O soro de leite é um coproduto resultante da coagulação enzimática (soro doce) ou ácida (soro ácido) do leite durante a produção de queijos. Representa entre 80% e 90% do volume total do leite processado e sua produção anual é estimada em cerca de 121 mil toneladas (Zandona et al., 2021). Historicamente, o soro de leite era utilizado predominantemente na alimentação animal, entretanto essa aplicação não era suficiente para absorver toda sua produção, o que resultava no descarte inadequado no solo e nos efluentes. Esse descarte gerava impactos ambientais negativos, como a sobrecarga orgânica e elevada demanda de oxigênio para biodegradação, afetando a biodiversidade aquática e a qualidade do solo (Carvalho et al., 2013).
Atualmente, o soro leite é amplamente empregado na indústria alimentícia, especialmente no setor de lácteos, para a produção de bebidas lácteas fermentadas e não fermentadas, leites fermentados e ricotas. Nos últimos anos, o potencial tecnológico das proteínas do soro tem ganhado destaque devido às suas propriedades técnico-funcionais, que são atrativas tanto para a indústria alimentícia quanto para a farmacêutica.
O soro do leite contém cerca de 20% das proteínas do leite, divididas em quatro frações principais: β-lactoglobulina (50-55%), α-lactoalbumina (20-25%), imunoglobulinas (IgG, IgM, IgA) (10-15%) e albumina sérica bovina (5-10%). Também estão presentes em menores quantidades proteínas como lactoferrina, osteopontina e glicomacropeptídeo (<300 mg/L) (Sobhaninia et al., 2018).
Essas proteínas possuem propriedades tecnológicas valiosas, como capacidade emulsificante, capacidade de retenção de água, alta solubilidade em meios aquosos, espessamento e gelificação. Essas características são úteis tanto para elaboração de derivados lácteos, como também em outras aplicações alimentícias (Xu et al., 2011). A capacidade gelificante das proteínas do soro do leite, por exemplo, é desejável para produtos que requerem maior consistência. Essa propriedade é ativada quando as proteínas são expostas a altas temperaturas, levando à desnaturação e, consequente, formação de uma estrutura de gel.
A β-lactoglobulina, de estrutura globular com duas pontes dissulfeto e um grupo tiol, inicia sua desnaturação a partir de 50°C, expondo o grupo tiol que favorece a agregação proteica e a formação de gel. Já a α-lactoalbumina, com quatro pontes dissulfeto e sem grupo tiol, inicia sua desnaturação em torno de 65°C, formando agregados por exposição de suas ligações dissulfeto. A formação desses agregados aumenta a capacidade de retenção de água e a viscosidade, resultando em uma rede proteica tridimensional que melhora a consistência do produto (Brodkorb et al., 2016; Eissa, 2019).
As proteínas do soro, por sua capacidade emulsificante, são eficazes na estabilização de sistemas coloidais. Elas se adsorvem na interface dos coloides devido ao seu caráter anfifílico, alterando a tensão interfacial do meio e aumentando a estabilidade coloidal por repulsão eletrostática e estérica (Mehra et al., 2021). Em determinados casos, essa adsorção também contribui para o aumento da viscosidade, dificultando a mobilidade das moléculas e, assim, conferindo maior estabilidade cinética ao sistema.
Além dessas propriedades, o soro de leite é uma excelente fonte de proteínas de alto valor biológico, tornando-o um ingrediente nutricionalmente rico. O uso combinado ou isolado de suas propriedades tecnológicas possibilita uma ampla aplicação industrial, melhorando características como solubilidade, gelificação, viscosidade, emulsificação e formação de espuma em diversos produtos alimentícios, além de contribuir para o valor nutricional dos alimentos.
O soro de leite, antes considerado um subproduto de difícil aproveitamento, evoluiu para um ingrediente valorizado devido ao seu potencial tecnológico e nutricional. Suas propriedades tecnológicas, como gelificação, emulsificação e retenção de água, aliadas ao seu alto valor biológico, contribui para o desenvolvimento de produtos inovadores na indústria alimentícia e farmacêutica. Portanto, o aproveitamento sustentável do soro de leite não apenas minimiza impactos ambientais associados ao seu descarte inadequado, mas também promove soluções eficientes e tecnológicas para agregar valor a diversos alimentos, consolidando-o como um insumo estratégico no setor industrial.
Agradecimentos
Os autores agradecem a CAPES - Código Financiamento 001; à Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG) (APQ-00388-21/ APQ 00785-23/RED 00157-23) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Referências bibliográficas
BRODKORB, A., CROGUENNEC, T., BOUHALLAB, S., KEHOE, J.J. Heat-induced denaturation, aggregation and gelation of whey proteins. In: Advanced Dairy Chemistry, 4th ed., p. 155–178, New York: Springer, 2016.
CARVALHO, F., PRAZERES, A.R., RIVAS, J. Cheese whey wastewater: Characterization and treatment. Science of The Total Environment, 445–446, 385-396, 2013.
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SOBHANINIA, M., NASIRPOUR, A., SHAhedi, M., GOLKAR, A., DESOBRY, S. Fabrication of whey proteins aggregates by controlled heat treatment and pH: Factors affecting aggregate size. International Journal of Biological Macromolecules, 112, 74-82, 2018.
XU, D., YUAN, F., JIANG, J., WANG, X., HOU, Z., GAO, Y. Structural and conformational modification of whey proteins induced by supercritical carbon dioxide. Innovative Food Science & Emerging Technologies, 12(1), 32-37, 2011.
ZANDONA, E., BLAZIC, M., JAMBRAK, A.R. Whey Utilisation: Sustainable Uses and Environmental Approach. Food Technology and Biotechnology, 59(2), 147-161, 2021.