O milho pode compor entre 60% e 75% da matéria seca na dieta de vacas leiteiras confinadas no Brasil. Deste total, cerca de 50% vêm na forma de silagem de planta inteira, e entre 10% e 25% como grãos. Considerando a matéria natural, o milho pode representar até 80% da dieta, somando silagem e grão. Não há dúvidas da importância desse cereal para a produção leiteira.
Nos últimos anos, tenho observado um aumento na recomendação do uso de milho reidratado por parte de técnicos, especialmente em Minas Gerais. Embora a técnica possa ter seus méritos, sua aplicação exige cuidado.
Trata-se de um processo complexo, que demanda orientação detalhada e, muitas vezes, acompanhamento técnico. Para os profissionais da área, isso pode ser uma boa oportunidade de entrada nas propriedades, seja para oferecer serviços ou promover produtos das empresas que representam. No entanto, a adoção dessa técnica nem sempre é adequada para todos os produtores. Quando mal implementado, o processo de reidratação pode levar a perdas significativas, anulando as vantagens prometidas.
Quais são as vantagens do milho reidratado?
As três principais vantagens frequentemente associadas ao milho reidratado são:
- Estocagem para evitar roedores.
- Compra estratégica do milho em períodos de preço mais baixo.
- Melhoria na digestibilidade dos grãos, especialmente relevante devido à predominância do milho duro no Brasil.
A vantagem da estocagem: controle de roedores
Uma das vantagens frequentemente mencionadas do milho reidratado é sua capacidade de reduzir problemas com roedores, o que, sem dúvida, é um ponto interessante e, na minha opinião, a melhor das justificativas. Em muitas fazendas, a falta de silos aéreos adequados resulta no armazenamento do milho em boxes ou “cozinhas”, seja a granel ou ensacado. Mesmo quando o milho está ensacado, a presença de roedores pode ser constante, tornando o controle rigoroso essencial para prevenir doenças como a leptospirose.
Apesar dessa vantagem, é importante ressaltar que o milho reidratado não é a única solução para o problema de roedores nas fazendas. Existem diversas estratégias eficazes de controle que podem ser implementadas, como a vedação adequada dos espaços de armazenamento, uso de armadilhas e iscas específicas, além de práticas gerais de higiene e organização. Essas medidas podem garantir a segurança do milho estocado sem a necessidade de recorrer exclusivamente à técnica da reidratação.
Vamos discutir a segunda vantagem: a compra estratégica
Quantos produtores você conhece que compram todo o milho necessário para o ano de uma só vez? Provavelmente, poucos. Isso ocorre porque essa prática exige um capital de giro considerável, dado que o milho representa uma parcela significativa da dieta das vacas.
Suponha que o produtor não tenha esse capital disponível e opte por um empréstimo rápido e fácil e por isso, com juros elevados, para realizar a compra. Se a taxa de juros for de 1,24% ao mês ou 18,25% ao ano (juros anuais efetivo), a valorização do milho precisaria ser de pelo menos 20% no ano para justificar essa decisão. Por exemplo, se ele paga R$ 1,00 por quilo em julho, o preço precisará atingir valores acima de R$ 1,20 nos meses seguintes para que o empréstimo tenha sido vantajoso. O grande problema é que as variações no preço do milho geralmente não ocorrem de forma linear ou previsível. Se o produtor compra o milho por R$ 1,00 em julho, não há garantia que o preço subirá para R$ 1,20 e se manterá nesse valor até o próximo ano, por exemplo. Isso torna a estratégia arriscada e, em muitos casos, inviável.
A questão do melhor momento para compra do milho
Ao analisarmos os últimos 10 anos de preços da saca de milho no Sudeste (Figura 1), fica evidente que não há um mês claramente definido como o melhor para a compra. Nos dados avaliados, os melhores meses de compra variaram consideravelmente: janeiro (2 vezes), junho (3 vezes), julho (1 vez), agosto (2 vezes), setembro (1 vez) e dezembro (1 vez). Essa inconsistência demonstra que é difícil prever o momento ideal para adquirir o milho. Além disso, a maior parte dos produtores não tem capacidade financeira ou logística para comprar todo o milho necessário para o ano de uma única vez. Por isso, a compra geralmente ocorre a cada 2 ou 3 meses, o que significa que os produtores acabam adquirindo milho tanto em períodos de preços baixos quanto em períodos de preços altos.
Dessa forma, a justificativa de "compra estratégica" perde força na maioria dos casos, especialmente em regiões onde a variação de preços não é tão acentuada. Essa estratégia exige um planejamento financeiro rigoroso e pode ser inviável ou até contraproducente em muitas situações.
Figura 1 – Variação no preço do milho (saca) ao longo dos últimos 10 anos no Sudeste.
Fonte: CEPEA, valores nominais para o Sudeste. Elaboração: Polyana Pizzi Rotta
Exceções: regiões com variações significativas de preços
É importante destacar que em algumas regiões do Brasil, como o Nordeste, a variação no preço do milho pode ser muito significativa, justificando a adoção de uma estratégia de compra antecipada. Os valores apresentados na Figura 1, baseados na região Sudeste do Brasil, não refletem as condições específicas do Nordeste, onde os preços podem variar consideravelmente ao longo do ano.
Um exemplo prático vem de uma fazenda onde presto consultoria localizada no estado do Alagoas, que gentilmente autorizou a divulgação dos dados da análise de viabilidade econômica para utilização do milho reidratado. Na Figura 2, apresento a cotação do preço do milho a ser entregue na fazenda ao longo dos meses. O milho foi comprado em outubro de 2023 para ser utilizado durante os 12 meses seguintes. Nesse caso, a variação média no preço foi de R$ 343,00 por tonelada, ou R$ 0,34 o quilo, justificando a compra estratégica antecipada como uma decisão financeiramente vantajosa.
Figura 2 – Cotação do preço do milho a ser entregue em uma grande propriedade de leite no estado do Alagoas em 2023 e 2024. A compra foi feita em outubro de 2023.
O impacto financeiro do milho reidratado: Sudeste × Nordeste
Ao optar pelo uso de milho reidratado, é importante considerar o impacto financeiro da estratégia de compra e estocagem do cereal. Para a fazenda do Alagoas que utiliza 1.314.000 kg de milho por ano, o capital parado, considerando 2 meses de armazenamento antes da abertura e 12 meses de uso após a abertura, alcançou aproximadamente R$ 1.261.440,00. Esse montante poderia ter sido investido em aplicações financeiras com uma taxa de 10,75% ao ano (no mínimo). Dessa forma, ao analisar o ganho com a compra estratégica, já considerando o custo de oportunidade livre de IR, a fazenda teve um ganho em comprar todo o milho em outubro de 2023 de R$ 355.548,68 no período. Descontando 10% de perdas no processo de reidratação do milho, ainda a vantagem financeira foi de R$ 229.404,68 ao ano, ou aproximadamente R$ 19.117,00 por mês.
Considerando perdas relativamente pequenas, a compra estratégica de milho se mostrou vantajosa para essa fazenda localizada no Nordeste, onde as variações de preço do milho são muito significativas. Nessas condições, a compra estratégica foi recomendada. Mas e se as perdas tivessem sido de 30%? Sim, é possível ter perdas nessa magnitude e vou falar em detalhes sobre isso mais a frente. Bem, com essa perda elevada a compra estratégica não se justificaria. Ou seja, mesmo na região do Brasil com a maior variação de preço do milho, a compra estratégica pode não ser interessante se as perdas forem elevadas.
E no Sudeste?
Já no Sudeste, onde a variação no preço do milho é muito menor, o cenário muda. Utilizando dados históricos (Figura 1) e considerando julho como o mês estratégico para compra (por representar o melhor mês na média para compra dos últimos 10 anos), simulamos o impacto financeiro para um produtor de leite com 1.000 litros por dia e um rebanho estabilizado.
A Tabela 1 apresenta os volumes de compras e análise de viabilidade econômica do uso do milho reidratado ao longo dos anos. Por exemplo, em 2014, o produtor gastou R$ 31.543,00 (valor nominal) com milho grão, a um preço de R$ 0,39/kg em julho. Nesse ano, a variação de preço ao longo dos meses seguintes foi de apenas R$ 0,04/kg em média, gerando um ganho anual de R$ 3.208,00 (valor nominal) com a compra estratégica.
Se, no entanto, o produtor tivesse investido o capital inicial em uma aplicação financeira com juros de 11% ao ano (juros na época) e realizasse retiradas mensais para compra do milho ao longo do ano, o ganho líquido da compra estratégica teria sido reduzido para apenas R$ 1.373,00/ano, (valor nominal) já considerando o desconto do IR sobre o rendimento.
Para um produtor de leite com escala moderada (1.000 litros/dia), que movimenta consideráveis volumes financeiros, esse ganho se torna pouco significativo. Ao calcular a média nominal dos últimos 10 anos, o ganho anual da compra estratégica foi de R$ 4.051,00. Contudo, ao excluir 2020, um ano atípico devido à pandemia (quando os preços do milho dispararam após julho), a estratégia apresentou, na verdade, uma perda média de -R$ 94,00 ao ano. Assim, a compra de milho em julho no Sudeste para reidratação não justificou os esforços e os custos envolvidos.
Embora o milho reidratado tenha vantagens em cenários de grande variação de preços, como no Nordeste, essa estratégia perde relevância em regiões como o Sudeste, onde as oscilações são menos expressivas. O alto custo de capital imobilizado e os riscos associados ao processo de reidratação tornam fundamental a análise detalhada de viabilidade antes de adotar essa prática.
Tabela 1 - Análise da compra estratégica de milho grão no mês de julho considerando o custo oportunidade (valores nominais).
Análise: Professora Polyana Pizzi Rotta
O desafio do processo de produção do milho reidratado
Quando um produtor decide utilizar milho reidratado, ele se compromete com um processo que, para ser bem executado, é de fato complexo. Sim, é possível fazer de qualquer maneira, mas os resultados serão previsíveis: perdas elevadas e baixa qualidade final do milho reidratado.
As perdas no processo de produção do milho reidratado
No milho reidratado, enfrentamos dois tipos de perdas. O primeiro é associado à fermentação, um fenômeno natural que também ocorre na silagem de planta inteira. No caso da silagem de planta inteira, já estamos acostumados a perdas de 10% a 20%, dependendo do manejo. Então, por que seria diferente no milho reidratado? Afinal, estamos adicionando água a um cereal e armazenando-o sob lona por meses. É inevitável que uma parte do material seja perdida. Basta observar o silo “baixando”. As perdas podem parecer invisíveis. Mas o bolso sente!
Mesmo em sistemas de silos aéreos para grãos, as perdas anuais são de 3% a 5%. No caso do milho reidratado, que é um produto úmido, as perdas são ainda mais significativas. No entanto, é comum subestimarmos essas perdas, o que acaba impactando o planejamento. Por exemplo, muitos produtores calculam apenas 10% de perdas em silagens de planta inteira e, ao final do ano, enfrentam silos vazios antes do previsto. Essa mesma subestimação ocorre no milho reidratado.
Dois estudos brasileiros realizados por Castro et al. (2019) e Fernandes et al. (2022) identificaram perdas médias de fermentação próximas a 10% no milho reidratado. E esses resultados foram obtidos em experimentos altamente controlados, com execução cuidadosa e criteriosa. Portanto, é razoável presumir que, em uma fazenda, as perdas podem ser semelhantes ou até maiores. Embora existam trabalhos com valores inferiores a 10%, recomendo sempre trabalhar com um cenário mais realista, considerando as condições práticas e desafiadoras das fazendas.
Refazendo os cálculos com perdas de 10%
Agora, vamos refazer nossos cálculos considerando 10% de perdas do material ensilado. Esse valor reflete um cenário realista para fazendas e nos permite avaliar melhor o impacto do milho reidratado nos custos e no planejamento estratégico.
Tabela 2 – Análise da compra estratégica de milho grão no mês de julho considerando o custo oportunidade + 10% perdas (valores nominais).
Análise: Professora Polyana Pizzi Rotta
O impacto das perdas na produção do milho reidratado
Para refinar nossa análise, acrescentamos uma coluna na Tabela 2, considerando 10% de perdas por fermentação. Esse percentual reflete um cenário realista para propriedades que utilizam milho reidratado. Assim, de todo o capital inicialmente investido no silo, 10% serão perdidos.
Com essa inclusão, os números mudam significativamente. Para o produtor de 1.000 litros por dia no Sudeste que realizou a compra estratégica do milho em julho, a média dos últimos 10 anos apresenta agora um prejuízo nominal de -R$ 2.334,00 por ano.
Se desconsiderarmos o ano de 2020, marcado por preços atípicos devido à pandemia, o prejuízo aumenta para -R$ 6.452,00 ao ano.
Mesmo utilizando uma estratégia de compra única no mês que historicamente parece ser o mais vantajoso, os dados não validam a alegada "vantagem" da compra estratégica para a produção de milho reidratado. É importante lembrar que a maioria dos produtores adquire milho várias vezes ao longo do ano, o que torna essa justificativa ainda menos relevante. Portanto, precisamos reconsiderar e parar de promover a compra estratégica como argumento principal para justificar o uso do milho reidratado no Sudeste.
As perdas são inevitáveis, mas podem ser mitigadas
Vale reforçar que perdas de fermentação são inevitáveis. No entanto, o uso de melhores técnicas de manejo pode reduzi-las. Silos bem projetados, com compactação adequada, lonas de alta qualidade, inoculantes apropriados e práticas de vedação cuidadosas são medidas que ajudam a minimizar essas perdas. Ainda assim, é difícil alcançar perdas inferiores a 6%-7% em condições de campo.
E as perdas após a fermentação?
Além das perdas durante a fermentação, há outro tipo de perda igualmente relevante: aquela que ocorre após o início do uso do milho reidratado. Esse tipo de perda está relacionado ao manejo inadequado do material no dia a dia das fazendas. A seguir, apresento algumas imagens que ilustram situações comumente observadas em propriedades que utilizam milho reidratado.
Foto 1. Silagem de milho reidratado com reação de Mailard. Foto 2: Silagem de milho reidratado com a presença de mofo e possivelmente micotoxinas (da esquerda para direita).
Fotos: Programa Família do Leite.
Foto 3: Retirada da silagem de milho reidratado de manhã para usar no trato da tarde (manejo errado).
Foto: Programa Família do Leite.
Fotos 4 e 5: Silagem de milho reidratado com coloração escura, mofo e rachaduras indicando erro de matéria seca.
Fotos: Programa Família do Leite.
É possível que, além dos 10% de perdas atribuídas à fermentação, haja perdas adicionais, chegando ao ponto de comprometer o uso do material.
Se sim, podemos realizar uma simulação considerando 30% de perdas totais (10% da fermentação + 20% de perdas adicionais – material que será descartado devido à presença de mofo). Para ilustrar essa situação, observe a Tabela 3.
Tabela 3 – Análise da compra estratégica de milho grão no mês de julho considerando o custo oportunidade + 30% de perdas (valores nominais).
Análise: Professora Polyana Pizzi Rotta
Um produtor com uma produção diária de 1.000 litros que decidiu realizar sua compra estratégica de milho no mês de julho teve um prejuízo anual de -R$ 15.104,00, considerando a média nominal dos últimos 10 anos. Se excluirmos o ano da pandemia, o prejuízo sobe para -R$ 19.168,00. Simplesmente não valeu a pena!
As análises apresentadas consideraram o milho grão adquirido no mercado. Contudo, é cada vez mais comum observar produtores optando por plantar parte do milho que utilizam. Nesses casos, a conta muda significativamente. Ao plantar o milho, eliminamos o custo do frete e, em uma boa safra, o custo final tende a ser inferior ao do milho comprado. No entanto, essa decisão exige uma análise financeira criteriosa, considerando as variáveis envolvidas.
Quando o milho é plantado pelo próprio produtor, o cálculo deve ser feito individualmente, levando em conta fatores como custo de produção, produtividade, impacto no fluxo de caixa e possíveis riscos climáticos. É uma análise que não pode ser negligenciada para garantir que a decisão seja realmente vantajosa.
Além disso, fica a reflexão: será que não deveríamos explorar com mais intensidade estratégias de proteção de preços, como a compra de contratos futuros na B3 ou o contrato de opções (seguro de preço) para o milho? Essas ferramentas podem oferecer maior previsibilidade e segurança, protegendo-nos contra oscilações no preço.
A pecuária leiteira tem uma oportunidade valiosa e, ainda, pouco explorada de utilizar mecanismos financeiros que outros setores do agronegócio já dominam. Incorporar essas estratégias pode ser o diferencial para melhorar a rentabilidade e a sustentabilidade da produção.
“Mas e o ganho em digestibilidade? Quando substituo o milho fubá (milho moído) pelo milho reidratado, não vejo grãos de milho nas fezes.”
Essa é, sem dúvida, a pergunta mais comum que recebo após fazer a explicação da compra estratégica. No entanto, esse tópico será abordado no próximo artigo, onde discutirei o que sabemos sobre a digestibilidade e desempenho de vacas leiteiras alimentadas com milho reidratado no Brasil.
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Referências
CASTRO, L.P.; PEREIRA, MARCOS N.; DIAS, JULIA D.L.; LAGE, DOUGLAS V.D.; BARBOSA, EUGENIO F.; MELO, RICARDO P.; FERREIRA, K.; CARVALHO, J. T.R.; CARDOSO, F. F.; PEREIRA, R. A.N. Lactation performance of dairy cows fed rehydrated and ensiled corn grain differing in particle size and proportion in the diet. JOURNAL OF DAIRY SCIENCE, 102, p. 9857-9869, 2019.
FERNANDES, T.; SILVA, K.T.; CARVALHO, B.F.; SCHWAN, R.F.; PEREIRA, R.A. N.; Pereira, M.N.; SILVA A. C.L. Effect of amylases and storage length on losses, nutritional value, fermentation, and microbiology of silages of corn and sorghum kernels. ANIMAL FEED SCIENCE AND TECHNOLOGY, 285, p. 115227, 2022.