O sistema de armazenamento de resíduos líquidos em uma fazenda leiteira requer muito cuidado. O manejo deve ser minucioso e precisa de atenção do produtor assim como os outros pontos da propriedade.
A esterqueira (Figura 1) não é considerada um sistema de tratamento resíduos, mas sim de armazenamento. Como tal, sua função é armazenar os resíduos por um período de tempo até o uso deles como fertilizante. Cada região dá um nome diferente para essa estrutura, os mais comuns são: esterqueira, chorumeira ou lagoa.
Figura 1. Esterqueiras instaladas em fazendas leiteiras. A- esterqueira escava e impermeabilizada com geomembrana. B- esterqueira em alvenaria e com cobertura de telhado.
Ao longo do perfil da esterqueira se pode distinguir três zonas diferentes. A zona mais profunda, com alto teor de fósforo. Acima dessa zona, há uma camada de lodo que nunca deve ser retirada em sua totalidade, pois ele é o material que mais contribui para o processo de degradação da matéria orgânica.
A retirada parcial pode ser feita, pois o lodo é um material rico em nutrientes e essa retirada parcial facilita o manejo da esterqueira, evitando o assoreamento da estrutura. A última zona é formada pelo líquido superficial. Tem baixo teor de sólidos e moderada concentração de nutrientes.
O volume da esterqueira deve ser o suficiente para armazenar os dejetos, o lodo acumulado no fundo, algum escorrimento superficial, o volume precipitado menos o evaporado e o volume de uma chuva intensa num curto período de tempo (24h). A esterqueira pode ser dimensionada usando a seguinte fórmula:
- VEST = Volume da esterqueira (m3)
- TA = Tempo de armazenamento.
O valor de Ta é de 30 dias. A lei de licenciamento ambiental do Estado em que a propriedade se localiza pode determinar um valor de Ta diferente. Por isso, antes de dimensionar, consulte o órgão licenciador. Na Tabela 1 há exemplos de legislações de alguns Estados com o tempo mínimo de armazenamento, bem como outras exigências para construção da esterqueira.
VRES = Volume total dejetos produzidos por dia (m3). No Episódio 6: consumos de água no sistema de produção de leite já abordamos como medir a geração de dejetos e efluentes na sala de ordenha.
FATOR = O valor do Fator depende do tipo de sistema de desvio da água de chuva.
Fator = 1,0. Nenhuma água da chuva vai para dentro da esterqueira. A sala de ordenha possui calhas em todos os telhados e sistema de drenagem para água da chuva que cai no piso ser desviada da esterqueira.
Fator = 1,20. Parte da água da chuva vai para dentro da esterqueira. A sala de ordenha possui calhas em todos os telhados, mas a chuva que cai no piso vai para esterqueira.
Fator = 1,35. Todas as águas de chuva que caem nos telhados e pisos da sala de ordenha vão para esterqueira.
Tabela 1. Exemplos para alguns Estados das características estruturais e de manejo que do sistema de armazenamento de resíduos.
Uma esterqueira bem dimensionada trará as seguintes vantagens para o produtor(a):
- Tranquilidade por saber que a propriedade maneja de forma correta os resíduos;
- Flexibilidade no uso dos resíduos como fertilizante, você determina o melhor momento para aplicar;
- Utilização mais eficaz dos nutrientes e da água presentes nos dejetos.
Vamos considerar uma propriedade leiteira localizada no Estado de Minas Gerais que tem 40 vacas em lactação. Os animais são ordenhados duas vezes por dia e a produção de dejetos por vaca é de 50 litros por dia. Antes de fazer a lavagem do piso da sala de ordenha é feita a raspagem para retirada dos estercos. Vamos considerar um Ta de 30 dias.
Nesta fazenda o volume total de dejeto produzido por dia será:
40 vacas em lactação x 50 litros de dejetos por vaca = 2.000 litros ou 2 m3
Como vimos, o Fator depende do tipo de manejo das águas de chuva que a propriedade tem. Vamos considerar as três possibilidades para ver como isso influencia no tamanho da esterqueira
- Cálculo 1- a propriedade possui calhas em todos os telhados e sistema de drenagem para água da chuva que cai no piso ser desviada da esterqueira.
Volume da esterqueira (Vest) = 30 x 2 x 1,0 = 60 m3
- Cálculo 2- a propriedade possui calhas em todos os telhados da sala de ordenha, mas a chuva que cai no piso vai para esterqueira.
Volume da esterqueira (Vest) = 30 x 2 x 1,20 = 72 m3
- Cálculo 3- todas as águas de chuva que caem nos telhados e pisos da sala de ordenha vão para esterqueira.
Volume da esterqueira (Vest) = 30 x 2 x 1,35 = 81 m3
Fica claro que se na sala de ordenha não tiver desvios da água da chuva, a esterqueira será 21 m3 maior, comparando a forma de cálculo 1 com a 3. Isso significa maior investimento para construção da esterqueira e maior custo de manutenção da estrutura.
No dimensionamento da esterqueira o produtor(a) deve considerar as possíveis ampliações que podem ocorrer no rebanho da propriedade. Se houver uma ampliação do número de animais e a esterqueira continuar do mesmo tamanho, o risco ambiental será maior.
O ideal é dimensionar a esterqueira planejando o que vai acontecer com o rebanho e com a estrutura da propriedade nos próximos 5 anos. Em propriedades que a esterqueira já existe, se deve avaliar o tamanho dela, e se não estiver de acordo com as orientações deve ser redimensionada.
Esterqueiras muito pequenas (Figura 2) irão ocasionar problemas como: transbordamento frequente, elevada frequência de retirada dos resíduos e maior custo de manutenção da estrutura devido a maior frequência de manuseio.
Figura 2. Exemplos de esterqueiras pequenas, considerando o número de vacas em lactação e a produção diária de dejetos.
Na construção da esterqueira se deve considerar:
- A esterqueira deve ser escavada no solo. A largura e o comprimento dela irão depender da disponibilidade de área na propriedade. Recomenda-se que a esterqueira tenha a profundidade de 3 m. Isso é importante para correta degradação do resíduo.
- A esterqueira deve ter seu fundo e paredes impermeabilizadas. Isso é importante para evitar a infiltração no solo. A impermeabilização pode ser feita de alvenaria ou geomembrana (manta de liga plástica, elástica e flexível). É importante o produtor(a) consultar a agência ambiental do seu estado para saber se existe alguma recomendação sobre o tipo de impermeabilização da esterqueira.
- Para a condução por gravidade dos resíduos para esterqueira, os canos ou canaletas devem ter declividade mínima de 2%.
- É recomendável ter uma grade ou tela antes do resíduo entrar na esterqueira para reter material grosseiro como cascalhos, pedras, pedaços de plástico e borracha e galhos. Se estes materiais não forem removidos irão causar perda de volume de armazenamento, entupimento dos canos e desgaste de bombas. A grade ou tela deve ser verificada rotineiramente para retirada do material retido.
- Se o efluente for retirado com tanque, deve ser considerado o o do trator e um espaço de manobra na área da esterqueira.
- A esterqueira deve estar a uma distância mínima de 25 m da sala de ordenha. É importante o produtor(a) consultar a agência ambiental do seu estado para saber se existe alguma recomendação quanto à distância mínima da sala de ordenha, residências, vizinhos, etc.
No manejo da esterqueira se deve considerar:
- Não devem existir pontos de vazamento de água na sala de ordenha (boias de bebedouros quebradas, torneiras pingando, canos furados, etc.). Vazamentos significam perde de água e maior volume de resíduo produzido. Tudo isso significa maior custo.
- Os pisos da sala de ordenha devem ser mantidos em bom estado de conservação, sem rachaduras e buracos.
- Deve-se manter uma distância mínima de 0,3 m de bordo livre (distância entre o nível máximo do líquido e a borda da esterqueira) para reduzir o risco de transbordamento.
- A mangueira ou cano para retirada do efluente deve ser colocado a uma profundidade mínima de 1 m e máxima de 2 m para que no momento da retirada não seja revolvido os sólidos do fundo.
- A área do entorno da esterqueira deve estar coberta por vegetação densa (ex. grama ou algum tipo de pastagem que não deixe o solo exposto). A vegetação deve ser cortada regularmente. O objetivo de manter a área vegetada é para evitar a erosão e, caso ocorra algum transbordamento, essa vegetação irá auxiliar como uma barreira para que o líquido não espalhe pela área.
- Manter dentro da esterqueira uma escada de corda ou qualquer equipamento que permita que se alguém cair dentro consiga sair.
- Cercar a esterqueira para impedir o o de humanos e animais. O ideal é cerca telada na altura de 1 m para impedir a agem de crianças e animais silvestres de pequeno e médio porte.
- Se o nível da esterqueira ficar muito baixo, tornando visível o lodo do fundo, isso pode causar problemas quanta a emissão de odores. Por isso, é recomendável que na retirada do efluente, se deixe a camada de lodo do fundo coberta com líquido. O ideal é retirar o dejeto até no máximo 1 m de profundidade (considerando uma esterqueira de 3 m de profundidade).
- Sugere-se fazer uma marcação na manta de revestimento ou na estrutura de alvenaria para que o operador possa visualizar o nível em que o dejeto deve ser retirado (entre a zona de risco de transbordamento e a superfície do lodo).
- O leite descartado por algum problema de qualidade ou de sanidade do rebanho pode ser armazenado na esterqueira, desde que isso não seja um evento rotineiro na propriedade e que o descarte do leite não represente mais do que 30% do volume da esterqueira. O excesso de leite na esterqueira irá provocar problemas de odor, moscas e entupimento das estruturas de condução e distribuição dos resíduos.
- Uma esterqueira que não está sendo mais utilizada deve ser fechada para que não represente risco para o meio ambiente.
Semanalmente os seguintes manejos de inspeção devem ser realizados:
- Monitore o nível de armazenamento do líquido. Com isso o produtor(a) terá informações se há suficiente capacidade de armazenamento até a próxima descarga de líquido. Se faltar pouco para atingir o nível máximo, você terá tempo para tomar a melhor decisão.
- Realize a inspeção visual da estrutura. Avalie os pontos de inspeção, conexões dos canos, o tamanho da vegetação, se animais andaram pela área e se água de escorrimento pelo solo está sendo desviada da esterqueira.
- Verifique as cercas, escadas de escape e sinais de aviso para se certificar de que estão legíveis.
As circunstâncias e/ou práticas que predispõem a falhas no sistema de armazenamento são:
- Incompatibilidade do local com o tipo de sistema de armazenamento;
- Estimativa errada de volume diário produzido de resíduo;
- Não consideração de alterações de manejo, equipamentos ou aumento do número de vacas em lactação que impactem o volume e a característica dos resíduos;
- Inadequada manutenção do sistema de armazenamento;
- Sistema mal projetado e sem consideração das águas de drenagem que podem ser direcionadas para esterqueira.
Não deve ser permitido que o líquido armazenado na esterqueira transborde. O transbordamento significa alto risco ambiental e de penalidades para o produtor(a). As seguintes ações podem ser feitas para evitar o transbordamento:
- Dimensione a esterqueira de forma correta para armazenar a quantidade de efluente produzida no período.
- Instale uma haste (pode ser uma tábua, bambu, etc.) para monitorar o nível do líquido na esterqueira;
- Reserve a capacidade máxima da esterqueira para períodos de muita chuva e/ou que impeçam a aplicação no solo;
- Remova o líquido para outra estrutura de armazenamento quando se atingir o nível operacional máximo;
Remediar um transbordamento é caro e demorado. Portanto, a prevenção deve ser o objetivo. A supervisão rotineira da esterqueira reduz o risco de transbordamento.
Como vimos, armazenar os resíduos líquidos de um sistema leiteiro é uma técnica, não se limitando a simples construção de um tanque. Sendo uma estrutura do sistema de produção a esterqueira deve ser planejada e manejada de forma tecnicamente correta. Isso significará benefícios ambientais, econômicos e sociais para o produtor(a).
No próximo texto iremos ver como utilizar o efluente como fertilizante de forma agronomicamente e ambientalmente correta. Até lá!