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Matemática ambiental da produção de leite: qual calculadora temos?

As contas econômicas já fazem parte da rotina da maioria das propriedades leiteiras. Mas e as contas ambientais? Saiba mais aqui!

Publicado em: - 5 minutos de leitura

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Ensinar o(a) produtor(a) a fazer conta! Este sempre foi um desafio para quem trabalha na extensão rural a na transferência de tecnologia.

Sempre pareceu muito estranho como alguém se propunha a desenvolver uma atividade econômica como a produção de leite, mas não fazia, diariamente, as contas para avaliar o desempenho econômico da atividade.

Ensinar os produtores e produtoras de leite a fazerem as contas é uma das primeiras abordagens no Programa Balde Cheio da Embrapa Pecuária Sudeste é um dos motivos de seu sucesso em todos esses anos. Mas o mundo mudou e a sociedade tem novos valores e necessidades na escolha sobre qual alimento irá consumir. Um destes valores é a qualidade ambiental do alimento. Se o produto foi produzido e processado com respeito às leis e aos padrões ambientais que os consumidores entendem como os ideais.

 

Evoluímos! As contas econômicas já fazem parte da rotina da maioria das propriedades leiteiras. Mas e as contas ambientais? Que contas devemos fazer para avaliar se o sistema de produção está sendo eficiente na transformação de insumos e recursos naturais em produtos?

Existe essa matemática? Sim, essa matemática existe e há diversas ferramentas metodológicas paras se avaliar a eficiência ambiental da produção animal.

Uma das mais consagradas é a metodologia do Balanço de Nutrientes (BN). Países europeus, da Oceania e da América do Norte utilizam essa ferramenta há mais de 20 anos, sendo que ela consta nos programas, legislações e políticas relacionadas à avaliação ambiental das propriedades rurais.

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No BN, quantificam-se as entradas e saídas bem como os fluxos de nutrientes do sistema. Na Figura 1 exemplifica-se a abordagem do balanço de nutrientes na propriedade leiteira.

Figura 1. Abordagem do Balanço de Nutrientes em sistemas leiteiros.

balanço de nutrientes

O Balanço de Nutrientes pode ser aplicado em três níveis:

  • Na propriedade como um todo;
  • Somente no sistema de produção-alvo, no caso a atividade leiteira;
  • Considerando somente o uso dos resíduos orgânicos como fertilizante.

Cada nível de aplicação insere diferente grau de informações para se fazer os cálculos. Não existe o melhor nível, mas sim qual o objetivo em se aplicar a ferramenta.

Por exemplo, se o objetivo é avaliar a viabilidade agronômica, ambiental e econômica do uso dos resíduos orgânicos gerados pela atividade leiteira em uma lavoura de milho silagem, o balanço deve ser aplicado tendo como referencial de cálculo somente a quantidade de resíduo disponível, a necessidade da cultura vegetal e a condição do solo (Figura 2).

Figura 2. Balanço de Nutrientes no uso dos resíduos orgânicos como fertilizante.

balanco de nutrientes

No Brasil, o balanço de nutrientes é uma ferramenta que não está sendo considerada pela ciências agrárias, pelos setores pecuários e pelos órgãos gestores. Essa realidade não se justifica, pois a abordagem é um instrumento eficaz e eficiente, considerado nos programas de gestão ambiental de vários países (Palhares et al. 2016).

Segundo Oenema et al. (2003) a abordagem do BN é uma ferramenta valiosa para entender a ciclagem de nutrientes porque resume grandes quantidades de dados em diagramas de entrada/saída transparentes e fáceis de entender.

Oenema e Oenema (2021) destacam que a intensificação da produção leiteira é um fenômeno mundial e a abordagem do balanço de nutrientes é a forma de medir o nível de eficiência do uso de nutrientes e o risco ambiental da atividade. Bhattacharyya et al (2021) concluem que a abordagem do BN está sendo usada pelos agricultores como indicador na gestão de nutrientes e pelos formuladores de políticas como indicador agroambiental. Palhares e Roman (2021) enfatizam que estudos sobre a abordagem do balanço de nutrientes devem ser realizados a fim de subsidiar práticas e tecnologias que melhorem a eficiência do uso de nutrientes pela produção animal, evitando a degradação dos recursos naturais.

Se e eficiência no uso de insumos (alimentos, fertilizantes, sementes, água, etc.) é uma meta a ser buscada, necessita-se conhecer os fluxos destes no sistema produtivo a fim de identificar os limitantes e propor as ações de melhoria da eficiência.

No Brasil ainda não temos a cultura de fazer a matemática ambiental de nossos sistemas leiteiros. Isso dificulta:

  • A identificação das fragilidades ambientais da propriedade,
  • A quantificação dos ivos e ativos ambientais do sistema produtivo,
  • A proposição de boas práticas ambientais baseadas nas condições ambientais, econômicas e sociais da propriedade,
  • A tomada de decisão ambiental e sua viabilidade econômica.
     

A eficiência ambiental não ocorrerá sem informação e conhecimento. Para que o país avance nesta questão, os paradigmas produtivos devem mudar, entendendo qualquer sistema produtivo como uma unidade complexa, aberta a influências externas e internas. Quanto maior a eficiência de uso de insumos, maior a eficiência ambiental, menor o ivo a ser manejado, maiores os impactos positivos na economia da propriedade e para sociedade.

A aplicação do método do Balanço de Nutrientes para a avaliação dos sistemas de produção animal irá gerar os seguintes benefícios:

  • Auxiliar na mudança de visão de "atividade produtiva" para sistema produtivo;
  • Explicitar todos os fluxos de insumos e recursos envolvidos na produção, visualizando a propriedade como um sistema ecológico que interage com outros sistemas, em maior ou menor nível;
  • Internalizar o conceito de zootecnia e agricultura de precisão na atividade;
  • Propiciar impactos positivos na redução do custo de produção e no ivo ambiental;
  • Subsidiar o planejamento de políticas e proposição de legislações que objetivem a adequação da atividade;
  • Empoderar a tomada de decisão de produtores(as), agroindústrias e da sociedade;
  • Reduzir os conflitos entre sociedade/governo/setores devido a falta de informações de desempenho ambiental;
  • Promover a interação das ciências agrária e ambiental.
     

Avaliar ambientalmente a atividade leiteira não pode ser responsabilidade de somente um ator, seja a ciência, o produtor(a), a agroindústria ou uma entidade pública ou privada. A avaliação ambiental é uma ação conjunta. Um balanço de nutrientes feito a várias mãos resulta na tomada de decisões mais assertiva seja na dimensão ambiental ou econômica.

Nos próximos textos irei mostrar qual a realidade da matemática ambiental da produção leiteira no mundo e no Brasil e as práticas e tecnologias que temos para melhorar o desempenho ambiental da atividade leiteira.
 

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Referências Bibliográficas

BHATTACHARYYA, S.S., ADEYEMI, M.A., ONYENEKE, R.U., BHATTACHARYYA, S., FABORODE, H.F.B., MELCHOR-MARTÍNEZ, E.M., IQBAL, H.M.N., PARRA-SALDÍVAR, R. 2021. Nutrient Budgeting — A Robust Indicator of Soil–Water–Air Contamination Monitoring and Prevention. Environmental Technology & Innovation, 24, https://doi.org/10.1016/j.eti.2021.101944

OENEMA, J., OENEMA, O. 2021. Intensification of grassland-based dairy production and its impacts on land, nitrogen and phosphorus use efficiencies. Front. Agr. Sci. Eng., 8, 130?147. https://doi.org/10.15302/J-FASE-2020376

OENEMA, O., KROS, H., DE VRIES, W. 2003. Approaches and uncertainties in nutrient budgets: implications for nutrient management and environmental policies. European Journal of Agronomy, 20, 3-16.

PALHARES, J.C.P. ROMAN, A.D.J. 2021. Balanço de Nitrogênio e Fósforo de propriedades pecuárias de uma microbacia hidrográfica. Revista em Agronegócio e Meio Ambiente, 14(2). https://doi.org/10.17765/2176-9168.2021v14Supl.2.e8860

PALHARES, J.C.P.; MORELLI, M. ; NOVELLI, T. I. Balanço de nutrientes em sistemas de produção animal. In: Gobesso, A.A. DE O. et al.. (Org.). Novos desafios da pesquisa em nutrição e produção animal. 1ed. Pirassununga: Cinco, 2016, v. 1, p. 149-163.

*Fonte da foto: Freepik

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Material escrito por:

Julio Cesar Pascale Palhares

Julio Cesar Pascale Palhares

Pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste

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Ensinar o(a) produtor(a) a fazer conta! Este sempre foi um desafio para quem trabalha na extensão rural a na transferência de tecnologia.

Sempre pareceu muito estranho como alguém se propunha a desenvolver uma atividade econômica como a produção de leite, mas não fazia, diariamente, as contas para avaliar o desempenho econômico da atividade.

Ensinar os produtores e produtoras de leite a fazerem as contas é uma das primeiras abordagens no Programa Balde Cheio da Embrapa Pecuária Sudeste é um dos motivos de seu sucesso em todos esses anos. Mas o mundo mudou e a sociedade tem novos valores e necessidades na escolha sobre qual alimento irá consumir. Um destes valores é a qualidade ambiental do alimento. Se o produto foi produzido e processado com respeito às leis e aos padrões ambientais que os consumidores entendem como os ideais.

 

Evoluímos! As contas econômicas já fazem parte da rotina da maioria das propriedades leiteiras. Mas e as contas ambientais? Que contas devemos fazer para avaliar se o sistema de produção está sendo eficiente na transformação de insumos e recursos naturais em produtos?

Existe essa matemática? Sim, essa matemática existe e há diversas ferramentas metodológicas paras se avaliar a eficiência ambiental da produção animal.

Uma das mais consagradas é a metodologia do Balanço de Nutrientes (BN). Países europeus, da Oceania e da América do Norte utilizam essa ferramenta há mais de 20 anos, sendo que ela consta nos programas, legislações e políticas relacionadas à avaliação ambiental das propriedades rurais.

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No BN, quantificam-se as entradas e saídas bem como os fluxos de nutrientes do sistema. Na Figura 1 exemplifica-se a abordagem do balanço de nutrientes na propriedade leiteira.

Figura 1. Abordagem do Balanço de Nutrientes em sistemas leiteiros.

balanço de nutrientes

O Balanço de Nutrientes pode ser aplicado em três níveis:

  • Na propriedade como um todo;
  • Somente no sistema de produção-alvo, no caso a atividade leiteira;
  • Considerando somente o uso dos resíduos orgânicos como fertilizante.

Cada nível de aplicação insere diferente grau de informações para se fazer os cálculos. Não existe o melhor nível, mas sim qual o objetivo em se aplicar a ferramenta.

Por exemplo, se o objetivo é avaliar a viabilidade agronômica, ambiental e econômica do uso dos resíduos orgânicos gerados pela atividade leiteira em uma lavoura de milho silagem, o balanço deve ser aplicado tendo como referencial de cálculo somente a quantidade de resíduo disponível, a necessidade da cultura vegetal e a condição do solo (Figura 2).

Figura 2. Balanço de Nutrientes no uso dos resíduos orgânicos como fertilizante.

balanco de nutrientes

No Brasil, o balanço de nutrientes é uma ferramenta que não está sendo considerada pela ciências agrárias, pelos setores pecuários e pelos órgãos gestores. Essa realidade não se justifica, pois a abordagem é um instrumento eficaz e eficiente, considerado nos programas de gestão ambiental de vários países (Palhares et al. 2016).

Segundo Oenema et al. (2003) a abordagem do BN é uma ferramenta valiosa para entender a ciclagem de nutrientes porque resume grandes quantidades de dados em diagramas de entrada/saída transparentes e fáceis de entender.

Oenema e Oenema (2021) destacam que a intensificação da produção leiteira é um fenômeno mundial e a abordagem do balanço de nutrientes é a forma de medir o nível de eficiência do uso de nutrientes e o risco ambiental da atividade. Bhattacharyya et al (2021) concluem que a abordagem do BN está sendo usada pelos agricultores como indicador na gestão de nutrientes e pelos formuladores de políticas como indicador agroambiental. Palhares e Roman (2021) enfatizam que estudos sobre a abordagem do balanço de nutrientes devem ser realizados a fim de subsidiar práticas e tecnologias que melhorem a eficiência do uso de nutrientes pela produção animal, evitando a degradação dos recursos naturais.

Se e eficiência no uso de insumos (alimentos, fertilizantes, sementes, água, etc.) é uma meta a ser buscada, necessita-se conhecer os fluxos destes no sistema produtivo a fim de identificar os limitantes e propor as ações de melhoria da eficiência.

No Brasil ainda não temos a cultura de fazer a matemática ambiental de nossos sistemas leiteiros. Isso dificulta:

  • A identificação das fragilidades ambientais da propriedade,
  • A quantificação dos ivos e ativos ambientais do sistema produtivo,
  • A proposição de boas práticas ambientais baseadas nas condições ambientais, econômicas e sociais da propriedade,
  • A tomada de decisão ambiental e sua viabilidade econômica.
     

A eficiência ambiental não ocorrerá sem informação e conhecimento. Para que o país avance nesta questão, os paradigmas produtivos devem mudar, entendendo qualquer sistema produtivo como uma unidade complexa, aberta a influências externas e internas. Quanto maior a eficiência de uso de insumos, maior a eficiência ambiental, menor o ivo a ser manejado, maiores os impactos positivos na economia da propriedade e para sociedade.

A aplicação do método do Balanço de Nutrientes para a avaliação dos sistemas de produção animal irá gerar os seguintes benefícios:

  • Auxiliar na mudança de visão de "atividade produtiva" para sistema produtivo;
  • Explicitar todos os fluxos de insumos e recursos envolvidos na produção, visualizando a propriedade como um sistema ecológico que interage com outros sistemas, em maior ou menor nível;
  • Internalizar o conceito de zootecnia e agricultura de precisão na atividade;
  • Propiciar impactos positivos na redução do custo de produção e no ivo ambiental;
  • Subsidiar o planejamento de políticas e proposição de legislações que objetivem a adequação da atividade;
  • Empoderar a tomada de decisão de produtores(as), agroindústrias e da sociedade;
  • Reduzir os conflitos entre sociedade/governo/setores devido a falta de informações de desempenho ambiental;
  • Promover a interação das ciências agrária e ambiental.
     

Avaliar ambientalmente a atividade leiteira não pode ser responsabilidade de somente um ator, seja a ciência, o produtor(a), a agroindústria ou uma entidade pública ou privada. A avaliação ambiental é uma ação conjunta. Um balanço de nutrientes feito a várias mãos resulta na tomada de decisões mais assertiva seja na dimensão ambiental ou econômica.

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Referências Bibliográficas

BHATTACHARYYA, S.S., ADEYEMI, M.A., ONYENEKE, R.U., BHATTACHARYYA, S., FABORODE, H.F.B., MELCHOR-MARTÍNEZ, E.M., IQBAL, H.M.N., PARRA-SALDÍVAR, R. 2021. Nutrient Budgeting — A Robust Indicator of Soil–Water–Air Contamination Monitoring and Prevention. Environmental Technology & Innovation, 24, https://doi.org/10.1016/j.eti.2021.101944

OENEMA, J., OENEMA, O. 2021. Intensification of grassland-based dairy production and its impacts on land, nitrogen and phosphorus use efficiencies. Front. Agr. Sci. Eng., 8, 130?147. https://doi.org/10.15302/J-FASE-2020376

OENEMA, O., KROS, H., DE VRIES, W. 2003. Approaches and uncertainties in nutrient budgets: implications for nutrient management and environmental policies. European Journal of Agronomy, 20, 3-16.

PALHARES, J.C.P. ROMAN, A.D.J. 2021. Balanço de Nitrogênio e Fósforo de propriedades pecuárias de uma microbacia hidrográfica. Revista em Agronegócio e Meio Ambiente, 14(2). https://doi.org/10.17765/2176-9168.2021v14Supl.2.e8860

PALHARES, J.C.P.; MORELLI, M. ; NOVELLI, T. I. Balanço de nutrientes em sistemas de produção animal. In: Gobesso, A.A. DE O. et al.. (Org.). Novos desafios da pesquisa em nutrição e produção animal. 1ed. Pirassununga: Cinco, 2016, v. 1, p. 149-163.

*Fonte da foto: Freepik

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Material escrito por:

Julio Cesar Pascale Palhares

Julio Cesar Pascale Palhares

Pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste

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