Os últimos dois anos foram muito desafiadores para as economias do mundo todo e tudo indica que 2022 será tão ou mais desafiador. Apesar de um controle maior da pandemia do novo coronavírus, novos desafios têm surgido, como o retorno da inflação a patamares elevados e a guerra entre Rússia e Ucrânia. Este cenário tem impactado o mercado consumidor.
Com o nível recorde de endividamento da população brasileira em março de 2020 (77,5%) e a queda de renda média do brasileiro (Figura 1), os dados da NielsenIQ mostram que 2 em cada 3 consumidores estão preocupados com o aumento dos preços de produtos e serviços, já que, entre janeiro e setembro de 2021, o preço médio da cesta de consumo massivo (FMCG)[1] cresceu 11,8%, em comparação ao mesmo período de 2020, segundo dados da Kantar.
[1] Bens de consumo massivo ou, do inglês FMCG (Fast-moving consumer goods) são bens de consumo rápido, também conhecidos como bens de consumo embalados. Referem-se a produtos que são vendidos rapidamente e a um custo relativamente baixo.
Figura 1. Evolução da renda média por trabalhador (em R$).
Fonte: IBGE/Pnad Contínua.
O consumidor começa, então, a racionalizar suas escolhas de consumo, apresentando uma mistura de hábitos incorporados a partir da pandemia. Neste processo de racionalização, os consumidores têm adotado a prática do smart choice, ou seja, escolhas inteligentes, com os seguintes os:
- 1. Substituir o lazer fora de casa por ocasiões e eventos em casa. De acordo com a Kantar, quase metade dos brasileiros têm feito isso;
- 2. Diversificar os canais de compra em busca da melhor relação custo-benefício;
- 3. Redução das idas aos pontos de venda, com compras mais racionais. Segundo a Kantar, a queda na frequência de idas aos canais de venda foi de 2,1%, na comparação do período de janeiro a setembro 2021 com o mesmo período de 2020;
- 4. Priorização de embalagens menores para o consumo de perecíveis e mercearia doce. Em outros casos, como, por exemplo, na categoria de limpeza, a opção tem sido por embalagens maiores, com custo menor para a família;
- 5. Substituição de marcas tradicionais por marcas mais baratas;
- 6. Redução do consumo.
Essa racionalização ocorre justamente no momento em que o mundo já está voltando às tendências de comportamento de compra de bens de consumo massivo do período pré-pandemia. Dados da Kantar registraram ritmo mais lento no desempenho mundial das vendas de alimentos para consumo domiciliar, com crescimento de apenas 0,8% de janeiro a setembro de 2021, comparação com o mesmo período do mês anterior. No entanto, no Brasil, as vendas cresceram, em valor, 9% no mesmo período, em função da inflação.
Considerando o valor vendido, as cestas mais beneficiadas globalmente dentro de casa, no ano ado, foram as de bebidas, lácteos e higiene e beleza. Dentre os lácteos, a Kantar aponta que o leite fermentado teve destaque positivo, enquanto o leite condensado registrou desempenho negativo. Mas, vale ressaltar que o leite condensado já vinha com grandes taxas de crescimentos durante toda a pandemia. Além disso, outras categorias de alimentos indulgentes e convenientes foram priorizadas pelos consumidores, mesmo com a elevação de seus preços.
Uma surpresa tem sido o consumo de iogurte. O produto tem se mostrado resiliente durante a pandemia, conquistando espaço na cesta de alimentos dos brasileiros. Ao contrário do que ocorria em outras crises, dados da Kantar indicam que, na priorização do consumo, o iogurte tem sido um dos itens que os consumidores estão demorando mais a abandonar. Assim, o produto ainda permanece na cesta de compras de 70% das famílias brasileiras. A Figura 2 mostra a evolução do consumo do produto no Brasil.
Figura 2. Evolução do mercado de iogurte no Brasil.
Fonte: Kantar.
O volume vendido de iogurte vinha de uma queda de quase 4% entre outubro de 2019 e setembro de 2020. Na sequência, o total de iogurte comercializado entre outubro de 2020 e setembro de 2021 foi 1,3% maior em volume e 13% maior em valor do que o total dos 12 meses anteriores. No entanto, é importante ressaltar que, no mesmo período, o preço médio do produto aumentou 11,6%.
O bom desempenho do iogurte pode estar relacionado ao seu apelo saudável. Durante a pandemia, a busca dos consumidores por saudabilidade se fortaleceu como tendência de longo prazo. Segundo o Euromonitor, o Brasil é o quarto país no ranking de consumo de alimentos saudáveis, movimentando cerca de US$ 35 bilhões atualmente. Esses dados mostram que o chamado Better for you ou "Melhor para Você", tem se tornado um dos pilares de decisão de compra de parte dos consumidores.
Portanto, mesmo no cenário atual de inflação alta, existe espaço para os lácteos na cesta de compra dos consumidores brasileiros. Apesar da racionalização do consumo e algumas mudanças de hábitos e priorização de consumo, o setor lácteo continua resiliente. Neste cenário, a Kantar estima crescimento de 6,5% em valor no consumo domiciliar, em 2022, no Brasil.
Para desfrutar desse crescimento, cabe ao setor, e às marcas, se posicionar melhor no pilar da saudabilidade, assim como as bebidas à base de plantas têm feito. A oferta de embalagens individuais em alguns casos, ou tamanho família em outros, também devem ser estratégias a serem consideradas, dependendo do público alvo do produto. Por fim, não se pode esquecer do apelo indulgente e da conveniência, tendências marcantes de períodos de crises.
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