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Leite na Austrália: como é a formação de preço e o que podemos aprender?

O mercado brasileiro é único: poucos países têm as características semelhantes. Uma possível exceção é a Austrália.  Será que podemos aprender algo com eles?

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Produzir leite no Brasil é um desafio, sem dúvida. Importações, falta de garantias, falta de visão de futuro, inexistência de ferramentas de proteção de preço, entre outros; são itens recorrentes e que testam a resiliência de uma atividade que exige investimentos a longo prazo e muito cuidado nas decisões.

O mercado brasileiro é desafiador e único: poucos países têm as características que temos aqui. Uma possível exceção é a Austrália: não possui regulamentação de preço ou subsídios, há concorrência entre as indústrias e as cooperativas, que muitas vezes agem como uma camada de proteção aos produtores onde captam o grosso do leite, não dominam a captação.  Será que podemos aprender algo com o funcionamento do mercado australiano?

O que podemos aprender com a formação de preços na Austrália?  

Scott Briggs, profundo conhecedor do mercado australiano contribuiu grandemente para essa matéria. Scott é diretor na National Milk em Melbourne, Austrália e estará no evento Dairy Vision 2023 promovido pela MilkPoint Ventures, nos dias 7 e 8 de novembro. Ele conta ainda com um currículo vasto de atuação em diversas empresas ligadas a indústria láctea mundial.

A Austrália, país com 26 milhões de habitantes, tem o quinto IDH (índice de Desenvolvimento Humano) do mundo, consome 233 litros de leite-equivalente por pessoa ao ano, conta com 1,3 milhão de vacas em 4.420 fazendas, que produzem mais de 8 bilhões de litros anualmente, dos quais 36% são exportados. O clima tem desafios como a produção de volumoso e o conforto, pois a maior parte do território é extremamente seco e quente, à semelhança de parte da região nordeste brasileira.

As dificuldades climáticas são um aspecto importante para explicar o declínio na produção australiana, quando se analisa um período mais longo.

Gráfico 1. Produção Anual de leite na Austrália (milhões de litros)

Produção Anual de leite na Austrália Fonte: Dairy Australia – elaborado pelo MilkPoint Mercado

 

Mapa da Austrália
Fonte: Google maps

Produção de leite na Austrália

A maioria do leite é produzido ao sul do país (região de Victoria e Tasmânia) em sistema de pastejo, embora nos últimos 10 anos tenha havido um crescimento importante do uso de trigo, silagem de milho e canola, entre outros, gerando aumento da produtividade, uma tendência mundial de menos vacas e mais leite, também experienciada no Brasil.

Gráfico 2. Quantidade de precipitação em mm/dia

Quantidade de precipitação em mm/dia
Fonte: Dados mundiais.com

O clima é desértico em boa parte do ano como se pode ver no gráfico 2, com precipitação total no ano menor que 600mm, o que sugere que a irrigação seja na maior parte das fazendas.

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Em relação ao negócio leite, segundo relatório do Australian Bureau of Agricultural and Resource Economics (ABARES), as fazendas têm faturamento médio anual de AUS$ 361.000 (aproximadamente 241.000 dólares americanos). Nas maiores fazendas do país a renda anual é de AUS$ 1,17 milhão (780.000 dólares americanos) com rentabilidade ao redor de 7%. Estas grandes fazendas respondem por praticamente metade do leite produzido na Austrália. Como referência, as piores fazendas neste levantamento contam com -0,9% de rentabilidade.

É importante ressalvar que, apesar de certa heterogeneidade, a produção é  bem mais concentrada e uniforme do que no Brasil o que implica inclusive na organização e na coordenação da cadeia.

Como o produtor vende o leite na Austrália

Scott nos conta que a grande maioria dos produtores faz contrato com apenas um comprador a cada ano - geralmente em junho/julho- quando o preço é fixado, podendo ser mais baixo na safra e mais alto na entressafra. Há também contratos para até 3 anos. A precificação é geralmente por gordura e proteína e não por volume. Existe ainda um bônus ou desconto em relação a qualidade, lealdade (anos de fornecimento ao mesmo comprador) e tamanho do produtor, entre outros quesitos. Leite excedente na entressafra também pode ser bonificado.

Briggs, explica que o valor em contrato anual não pode cair, salvo em situações muito excepcionais, pois há um Código de Conduta que entrou em vigor há cerca de 3 anos, após a quebra da cooperativa Murray Goulburn (entenda um pouco do que aconteceu em Australian Food News).

A vantagem é que o produtor já sabe o preço para o próximo ano e pode investir na produção com mais certeza. A desvantagem é que se produtos como queijo, manteiga ou leite em pó perderem valor por alguma razão, a indústria pode enfrentar dificuldades (e até quebrar) e isso deixa o produtor mais vulnerável.

O sistema de contratos a preços definidos gera previsibilidade e reduz a volatilidade, mas não garante preços mais altos, na média. O gráfico 3 compara os preços em dólares por litro de leite no Brasil e na Austrália. Na média dos últimos 8 anos, o preço brasileiro ficou 8,3% maior: US$ 0,37 contra US$ 0,34 na Austrália.

Gráfico 3. Preço do leite pago ao produtor (USD/litro)

Preço do leite pago ao produtor
Fonte: Banco Central do Brasil, CEPEA, Macro Trends, Milk Value Portal.

Em geral, há de 20 a 30 empresas comprando leite em cada região produtora e cada uma pode customizar sua política de preços. Scott se posiciona dizendo que garantir um preço mínimo interessante é a melhor forma de atrair a captação. O produtor não pode quebrar o contrato ao longo do ano, podendo inclusive ser processado por isso, sendo essa uma diferença grande dos contratos brasileiros, que dificilmente acabarão numa disputa judicial. Vale lembrar que a tolerância para índices de CCS por exemplo são bem diferentes do Brasil, ficando em torno de 250.000 cel/ml como limite usual.

Scott relata que, historicamente, a Austrália experienciou uma importante inflação de produtos lácteos, porém a demanda não caiu proporcionalmente. Os varejistas vêm usando estratégias comerciais mais agressivas para incentivar as vendas. O consumidor é relativamente consciente sobre o que consome e prefere apoiar produtos “MADE IN AUSTRALIA”. A indústria se utiliza muito desse apelo da produção local com a massa consumidora. A indústria tem entidades como a Dairy Australia, que procura atuar em várias áreas relevantes para o futuro da atividade.

A Austrália se posiciona como um mercado livre, então é possível importar da Nova Zelândia (país bem próximo) e dos Estados Unidos, porém há algumas barreiras como importação de queijos europeus que são grandemente taxados. Hoje cerca de 2% do leite australiano vem de fora.

Um último ponto é que na Austrália há uma taxação sobre a produção denominada Levy system que capta um percentual não apenas de produtores de leite, mas de vários tipos de atividades com a intenção de investir em pesquisas e levantamento de dados importantes para os setores de produção primária, além de marketing, biosseguridade e outros. Todos são obrigados a participar dessa contribuição.

Finalmente, Scott ressalta que é muito importante desenvolver outras regiões e não confiar totalmente no consumo interno de um país. De forma geral, é possível notar que o sistema australiano tem seus prós e contras, seus desafios e oportunidades que podem servir de alerta e ideias para o desenvolvimento da pecuária brasileira.
 

Gostou do conteúdo? Deixe seu like e seu comentário, isso nos ajuda a saber que conteúdos são mais interessantes para você.

 

Referências bibliográficas:

Relatórios da indústria de laticínios australiana em foco.

Sobre taxas e o sistema de taxas - Governo Australiano.

Beber leite – categoria chave para laticínios australianos, Dairy Global.

Murray Goulburn, o que deu errado? - Australian Food News

 

 

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Material escrito por:

Hayla Fernandes

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Médica veterinária pela UFG, mestre em sustentabilidade e pecuária e consultora técnica. Proprietária do perfil @vaca_feliz_oficial no Instagram.

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Matheus Napolitano

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Marcelo Pereira de Carvalho

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Fundador e CEO da MilkPoint Ventures.

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Produzir leite no Brasil é um desafio, sem dúvida. Importações, falta de garantias, falta de visão de futuro, inexistência de ferramentas de proteção de preço, entre outros; são itens recorrentes e que testam a resiliência de uma atividade que exige investimentos a longo prazo e muito cuidado nas decisões.

O mercado brasileiro é desafiador e único: poucos países têm as características que temos aqui. Uma possível exceção é a Austrália: não possui regulamentação de preço ou subsídios, há concorrência entre as indústrias e as cooperativas, que muitas vezes agem como uma camada de proteção aos produtores onde captam o grosso do leite, não dominam a captação.  Será que podemos aprender algo com o funcionamento do mercado australiano?

O que podemos aprender com a formação de preços na Austrália?  

Scott Briggs, profundo conhecedor do mercado australiano contribuiu grandemente para essa matéria. Scott é diretor na National Milk em Melbourne, Austrália e estará no evento Dairy Vision 2023 promovido pela MilkPoint Ventures, nos dias 7 e 8 de novembro. Ele conta ainda com um currículo vasto de atuação em diversas empresas ligadas a indústria láctea mundial.

A Austrália, país com 26 milhões de habitantes, tem o quinto IDH (índice de Desenvolvimento Humano) do mundo, consome 233 litros de leite-equivalente por pessoa ao ano, conta com 1,3 milhão de vacas em 4.420 fazendas, que produzem mais de 8 bilhões de litros anualmente, dos quais 36% são exportados. O clima tem desafios como a produção de volumoso e o conforto, pois a maior parte do território é extremamente seco e quente, à semelhança de parte da região nordeste brasileira.

As dificuldades climáticas são um aspecto importante para explicar o declínio na produção australiana, quando se analisa um período mais longo.

Gráfico 1. Produção Anual de leite na Austrália (milhões de litros)

Produção Anual de leite na Austrália Fonte: Dairy Australia – elaborado pelo MilkPoint Mercado

 

Mapa da Austrália
Fonte: Google maps

Produção de leite na Austrália

A maioria do leite é produzido ao sul do país (região de Victoria e Tasmânia) em sistema de pastejo, embora nos últimos 10 anos tenha havido um crescimento importante do uso de trigo, silagem de milho e canola, entre outros, gerando aumento da produtividade, uma tendência mundial de menos vacas e mais leite, também experienciada no Brasil.

Gráfico 2. Quantidade de precipitação em mm/dia

Quantidade de precipitação em mm/dia
Fonte: Dados mundiais.com

O clima é desértico em boa parte do ano como se pode ver no gráfico 2, com precipitação total no ano menor que 600mm, o que sugere que a irrigação seja na maior parte das fazendas.

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Em relação ao negócio leite, segundo relatório do Australian Bureau of Agricultural and Resource Economics (ABARES), as fazendas têm faturamento médio anual de AUS$ 361.000 (aproximadamente 241.000 dólares americanos). Nas maiores fazendas do país a renda anual é de AUS$ 1,17 milhão (780.000 dólares americanos) com rentabilidade ao redor de 7%. Estas grandes fazendas respondem por praticamente metade do leite produzido na Austrália. Como referência, as piores fazendas neste levantamento contam com -0,9% de rentabilidade.

É importante ressalvar que, apesar de certa heterogeneidade, a produção é  bem mais concentrada e uniforme do que no Brasil o que implica inclusive na organização e na coordenação da cadeia.

Como o produtor vende o leite na Austrália

Scott nos conta que a grande maioria dos produtores faz contrato com apenas um comprador a cada ano - geralmente em junho/julho- quando o preço é fixado, podendo ser mais baixo na safra e mais alto na entressafra. Há também contratos para até 3 anos. A precificação é geralmente por gordura e proteína e não por volume. Existe ainda um bônus ou desconto em relação a qualidade, lealdade (anos de fornecimento ao mesmo comprador) e tamanho do produtor, entre outros quesitos. Leite excedente na entressafra também pode ser bonificado.

Briggs, explica que o valor em contrato anual não pode cair, salvo em situações muito excepcionais, pois há um Código de Conduta que entrou em vigor há cerca de 3 anos, após a quebra da cooperativa Murray Goulburn (entenda um pouco do que aconteceu em Australian Food News).

A vantagem é que o produtor já sabe o preço para o próximo ano e pode investir na produção com mais certeza. A desvantagem é que se produtos como queijo, manteiga ou leite em pó perderem valor por alguma razão, a indústria pode enfrentar dificuldades (e até quebrar) e isso deixa o produtor mais vulnerável.

O sistema de contratos a preços definidos gera previsibilidade e reduz a volatilidade, mas não garante preços mais altos, na média. O gráfico 3 compara os preços em dólares por litro de leite no Brasil e na Austrália. Na média dos últimos 8 anos, o preço brasileiro ficou 8,3% maior: US$ 0,37 contra US$ 0,34 na Austrália.

Gráfico 3. Preço do leite pago ao produtor (USD/litro)

Preço do leite pago ao produtor
Fonte: Banco Central do Brasil, CEPEA, Macro Trends, Milk Value Portal.

Em geral, há de 20 a 30 empresas comprando leite em cada região produtora e cada uma pode customizar sua política de preços. Scott se posiciona dizendo que garantir um preço mínimo interessante é a melhor forma de atrair a captação. O produtor não pode quebrar o contrato ao longo do ano, podendo inclusive ser processado por isso, sendo essa uma diferença grande dos contratos brasileiros, que dificilmente acabarão numa disputa judicial. Vale lembrar que a tolerância para índices de CCS por exemplo são bem diferentes do Brasil, ficando em torno de 250.000 cel/ml como limite usual.

Scott relata que, historicamente, a Austrália experienciou uma importante inflação de produtos lácteos, porém a demanda não caiu proporcionalmente. Os varejistas vêm usando estratégias comerciais mais agressivas para incentivar as vendas. O consumidor é relativamente consciente sobre o que consome e prefere apoiar produtos “MADE IN AUSTRALIA”. A indústria se utiliza muito desse apelo da produção local com a massa consumidora. A indústria tem entidades como a Dairy Australia, que procura atuar em várias áreas relevantes para o futuro da atividade.

A Austrália se posiciona como um mercado livre, então é possível importar da Nova Zelândia (país bem próximo) e dos Estados Unidos, porém há algumas barreiras como importação de queijos europeus que são grandemente taxados. Hoje cerca de 2% do leite australiano vem de fora.

Um último ponto é que na Austrália há uma taxação sobre a produção denominada Levy system que capta um percentual não apenas de produtores de leite, mas de vários tipos de atividades com a intenção de investir em pesquisas e levantamento de dados importantes para os setores de produção primária, além de marketing, biosseguridade e outros. Todos são obrigados a participar dessa contribuição.

Finalmente, Scott ressalta que é muito importante desenvolver outras regiões e não confiar totalmente no consumo interno de um país. De forma geral, é possível notar que o sistema australiano tem seus prós e contras, seus desafios e oportunidades que podem servir de alerta e ideias para o desenvolvimento da pecuária brasileira.
 

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Referências bibliográficas:

Relatórios da indústria de laticínios australiana em foco.

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Hayla Fernandes

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Médica veterinária pela UFG, mestre em sustentabilidade e pecuária e consultora técnica. Proprietária do perfil @vaca_feliz_oficial no Instagram.

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Marcelo Pereira de Carvalho

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Fundador e CEO da MilkPoint Ventures.

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