A água é, sem dúvida, a bebida mais consumida no mundo. Os maiores consumidores de água no mundo são Itália (188,5 litros/hab.), Alemanha (177,3 litros per capita) e França (139,3 litros per capita) (RODWAN, 2016).
Em muitos lugares toma-se água de torneira, água filtrada, etc. Mas, a demanda por água engarrafada tem crescido consistentemente nas últimas décadas. De acordo com Etale et al. (2018), a água mineral representa uma das bebidas com maior crescimento no mercado mundial. Nos Estados Unidos, o consumo de água mineral cresceu 21,3% entre 2011 e 2021 (Tabela 1).
Tabela 1. Volume vendido de água engarrafada nos Estados Unidos (em galões).
Fonte: Beverage Marketing Corporation (2022).
Projeções recentes indicam que o consumo de água engarrafada deve ultraar o de refrigerantes, se tornando a maior categoria de bebidas em volume. Mesmo em países em que a água de torneira é perfeitamente saudável, o consumo de água engarrafada está crescendo.
Inúmeros estudos investigam o motivo dessa mudança de comportamento do consumidor, mas o mais provável é a ação do marketing. Wilk (2006) afirma que o marketing maciço foi o principal responsável por transformar uma mera commodity em um bem de valor agregado.
Com isso, existem certificações, padrões e várias inovações no setor. Existe água com sabores exóticos, com ou sem gás e até sommelier profissional de água e aulas para aprender a equilibrar o tipo de água com o tipo de refeição. Segundo Wilk (2006), a água engarrafada é uma forma de consumo cultural, influenciada por vários fatores que vão desde a competição por status até a crença de que essa bebida pode curar.
As ações de marketing influenciaram bastante o consumo de água mineral, construindo conteúdo baseado na história positiva da água, apelando para aspectos de corpo e identidade e ressaltando exterioridades de segurança, saúde e natureza. Além disso, ressaltou-se a identificação de origem, enfatizando atributos como regiões exóticas, excêntricas e sofisticadas, elevando o valor agregado de certos tipos de água.
Aproveitando dos avanços e descobertas científicas, a indústria de água conseguiu segmentar o consumo investindo tanto nos componentes e apelos dos tipos de água, quanto na sua embalagem. Assim, tem-se água para as necessidades especiais de mulheres, marcas para crianças, para jovens atletas, água personalizada para celebridades ou eventos como casamentos, para esportistas, água específica para determinados esportes como, por exemplo, para futebol ou tênis, água diet e até água para animais de estimação.
E essa tendência também é observada no Brasil. Analisando a evolução do consumo domiciliar per capita ao longo dos anos (Figura 1) é possível notar o crescimento constante do consumo de água mineral.
De acordo com a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do IBGE, o leite era o alimento mais consumido nos lares brasileiros em 2003, estando à frente de inúmeros alimentos típicos da culinária nacional. No entanto, os brasileiros foram perdendo interesse por este produto, ao o que o consumo de água cresceu a ponto de se tornar o alimento mais consumido no Brasil em 2018.
Figura 1. Evolução do consumo domiciliar per capita de água e de leite no Brasil.
Fonte: IBGE. Elaborado pelos autores.
Entre 2003 e 2009, o consumo per capita de leite caiu 5%, enquanto o de água cresceu 27%. Entre 2009 e 2017, cada brasileiro reduziu, em média, seu consumo de leite em 22%, ao o que o consumo de água aumentou em 85%. Assim, no período todo, o consumo per capita de leite no Brasil reduziu 26%. Por outro lado, o consumo per capita de água mineral nas residências brasileiras expandiu-se em 136%.
Além do apelo de marketing mencionado anteriormente, o mercado de água mineral se valeu também da orientação de médicos e nutricionistas sobre a ingestão inadequada de água. Antes dos anos 2000, não era comum se ouvir orientações de especialistas de saúde sobre a quantidade de água a ser ingerida diariamente. Com isso, a água ocupou o espaço de diversas outras bebidas, como refrigerantes, sucos e até do leite.
No caso do leite, a orientação dos profissionais de saúde atualmente parece ser ao contrário. Muitos orientam os pacientes a não consumir leite e derivados, o que tem servido de estímulo ao crescente mercado de bebidas e derivados à base de plantas.
Além disso, pesam também sobre o setor lácteo, denúncias de maus tratos aos animais e prejuízos ao meio ambiente. Neste cenário, parece que o setor lácteo tem muito a aprender com os profissionais responsáveis pela expansão do consumo de água no mundo, transformando um bem público em um produto de elevado valor agregado e alta demanda, mesmo em um país de renda baixa como o Brasil.
Referências bibliográficas
BMC - Beverage Marketing Corporation (2022).
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