Na Parte 6 de nossa série abordamos o tema Consumos de água no Sistema de Produção de Leite. A água na produção leiteira tem duas dimensões: a da quantidade, que se traduz nos vários consumos do dia a dia (dessedentação, lavagem, limpeza, irrigação, etc.) e a da qualidade, que vai afetar não só a sanidade e o bem-estar animal, mas também a qualidade ambiental, conforme a forma de disposição dos resíduos da atividade leiteira.
Confira o vídeo resumo:
O que determina o padrão (valor limite adotado como requisito normativo de um parâmetro de qualidade de água) que a água tem que ter é o tipo de uso. Podemos dividir os usos em dois conjuntos: usos nobres e usos não-nobres da água. Os usos nobres são os consumos de humanos e animais, bem como o uso da água para lavagem de equipamentos/utensílios que têm contato com o produto leite. Os usos não-nobres englobam a lavagem de pisos dos currais, irrigação, sistemas de resfriamento, etc.
A pergunta que sempre produtores(as) fazem é: minha água é boa? A pergunta está errada. A pergunta correta é: minha água é boa para qual tipo de uso? Somente com a definição do tipo de uso é que podemos saber se a água está de acordo com o padrão de qualidade para aquele tipo de uso.
O Brasil tem duas Resoluções do Conselho Nacional de Meio Ambiente que determinam os padrões para água de consumo dos animais. Portanto sugere-se a leitura e consulta rotineira das Resoluções Conama 357, que classifica as águas doce a salobras e estabelece como padrão mínimo águas Classe 3 para dessedentação de animais e a Conama 396, que classifica as águas subterrâneas.
A qualidade da água pode ser definida por uma ou mais das seguintes características: odor, sabor, aparência, propriedades físicas e químicas, teor de macro e microminerais, presença de substâncias tóxicas e de micro-organismos.
Em uma propriedade rural pode haver várias fontes de água. Todas são íveis de uso. A opção por utilizar uma fonte será determinada pela quantidade e qualidade da água que essa oferece, pelo risco ambiental e pelo custo de uso (captação e distribuição). No Quadro 1 listam-se as vantagens e desvantagens dos vários tipos de fonte de água que podem existir em uma propriedade leiteira.
Quadro 1. Tipos de fonte de água em uma propriedade rural e suas vantagens e desvantagens para o uso.
Fonte |
Vantagem |
Desvantagem |
Rios, Riachos e Córregos |
Ocorrência natural, sem custo de instalação
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Lagos e Lagoas |
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Nascentes |
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Poços |
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Captação de água da chuva |
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Água ofertada pelas companhias de saneamento ou poços comunitários |
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Fonte: Adaptado de Blocksome e Powell (2006).
Análises da qualidade da água devem ser realizadas periodicamente. Fazer a análise somente no momento que um problema for detectado significará maiores gastos financeiros para correção de algo que poderia ter sido evitado se houvesse a prática do monitoramento da qualidade da água. Lembre-se que água de qualidade ruim significará perdas financeiras devido ao impacto negativo que uma água pode ter no desempenho dos animais.
A frequência mínima de análise deve ser de uma para cada fonte de água por ano. Destacando que o tipo de fonte irá determinar frequências maiores, ou seja, quanto maior o risco a poluição ou contaminação que a fonte estiver exposta, maior a periodicidade de análise.
A qualidade da água de uma fonte é resultado da condição da bacia hidrográfica, do manejo agrícola e do solo da área do entorno e do uso que se faz da fonte. Qualquer situação incomum relacionada à água como: alterações no odor, cor, gosto, mudanças nos hábitos de alimentação e dessedentação dos animais, perda de desempenho e da condição de saúde devem ser motivos para imediata análise de água.
Ao coletar uma amostra de água é importante seguir o protocolo de amostragem do laboratório, a fim de assegurar que os resultados são confiáveis e precisos. Se a coleta e o manuseio são feitos de forma errada a amostra irá se deteriorar, comprometendo toda a análise. Isso significa perda de tempo e de dinheiro.
Aconselha-se a contratação de um laboratório que tenha experiência em amostras de propriedades rurais. Comparar os resultados da amostra com os padrões legais é fácil, mas saber orientar o produtor(a) sobre o que deve ser feito para manter a qualidade avaliada ou melhorar a qualidade da água a fim desta ter padrão desejado não é de domínio da maioria dos técnicos laboratoriais.
Uma questão comum do produtor(a) ou do técnico(a) é: quais parâmetros de qualidade da água devem ser analisados? Recomenda-se que no mínimo sejam analisados os seguintes parâmetros:
- Potencial Hidrogeniônico - pH
- Nitrato
- Sólidos Totais Dissolvidos
- Coliformes termotolerantes e Escherichia coli.
A análise dos parâmetros citados acima dará poder de decisão ao produtor(a) para saber se deve ou não fazer alguma intervenção na fonte a fim de melhorar a qualidade da água. Esta análise terá um custo de R$ 80,00 a R$ 120,00, dependendo da região da propriedade.
O o de humanos e animais a uma fonte de água é sempre um risco à sua qualidade. Por isso, as fontes devem estar sempre isoladas fisicamente e a água ser ofertada aos animais por bebedouros. A Figura 1 classifica algumas fontes de água quanto ao risco a sua qualidade.
Não existe fonte de risco nulo, pois a água está sempre interagindo com diversos aspectos ambientais e produtivos e pode ter sua qualidade alterada por qualquer atividade humana.
A qualidade também não é estática no tempo, alterando de acordo com eventos como a chuva ou o uso de fertilizantes químicos e orgânicos.
Assim, mesmo no caso de fontes de água subterrâneas, como poços, a qualidade da água pode ser alterada o que reafirma a necessidade de que seja feito o monitoramento.
Rios são as fontes de maior risco, pois interagem com diversas atividades humanas ao longo de seu curso. Cidades, indústrias, agricultura, etc.; poderão promover impactos negativos na qualidade da água, podendo a água do rio não ter o padrão de qualidade para os diversos usos da atividade leiteira. Se o rio é a única fonte de água disponível, recomenda-se frequência mensal de análise e sugere-se que essa fonte seja substituída por outra mais segura. Se a substituição não puder ser integral, que seja parcial, utilizando-se poços ou captação de água de chuva. Sendo possível a substituição da água do rio, reserve a água do rio para os usos não nobres.
Lagos, tanques e canais apresentam risco médio, pois, geralmente, são estruturas de fácil o a humanos e animais. As fontes devem estar isoladas. Isso se justifica, pois quando um animal tem o a esse tipo de fonte o seu caminhar irá suspender uma série de elementos, bem como ele poderá urinar e defecar na água. Todos esses são fatores que depreciarão a qualidade da água.
Nascentes, poços e cisternas apresentam baixo risco, pois são fontes localizadas na área da propriedade, portanto, a qualidade que terão depende em grande parte do manejo que é feito da fonte, ou seja, é de total responsabilidade do produtor(a).
Poços superficiais localizados em regiões agrícolas com intenso manejo do solo, a frequência de análise deve ser maior, pois esses são mais suscetíveis à contaminação por infiltração e escorrimentos superficiais. Suas estruturas devem ser checadas periodicamente, objetivando reparar possíveis danos que poderão comprometer a qualidade da água.
Nascentes protegidas e isoladas do contato humano e animal; poços construídos de acordo com as recomendações técnicas; cisternas manejadas respeitando-se as normas técnicas; uso do solo, de fertilizantes e de agroquímicos de forma conservacionista, proporcionarão águas de boa qualidade. Nesses casos, análises anuais são suficientes para avaliar se a qualidade servida está de acordo com os padrões.
Cuidamos de vários aspectos produtivos da produção de leite, como a qualidade dos alimentos, o bem-estar dos animais, os padrões de sanidade, etc. A água e sua qualidade é um aspecto produtivo fundamental da produção e que se relaciona com todos os outros aspectos, podendo uma água de má qualidade impactar de forma negativa o desempenho e a saúde dos animais.
Conhecer a conservar a qualidade da água de acordo com os vários padrões de uso exigidos na atividade leiteira deve ser parte do manejo de rotina da propriedade. Isso só trará benefícios produtivos, econômicos e ambientais para o produtor(a).
Não fez sua análise de qualidade da água ainda? A hora é agora!
Quer aprender mais, assista os vídeos: Qualidade da Água na Produção Animal, Fontes de Água e Como Coletar uma Amostra para Análise da Água.
Bibliografia Consultada:
BLOCKSOME, C.E.; POWELL, G.M. Waterers and watering systems: A handbook for livestock owners and landowners. Kansas State University Agricultural Experiment Station and Cooperative Extension Service: Manhattan. 2006. 151p.
CONAMA. Resolução nº 357 de 17 de março de 2005. Disponível em: http://www.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=459
CONAMA. Resolução nº 396 de 03 de abril de 2008. Disponível em: http://www2.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=562
PALHARES, J.C.P. Manejo hídrico na produção animal. In: PALHARES, J.C.P.; GEBLER, L. (Org.). Gestão Ambiental na Agropecuária. 1ed. Vol.2. Brasília: Embrapa, 2014, p.99-144.
PALHARES, J. C. P. Qualidade da água na produção animal. São Carlos: Embrapa Pecuária Sudeste, 2014 (Comunicado Técnico). https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/98412/1/Comunicado103.pdf