A cadeia de produção do leite é uma das principais atividades econômicas do Brasil, desempenhando um papel de extrema relevância não apenas no setor agropecuário, mas também na economia como um todo. Em receita líquida, a indústria de lácteos fica atrás apenas dos setores de derivados de carne e beneficiados de café, chá e cereais (ABIA, 2020).
Esse número expressivo demonstra a importância de um setor que vêm sofrendo inúmeras transformações nas últimas duas décadas. Além de impulsionar o agronegócio, a indústria do leite exerce um impacto significativo na sociedade, contribuindo de forma substancial para a geração de empregos e renda (Rocha et al., 2020).
Além de sua importância econômica, o leite desempenha um papel crucial na alimentação humana. Tradicionalmente, o leite é amplamente reconhecido como a principal fonte de cálcio na dieta dos consumidores, fornecendo também uma variedade de componentes essenciais, como proteínas, lipídeos, carboidratos e minerais. Devido à sua composição nutricional completa, o leite é considerado um alimento essencial para uma dieta equilibrada e saudável.
De forma geral, a cadeia produtiva do leite apresenta como principais atores, os produtores, a indústria, os distribuidores, o comércio varejista e o consumidor (Figura 1).
Figura 1. Cadeia produtiva do leite.
Fonte: Os autores
Essa cadeia vem sofrendo alterações, impulsionadas principalmente pela demanda do mercado, que requer a adoção de novas tecnologias e equipamentos. Com essa modernização, a atividade leiteira no Brasil está cada vez mais adotando um perfil empresarial, fortalecendo sua abordagem de negócios visando o aumento da produtividade e dos lucros, assim como a redução dos custos de produção (Pereira, 2018; Lucca e Arend, 2020).
Tecnologias na pecuária leiteira
A adoção de novas tecnologias no setor agrário é de extrema importância para o desenvolvimento do setor, especialmente devido ao aumento significativo na demanda por alimentos nos próximos anos. Esse aumento está diretamente relacionado ao crescimento populacional, maior expectativa de vida e mudanças no comportamento do consumidor (Bolfe et al., 2020).
É importante destacar que atender a essa demanda crescente não se resume apenas a produzir maior quantidade de alimentos, mas também a produzi-los com maior qualidade, segurança, menor impacto ambiental e de forma economicamente mais eficiente.
Neste contexto, é evidente a presença de inovações tecnológicas em todas as etapas da cadeia de produção de leite (Embrapa, 2022). Um tema que tem recebido bastante destaque e aplicação internacional é a pecuária de precisão.
Em relação a produção de leite, a pecuária de precisão refere-se ao uso de tecnologias de informação e comunicação para obter um maior controle em todas as etapas do processo produtivo, visando uma eficiência econômica, social e ambiental (Pereira, 2022). Essas tecnologias permitem o monitoramento de diversos parâmetros, como produção e controle das pastagens, nutrição animal, sistemas de ordenha, sanidade, reprodução e genética (Figura 2).
Figura 2. Parâmetros da pecuária de precisão: Pontos de monitoramento.
Fonte: Os autores.
A pecuária de precisão pode proporcionar uma série de benefícios para os produtores de leite. Por meio do monitoramento e controle mais precisos, é possível otimizar o uso de recursos, como alimentação e medicamentos, reduzir desperdícios, melhorar a produtividade e a qualidade do leite, além de garantir a saúde e o bem-estar dos animais.
Com o uso de sensores, dispositivos móveis e sistemas de gestão de dados, os produtores podem tomar decisões mais embasadas, realizar ajustes em tempo real e identificar possíveis problemas de forma ágil.
No Brasil, diversos órgãos e empresas estão atentos às tendências tecnológicas na atividade leiteira. Um exemplo é a Embrapa, que em 2016 lançou o Ideas for Milk, um desafio entre empresas que incentiva o uso de diferentes tecnologias em todas as etapas da produção de leite, desde a propriedade rural até o consumidor final (Embrapa, 2020).
Além disso, existem várias patentes relacionadas à agricultura e pecuária de precisão que abrangem a atividade leiteira, incluindo o uso de sensores (hardwares e softwares) para monitorar tanques de resfriamento e detectar adulterações no leite (INPI, 2023).
Perspectivas do uso de tecnologias para o setor lácteo
A cadeia produtiva do leite enfrentou diversos impactos decorrentes de acontecimentos globais em 2022, agravando as dificuldades já impostas pela pandemia de Covid-19. Embora houvesse expectativa de retorno à normalidade e recuperação econômica com o controle da pandemia, o conflito entre Rússia e Ucrânia resultou na valorização das commodities agrícolas e do petróleo.
Esse aumento nos preços de grãos, fertilizantes e petróleo criou condições para recordes de aumento nos custos de produção de leite no Brasil, além do impacto na inflação e na queda da renda dos brasileiros (Embrapa, 2022).
Apesar das incertezas do ano de 2023, o mercado brasileiro está se ajustando em termos de oferta e demanda. Com a recuperação do mercado de trabalho e melhorias no emprego e renda, espera-se uma leve melhora no consumo de leite e derivados. No entanto, é provável que a produção e o consumo de leite ao longo do segundo semestre de 2023 não atinjam níveis significativos (Embrapa, 2023).
O aumento da competitividade e o crescimento populacional têm impulsionado a demanda por alimentos, destacando a importância do agronegócio em suprir essa necessidade. Para alcançar maior eficiência em suas atividades, a agropecuária deve aproveitar todas as tecnologias disponíveis. No entanto, é crucial ter um serviço de telecomunicações eficiente, que ofereça redes estáveis, velocidade e confiabilidade. Infelizmente, essa infraestrutura ainda não está completamente consolidada no país, representando um desafio a ser superado (Bolfe et al., 2020).
Além disso, existem diversos outros obstáculos científicos, sociais, educacionais e econômicos a serem levados em consideração para que a transformação digital do agronegócio alcance e integre todas as regiões e classes do país. De fato, diversas empresas e instituições já vêm contribuindo para o impulsionamento desta transformação. Como exemplo, institutos de pesquisa, universidades, startups e cooperativas, vêm criando e transmitindo soluções digitais que assegurem maior produção e segurança alimentar.
Os cenários adversos, como a pandemia de Covid-19, destacaram a necessidade de cooperação entre produtores e indústrias para impulsionar melhorias por meio do uso de tecnologias no setor lácteo. A implementação dessas tecnologias é fundamental para garantir a produção de alimentos com qualidade e segurança, ao mesmo tempo em que se busca reduzir o impacto ambiental.
Portanto, é essencial que os diferentes agentes da cadeia produtiva trabalhem em conjunto, aproveitando os benefícios das inovações tecnológicas para enfrentar os desafios e promover o desenvolvimento sustentável do setor lácteo.
Considerações finais
O Brasil possui um grande potencial no setor lácteo, e a popularização das tecnologias de precisão desempenha um papel importante ao facilitar a troca de informações, a captação de dados e a tomada de decisões na produção animal. No entanto, é essencial aprimorar o uso dessas tecnologias para otimização dos processos.
Com o emprego de tecnologias avançadas, os produtores podem obter informações precisas em tempo real, otimizando a nutrição animal, a qualidade do leite e a produtividade. Isso resulta em uma produção mais eficiente, com rastreabilidade e garantia da qualidade ao longo da cadeia de produção. Portanto, o aproveitamento das tecnologias disponíveis pode impulsionar o desenvolvimento sustentável do setor e o sucesso tanto no mercado interno quanto no mercado global.
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Autores
Flaviana Coelho Pacheco (Engenheira de Alimentos, Mestranda em Ciência e Tecnologia de Alimentos e membro do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV).
Dra. Tatiane Teixeira Tavares, Química, Pesquisadora do Instituto de Laticínios Cândido Tostes – EPAMIG-MG.
Fabio Ribeiro dos Santos. Engenheiro de Alimentos, Mestre em Ciência e Tecnologia de Alimentos e membro do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV.
Prof. Dra. Ana Flávia Coelho Pacheco. Professora/pesquisadora do Instituto de Laticínios Cândido Tostes – EPAMIG-MG.
Prof. Dr. Paulo Henrique Costa Paiva. Professor/pesquisador do Instituto de Laticínios Cândido Tostes - EPAMIG-MG.
Profa. Dra. Érica Nascif Rufino Vieira. Professora do Departamento de Tecnologia de Alimentos da UFV e coordenadora do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV.
Prof. Dr. Bruno Ricardo de Castro Leite Júnior. Professor do Departamento de Tecnologia de Alimentos da UFV e coordenador do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV.
Agradecimentos: Os autores agradecem a CAPES - Código Financiamento 001; à Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG) pelo financiamento do projeto APQ-00388-21; ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo financiamento do projeto (429033/2018-4) e pela bolsa de produtividade à B.R.C. Leite Júnior (n°306514/2020-6) e a A.A.L. Tribst (n°305050/2020-6) e a PEC - Pró-Reitoria de Extensão e Cultura – UFV pela bolsa de extensão.
Referências
Rocha, D.T., Carvalho, G.R., Resende, J.C. Cadeia produtiva do leite no Brasil: produção primária, Circular técnica, p. 16, 2020.
COMPANHIA NACIONAL DE ABASTECIMENTO – CONAB. Monthly Analysis of Milk and Derivatives – October 2022. Companhia Nacional De Abastecimento, 2022. Disponível em:
ABIA. Números do Setor – Faturamento. Associação Brasileira das Indústrias de Alimentos, 2020. Disponível em:
Lucca, E. J; Arend, S.C. A pecuária leiteira e o desenvolvimento da região noroeste do Rio Grande do Sul. Revista Brasileira de Desenvolvimento Regional. 2020.
Pereira, F.; Malagolli, G.A. Inovações tecnológicas na produção de leite. SIMTEC – Simpósio Tecnológico Fatec Taquaritinga, v. 4, n. 1, pág. 11 de 2018.
Bolfe, E.L; Barbedo, J.G.A; Massruhá, S.M.F.S; Souza, K.X.S; Assad, E.D. Desafios, tendências e oportunidades em agricultura digital no Brasil. 2020.
EMBRAPA, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Anuário leite 2022: pecuária leiteira de precisão. 2022.
EMBRAPA, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Pecuária de leite espera crescer cerca de 2% em 2020. Disponível em:
EMBRAPA, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Desempenho recente do setor de lácteos e perspectivas para 2023. Disponível em: < https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/doc/1149025/1/Desempenho-recente-do-setor-lacteo-e-perspectivas-para-2023.pdf>. o em: 23 jun. 2023.