal elevando o ECC.
Dessa forma, a suplementação lipídica é uma alternativa para adensamento de dietas no pós-parto fornecendo substrato para a formação da bicamada lipídica bacteriana, além de possibilitar a redução do amido da dieta, impactando na diminuição da incidência de acidose nos rebanhos e consequentemente maximizando a produção de leite. No entanto, sua utilização não é tão simples e uma dieta bem ajustada por um nutricionista é essencial para que os resultados positivos apareçam.
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Autores
Gabriel Pereira - Mestrando em Fisiologia da Produção Animal no Departamento de Zootecnia da UFV
Polyana Pizzi Rotta - Professora de Produção e Nutrição de Bovinos de Leite da UFV
Referências
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