No último texto (Comparação técnica e econômica entre os estratos de volume na produção de leite) analisou-se diversos indicadores técnicos e econômicos por estrato de produção, comparando seus resultados médios, ou seja, considerando todos os produtores que constavam daquele estrato de volume de leite diário. Nesta análise, porém, optou-se por separar, dentro de cada estrato, os 25% mais rentáveis e os 25% menos rentáveis. Assim, surgem questões como: quão heterogêneo são os resultados entre produtores com volumes de produção semelhantes? Qual é a diferença entre os indicadores técnicos e econômicos que influenciam no sucesso da atividade leiteira? É possível ganhar dinheiro na atividade, mesmo sendo um pequeno produtor em volume de produção diária? Essas são algumas das questões analisadas a seguir.
Indicadores técnicos e econômicos: grupo de produtores menos rentáveis de cada estrato de volume
Na Tabela 1, encontra-se a média dos indicadores dos produtores com menores rentabilidades por estrato de volume diário. Pode-se observar números bastante desfavoráveis em relação ao custo de produção, margens e lucratividade, resultando, nesse caso, em prejuízo. Nos indicadores técnicos, os resultados também foram insatisfatórios principalmente em relação a produtividade animal, percentual de vacas em lactação e produtividade da terra, gerando perdas econômicas significativas para a média destes grupos de produtores.
No estrato de até 500 litros/dia, a perda monetária mensal foi de R$ 4.609,00, o que equivale a cerca de 3 salários mínimos. No grupo com volume entre 1.000 e 2.000 litros/dia, a margem líquida revelou uma perda de R$ 8.306,00/mês. O grupo com produção acima de 4.000 litros/dia conseguiu manter um resultado médio positivo, possivelmente devido a bonificação por volume no preço do leite atrelado às diferenças nos indicadores técnicos. Apesar disso, até mesmo neste grupo de maiores produtores os números foram ruins, onde considerando o estoque de capital envolvido na atividade, originou uma taxa de remuneração anual inferior a 1%.
Veja que assim como no artigo anterior, o custo de produção não se difere estatisticamente entre os grupos de produtores menos rentáveis, mas há expressivas diferenças em indicadores técnicos. A produtividade (animal, da terra e da mão de obra) foi melhor para os produtores de maior volume, além de terem conseguido melhores resultados para a estrutura de rebanho e eficiência no uso dos recursos. Todos estes fatores levam a refletir que uma maior produção média diária de certa forma dilui a ineficiência técnica e econômica dos produtores, mas apenas isso não é suficiente para gerar resultados econômicos satisfatórios.
Tabela 1 - Indicadores técnicos e econômicos de produtores com baixa rentabilidade, por estrato de volume em MG, em 2023 (dados deflacionados para setembro de 2024).
Fonte: Labor Rural/Embrapa Gado de Leite. Letras diferentes na mesma linha da tabela indicam diferenças significativas a 10% pelo teste de Tukey.
Indicadores técnicos e econômicos: grupo de produtores mais rentáveis de cada estrato de volume
Na Tabela 2, encontram-se os resultados dos produtores com maiores rentabilidades dentro do seu estrato de produção média diária. Nessa amostra, todos obtiveram ganhos econômicos e bons indicadores técnicos. Os menores produtores, com média diária de 374 litros, alcançaram uma taxa remuneração do capital de 7,16%, incluindo a terra. Sem considerar a terra, a taxa de remuneração do capital neste grupo foi de 16,59%. A título de comparação, em 2023, o Certificado de Depósito Interbancário (CDI) acumulou alta de 13,04% para termos uma ideia de custo de oportunidade do capital. É importante salientar que, neste grupo de menor volume, o estoque de capital, incluindo a terra, acaba sendo elevado, considerando o volume de produção obtido. Neste sentido, mesmo evoluindo na economia de escala (produção real próxima da produção potencial), estes produtores possuem um capital por litro de leite relativamente mais alto. Ainda assim, este grupo de produtores alcançou uma margem líquida mensal média de R$ 6.267,00, cerca de 4,5 salários mínimos.
Nos grupos de produção com maior volume, os indicadores de desempenho técnico, de produtividade e rentabilidade melhoraram com o aumento do volume de leite produzido. Esses produtores maiores são beneficiados pela bonificação por volume e acabam garantindo uma melhor remuneração, além do efeito da escala de produção e resultados superiores nos indicadores técnicos. Vejamos o recorte de produção diária abaixo de 1.000 litros e acima desse volume. O primeiro grupo registrou custo operacional total em torno de R$ 1,90/litro, igual aos demais estratos. Apesar disso, sua rentabilidade foi inferior aos resultados dos produtores com mais de 1.000 litros/dia, com influência de menores preços. Mas não é apenas preço. O maior volume de produção acaba reduzindo o estoque de capital empatado por litro de leite, o que reflete positivamente na rentabilidade. Além disso, os indicadores de produtividade das vacas, da terra e percentual de vacas em lactação também foram superiores aos daqueles do primeiro estrato.
Neste sentido, comparando os grupos mais rentáveis entre si, as propriedades de maiores volumes possuem resultados econômicos superiores, como consequência dos indicadores técnicos melhores. A produtividade da terra, por exemplo, foi mais de 5 vezes superior para os produtores maiores, a produtividade animal foi quase o dobro em relação aos menores produtores rentáveis, dentre outros pontos.
Pode-se destacar que, ao analisar os resultados completos dos produtores mais rentáveis (Tabela 2), é possível obter um bom desempenho técnico e econômico na produção de leite, mesmo sendo um produtor com menor volume de produção, que é a realidade predominante na estrutura fundiária brasileira.
Tabela 2 - Indicadores técnicos e econômicos de produtores com alta rentabilidade, por estrato de volume em MG, em 2023 (dados deflacionados para setembro de 2024).
Fonte: Labor Rural/Embrapa Gado de Leite. Letras diferentes na mesma linha da tabela indicam diferenças significativas a 10% pelo teste de Tukey.
Análise comparativa: mais rentáveis versus menos rentáveis
Finalmente, em uma comparação entre alguns indicadores dos dois grupos analisados anteriormente, os de menor rentabilidade e maior rentabilidade, pode-se observar a superioridade do segundo grupo (Tabela 3). A começar por um indicador econômico fundamental em qualquer atividade, mas especialmente importante em commodities: o custo de produção do leite. A título de exemplificação do que está disposto na tabela, as propriedades mais rentáveis do estrato de produtores até 500 litros por dia tiveram custo operacional total médio de R$ 1,94/litro, enquanto os produtores menos rentáveis do mesmo estrato tiveram custo operacional total médio de R$ 2,60/litro, uma diferença de 25,38% em favor dos mais rentáveis. Em média, os produtores mais rentáveis tiveram custo de produção 24% abaixo do grupo dos produtores menos rentáveis. Já na variável preço, os produtores de melhor rentabilidade receberam ágios que variaram de 2,58% a 7,34%. Ou seja, o que levou a uma melhor rentabilidade média foi o custo de produção e os indicadores técnicos, e não apenas o preço do leite. Isso mostra a importância de uma boa assistência técnica, uso de tecnologia e gestão na pecuária de leite, independentemente do tamanho da propriedade.
Reforçando este raciocínio, a produtividade das vacas em lactação, a produtividade da terra, medida em litros por hectare por ano, e a produtividade da mão de obra foram todas bem superiores para as propriedades mais rentáveis. Finalmente, um outro indicador que reflete os ganhos de escala na produção de leite refere-se ao estoque de capital existente por litro de leite produzido. Neste caso, em média, houve uma diferença entre 37,38% e 49,21%, a menor, para os produtores mais rentáveis.
Tabela 3 – Diferença percentual no resultado dos produtores mais rentáveis de cada estrato de volume, em relação ao resultado dos produtores menos rentáveis de cada estrato de volume em MG, em 2023.
Fonte: Labor Rural/Embrapa Gado de Leite.
É evidente que as diferenças são mais acentuadas nos indicadores de eficiência, especialmente a eficiência do uso da terra e na eficiência do uso do estoque de capital geral, reafirmando que ser mais ou menos rentável é um produto das decisões e ações de dentro da porteira. Ainda que a tendência geral seja de produtores maiores obterem melhor remuneração, nota-se que é possível ter bons indicadores e rentabilidade no leite, independente dos estratos de produção média diária. O desafio de avançar em volume não é fácil, mas é um movimento em curso. A exigência de capital para investir e as atuais taxas de juros relativamente elevadas são alguns possíveis impeditivos. No entanto, antes disso, é preciso focar na atividade dentro da porteira e buscar bons resultados nos indicadores técnicos, para obter bons resultados econômicos em consequência.
Autores
Glauco Rodrigues Carvalho – Pesquisador da Embrapa Gado de Leite
Christiano Nascif – Diretor da Labor Rural
Andreza de Fátima Martins – Analista de Dados da Labor Rural
William Heleno Mariano – Analista de Dados da Labor Rural
Giovani da Costa Caetano – Coordenador de Inteligência de Dados da Labor Rural