Ensinar o(a) produtor(a) a fazer conta! Este sempre foi um desafio para quem trabalha na extensão rural a na transferência de tecnologia.
Sempre pareceu muito estranho como alguém se propunha a desenvolver uma atividade econômica como a produção de leite, mas não fazia, diariamente, as contas para avaliar o desempenho econômico da atividade.
Ensinar os produtores e produtoras de leite a fazerem as contas é uma das primeiras abordagens no Programa Balde Cheio da Embrapa Pecuária Sudeste é um dos motivos de seu sucesso em todos esses anos. Mas o mundo mudou e a sociedade tem novos valores e necessidades na escolha sobre qual alimento irá consumir. Um destes valores é a qualidade ambiental do alimento. Se o produto foi produzido e processado com respeito às leis e aos padrões ambientais que os consumidores entendem como os ideais.
Evoluímos! As contas econômicas já fazem parte da rotina da maioria das propriedades leiteiras. Mas e as contas ambientais? Que contas devemos fazer para avaliar se o sistema de produção está sendo eficiente na transformação de insumos e recursos naturais em produtos?
Existe essa matemática? Sim, essa matemática existe e há diversas ferramentas metodológicas paras se avaliar a eficiência ambiental da produção animal.
Uma das mais consagradas é a metodologia do Balanço de Nutrientes (BN). Países europeus, da Oceania e da América do Norte utilizam essa ferramenta há mais de 20 anos, sendo que ela consta nos programas, legislações e políticas relacionadas à avaliação ambiental das propriedades rurais.
No BN, quantificam-se as entradas e saídas bem como os fluxos de nutrientes do sistema. Na Figura 1 exemplifica-se a abordagem do balanço de nutrientes na propriedade leiteira.
Figura 1. Abordagem do Balanço de Nutrientes em sistemas leiteiros.
O Balanço de Nutrientes pode ser aplicado em três níveis:
- Na propriedade como um todo;
- Somente no sistema de produção-alvo, no caso a atividade leiteira;
- Considerando somente o uso dos resíduos orgânicos como fertilizante.
Cada nível de aplicação insere diferente grau de informações para se fazer os cálculos. Não existe o melhor nível, mas sim qual o objetivo em se aplicar a ferramenta.
Por exemplo, se o objetivo é avaliar a viabilidade agronômica, ambiental e econômica do uso dos resíduos orgânicos gerados pela atividade leiteira em uma lavoura de milho silagem, o balanço deve ser aplicado tendo como referencial de cálculo somente a quantidade de resíduo disponível, a necessidade da cultura vegetal e a condição do solo (Figura 2).
Figura 2. Balanço de Nutrientes no uso dos resíduos orgânicos como fertilizante.
No Brasil, o balanço de nutrientes é uma ferramenta que não está sendo considerada pela ciências agrárias, pelos setores pecuários e pelos órgãos gestores. Essa realidade não se justifica, pois a abordagem é um instrumento eficaz e eficiente, considerado nos programas de gestão ambiental de vários países (Palhares et al. 2016).
Segundo Oenema et al. (2003) a abordagem do BN é uma ferramenta valiosa para entender a ciclagem de nutrientes porque resume grandes quantidades de dados em diagramas de entrada/saída transparentes e fáceis de entender.
Oenema e Oenema (2021) destacam que a intensificação da produção leiteira é um fenômeno mundial e a abordagem do balanço de nutrientes é a forma de medir o nível de eficiência do uso de nutrientes e o risco ambiental da atividade. Bhattacharyya et al (2021) concluem que a abordagem do BN está sendo usada pelos agricultores como indicador na gestão de nutrientes e pelos formuladores de políticas como indicador agroambiental. Palhares e Roman (2021) enfatizam que estudos sobre a abordagem do balanço de nutrientes devem ser realizados a fim de subsidiar práticas e tecnologias que melhorem a eficiência do uso de nutrientes pela produção animal, evitando a degradação dos recursos naturais.
Se e eficiência no uso de insumos (alimentos, fertilizantes, sementes, água, etc.) é uma meta a ser buscada, necessita-se conhecer os fluxos destes no sistema produtivo a fim de identificar os limitantes e propor as ações de melhoria da eficiência.
No Brasil ainda não temos a cultura de fazer a matemática ambiental de nossos sistemas leiteiros. Isso dificulta:
- A identificação das fragilidades ambientais da propriedade,
- A quantificação dos ivos e ativos ambientais do sistema produtivo,
- A proposição de boas práticas ambientais baseadas nas condições ambientais, econômicas e sociais da propriedade,
- A tomada de decisão ambiental e sua viabilidade econômica.
A eficiência ambiental não ocorrerá sem informação e conhecimento. Para que o país avance nesta questão, os paradigmas produtivos devem mudar, entendendo qualquer sistema produtivo como uma unidade complexa, aberta a influências externas e internas. Quanto maior a eficiência de uso de insumos, maior a eficiência ambiental, menor o ivo a ser manejado, maiores os impactos positivos na economia da propriedade e para sociedade.
A aplicação do método do Balanço de Nutrientes para a avaliação dos sistemas de produção animal irá gerar os seguintes benefícios:
- Auxiliar na mudança de visão de "atividade produtiva" para sistema produtivo;
- Explicitar todos os fluxos de insumos e recursos envolvidos na produção, visualizando a propriedade como um sistema ecológico que interage com outros sistemas, em maior ou menor nível;
- Internalizar o conceito de zootecnia e agricultura de precisão na atividade;
- Propiciar impactos positivos na redução do custo de produção e no ivo ambiental;
- Subsidiar o planejamento de políticas e proposição de legislações que objetivem a adequação da atividade;
- Empoderar a tomada de decisão de produtores(as), agroindústrias e da sociedade;
- Reduzir os conflitos entre sociedade/governo/setores devido a falta de informações de desempenho ambiental;
- Promover a interação das ciências agrária e ambiental.
Avaliar ambientalmente a atividade leiteira não pode ser responsabilidade de somente um ator, seja a ciência, o produtor(a), a agroindústria ou uma entidade pública ou privada. A avaliação ambiental é uma ação conjunta. Um balanço de nutrientes feito a várias mãos resulta na tomada de decisões mais assertiva seja na dimensão ambiental ou econômica.
Nos próximos textos irei mostrar qual a realidade da matemática ambiental da produção leiteira no mundo e no Brasil e as práticas e tecnologias que temos para melhorar o desempenho ambiental da atividade leiteira.
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Referências Bibliográficas
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*Fonte da foto: Freepik