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Principais defeitos em iogurte e possíveis formas de prevenção

O iogurte é um leite fermentado obtido pela ação das culturas láticas. Conheça seus principais defeitos e as possíveis formas de prevenção, e!

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O iogurte é um leite fermentado obtido pela ação das culturas láticas, Streptococcus thermophilus e Lactobacillus bulgaricus, que fermentam a lactose liberando ácido lático, e compostos voláteis, como diacetil e acetaldeído. Esses compostos são essenciais para o aroma característico de iogurte (ORDOÑEZ, 2005).

Segundo a Instrução Normativa Nº  46 de 2007 do MAPA, estas bactérias devem estar vivas no produto durante todo o período de validade, na concentração mínima de 107 UFC/g, para que este leite fermentado seja considerado iogurte (BRASIL, 2007).

O iogurte vem ganhando cada vez mais popularidade devido sua aceitabilidade pelos consumidores, bem como suas propriedades nutricionais e potencialmente efeitos benéficos na saúde humana. Atualmente, existe uma grande variedade de iogurtes no mercado brasileiro, as quais se encontram na forma natural, saborizado, com adição de frutas, líquido, batido, firme ou concentrado (TAMINE, 2003).

Os principais fatores responsáveis por essas diferenças são: (i) composição e qualidade do leite (ii) ingredientes utilizados na formulação (lácteos e não-lácteos) e (iii) as diferentes etapas de fabricação (homogeneização, fermentação, quebra do gel, resfriamento, dentre outros) (TAMINE, 2003).

Tais fatores são também os principais pontos-chaves para o controle de produção visando evitar defeitos no produto final e rejeição pelos consumidores. Diante disso, este artigo tem como objetivo descrever os principais defeitos decorrentes em iogurtes e as estratégias para contorná-los.

 

Quais os principais defeitos em iogurte? 

Dentre os principais defeitos destacamos (TENCHINI, 2016):

  • Atraso na fermentação;
  • Defeitos na aparência, corpo e consistência;
  • Defeitos de odor e sabor.

 

Atraso na fermentação do iogurte

Diversos fatores podem levar a um atraso na fermentação do iogurte tais como: presença de bacteriófagos, presença de antibióticos, leite com mastite, temperatura de fermentação, dosagem da cultura e contaminação após a pasteurização.

A presença de bacteriófagos (ou simplesmente fagos) é uma das principais causas da lenta produção de ácido pelas culturas láticas em plantas industriais. Os bacteriófagos são altamente nocivos para as bactérias lácteas, fazendo com que este produto sofra alterações nas características sensoriais (como sabor e a textura), o que compromete a qualidade e rendimento do produto final.

Os bacteriófagos são vírus que infecta seu hospedeiro, no caso do iogurte as bactérias lácticas, e se prolifera com grande velocidade. O maior problema com a infecção é que os bacteriófagos são resistentes e capazes de sobreviver por longos períodos que chegam a durar até mesmo décadas.

Quando as células bacterianas sensíveis são infectadas pelos bacteriófagos, estas sofrem lise ou são destruídas dentro de 40 a 60 min. Portanto, quando a cultura é infectada por esse vírus, ela produz ácido normalmente durantes os primeiros estágios de desenvolvimento da cultura e depois paralisam. Consequentemente, há um atraso no tempo de fermentação, presença de grumos e perda de viscosidade.

Para o controle preventivo, isto é, para evitar a contaminação por bacteriófagos e garantir uma produção adequada e segura, é necessária a utilização de culturas duráveis, em um sistema de rotação de culturas que seja composto por diferentes cepas, a fim de cobrir toda variedade de fagos transmissíveis e garantir uma proteção mais eficaz.

Além disso, é importante uma higienização eficiente (visando uma redução de 8 ciclos logaritmos de fagos diariamente) e um monitoramento do nível de bacteriófagos com teste de acidificação combinado com análises externas (exemplo: análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle – APPCC).

Além da presença de bacteríofagos, a presença de antibióticos também deve ser investigada. Quando presentes, os antibióticos inibem os microrganismos responsáveis pela fermentação desejável em iogurtes.

Além de impedir a fermentação das bactérias láticas (ou seja, impactos econômicos e tecnológicos), os antibióticos têm impacto negativo na saúde pública e afetam negativamente a qualidade sensorial do produto, com o desenvolvimento de sabores desagradáveis.

As principais causas da presença de antibiótico no leite se devem ao não cumprimento do período de carência do antibiótico durante o tratamento do animal que sofre de mastite; uso de dosagens múltiplas ou acima da recomendada; falhas na identificação dos animais tratados; ausência de separação de vacas em tratamento no momento da ordenha; mistura de leite com e sem resíduos; uso de equipamentos de ordenha contaminados. Portanto, para fabricação de iogurte é fundamental um programa de análises de resíduos de antibióticos e garantia que o leite utilizado esteja livre destes compostos.

A mastite é uma infecção nas glândulas mamárias e seu impacto na fermentação do iogurte não está apenas ligada a presença de antibióticos, mas também a alta contagem de células somáticas (CCS). Leite com alta CCS apresenta impacto negativo sobre o crescimento das culturas lácteas, o que pode afetar a processo de fabricação e afetar a qualidade final. A forma de controle é o uso de leite de qualidade certificado por meio das análises de controle de qualidade da matéria-prima.

A baixa temperatura de fermentação bem como a dosagem do fermento também são fatores que pode levar a um atraso na fermentação. A temperatura insuficiente, ou seja, abaixo da condição ideal para o desenvolvimento dos microrganismos do iogurte dificultam a sua atuação. Isso pode ocorrer em decorrência de problemas no processo como falta de energia, problemas na fermenteira levando ao decaimento da temperatura.

Em relação a dosagem do fermento, um atraso na fermentação pode ocorrer devido à utilização de baixas concentrações, cultura inadequada, desbalanceamento dos microrganismos, armazenamento inadequado do fermento ou problemas de atividade.

Por fim, a contaminação após a pasteurização, pode ocorrer devido a utilização de cultura repicada contaminada. Desta forma, culturas novas devem ser utilizadas para evitar este problema.

 

Defeitos na aparência, corpo e consistência em iogurte

A sinérese, isto é, a separação do soro na superfície da embalagem, é o defeito mais comumente observado durante o armazenamento de iogurtes, sendo um fator importante na decisão de escolha do consumidor frente à variedade de produtos e marcas ofertadas.

São diversos os fatores que levam a ocorrência de sinérese em iogurtes dentre eles: baixa concentração de extrato seco; tratamento térmico insuficiente; não realização da homogeneização; temperatura de incubação muito alta; baixa atividade da cultura; presença de enzimas proteolíticas; agitação durante a acidificação; quebra do coágulo antes de atingir o pH abaixo de 4,8-4,7 ou muito abaixo de 4,5; oxigênio dissolvido no leite e fermentação com acidificação muito forte ou muito fraca.

A seguir esses pontos são discutidos de forma detalhada:

  • Baixa concentração de extrato seco

Pode levar a uma menor firmeza do gel em virtude da baixa concentração proteica. Em geral, quanto maior a porcentagem de sólidos totais, melhor a viscosidade e consistência do produto final e, consequentemente, menor será a sinérese.

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Na microestrutura do iogurte, as proteínas do leite (micelas de caseínas e proteínas do soro desnaturadas) agem formando uma rede tridimensional na fase dispersa que aprisiona moléculas de água, permitindo a estruturação, espessamento e aumento da estabilidade do produto.

Entretanto, dependendo da concentração de extrato seco, a rede tridimensional pode não atingir a estabilidade desejável. A adição de sólidos lácteos, como o leite em pó, é uma excelente estratégia para diminuir a ocorrência de sinérese em iogurtes.

 

  • Binômio tempo/tempetura

O binômio do tratamento térmico de 80°C/30min ou 90-95°C/2-5min tem diversos benefícios para qualidade do produto, como: garantir a qualidade microbiológica; produzir compostos que estimulam a atividade metabólica da cultura starters; eliminar gases com consequente diminuição do potencial de oxirredução (favorável as bactérias láticas); e destruir bacteriófagos.

Além de todas essas vantagens, tem um efeito crucial para a formação da rede do produto devido à desnaturação das proteínas do soro. Quando essas proteínas são desnaturadas ocorre a exposição dos grupos de aminoácidos que antes estavam no interior do emaranhado proteico.

Após o tratamento térmico, esses grupos realizam ligações com as caseínas formando o complexo β-lactoglobulina-κ-caseína que contribuirão para o aumento da capacidade de retenção de água e, consequentemente, aumento da viscosidade de produto durante a fermentação. Em virtude do aumento da capacidade de retenção de água, há uma maior estabilidade do gel e diminuição da sinérese (WALSTRA, et al. 2006).

 

  • Homogeneização do leite

A homogeneização do leite é um processo cuja finalidade é promover uma dispersão homogênea dos constituintes do leite, com destaque para redução do tamanho dos glóbulos de gordura. Como consequência, a utilização de leite homogeneizado permite a obtenção de um gel de iogurte com maior viscosidade e estabilidade, além de melhorar as características sensoriais.

Isso é importante, pois evita a separação de gordura durante processo de fermentação, melhora a dissolução dos hidrocoloides, aumenta a interação proteína-proteína, o que resulta em uma menor sinérese.

 

  • Iogurte com baixa acidez

Um iogurte com baixa acidez, por exemplo, com pH acima de 4,8, favorece a sinérese, porque a interação da rede proteica (isto é, a estabilidade do gel) não foi suficientemente formada (ideal em pH 4,6). Por outro lado, se o pH estiver muito abaixo de 4,5, pode ocorrer o enfraquecimento do gel, devido ao afastamento das caseínas (distanciamento do ponto isoelétrico (pI 4,6)) que também contribui para o desenvolvimento da sinérese.

Outro problema além da sinérese é a produção de gás. Possivelmente esse defeito ocorre por meio da contaminação por leveduras, ou ainda por aeração excessiva da mistura. Para solucionar este problema é importante a implementação das Boas Práticas de Fabricação (BPF).

A formação de grumos também é um defeito muito comum e está usualmente relacionada à fermentação excessiva, particularmente devida a utilização de altas temperaturas. Em temperaturas de fermentação por volta de 45-46 °C, tem-se o favorecimento dos Lactobacillus bulgaricus, que são microrganismos altamente proteolíticos, o que pode contribuir com a formação de grumos.

Além disso, uma má dispersão dos ingredientes, como o leite em pó, também pode levar a formação de grumos. Outras causas são a agitação antes do resfriamento, baixa quantidade de inóculo, precipitação do fosfato de cálcio. Desta forma, é fundamental ajustar a intensidade do tratamento térmico, bem como favorecer uma mistura e dispersão dos ingredientes adicionados na mistura.

Em relação a consistência do iogurte, a baixa viscosidade é um defeito na elaboração de iogurtes firmes, batidos e concentrados. A baixa viscosidade pode ocorrer devido ao baixo teor de sólidos totais, tratamento térmico ineficiente, não realização da homogeneização, agitação incorreta, agitação do gel durante a acidificação e tipo de fermento utilizado.

Desta forma, ações descritas anteriormente, como adição de sólidos lácteos, tratamento térmico e homogeneização eficiente são estratégias fundamentais para aumentar a consistência do gel. Além disso, a adição de estabilizantes e espessantes têm a função de aumentar as interações existentes, impedindo a sinérese e aumentando a viscosidade do iogurte.

Outra estratégia é a utilização de culturas láticas produtoras exopolissacarídeos. Estipes de Streptococcus thermophilus podem produzir exopolissacarídeos que agem como espessantes do meio contribuindo para aumentar a retenção de água e, consequentemente, a viscosidade do produto.

 

Defeitos de odor e sabor em iogurte

Os defeitos de odor e sabor são diversos e devem ser controlados para evitar a rejeição do produto pelo consumidor. Alguns deles são descritos a seguir:

 

  • Gosto amargo

Na maioria das vezes é atribuído à presença de proteases termoresistentes (produzidas por bactérias psicrotróficas) que agem hidrolisando a fração da beta-caseína com a liberação de peptídeos hidrofóbicos que conferem amargor ao produto final.

Além disso, tempo muito elevado de armazenamento, bem como excesso de fermento (principalmente Lactobacillus bulgaricus que são altamente proteolíticos) adicionado a massa podem levar a este defeito no sabor do iogurte.

 

  • Sabor de levedura, bolores (frutado) e malte

O  sabor de levedura sugere um aroma de ácido acético associado ao gosto ácido. Já o sabor frutado é devido a contaminação por bolores. Em paralelo, o sabor de malte pode ser em decorrência da presença de Lactococcus lactis var. maltigenes, que age sobre o aminoácido leucina produzindo 3-metilbutanol. Essas contaminações podem ocorrer devido a adição de polpas de frutas de má qualidade e a não utilização das BPF.

 

  • Sabor excessivamente ácido – pós-acidificação

Pode ocorrer por fermentação excessiva, temperatura de incubação incorreta, velocidade muito lenta de resfriamento e estocagem inadequada. Deve-se, portanto, observar o pH correto de paralisação da fermentação, verificar o tempo de resfriamento e a temperatura de incubação e de estocagem.
 

  • Sabor rançoso

Defeito ligado principalmente à má qualidade do leite cru devido a presença de bactérias lipolíticas. O uso de leite em pó integral também é um ponto crítico.
 

  • Sabor excessivamente doce

Defeito em decorrência do uso excessivo de açúcar. Deve-se ter cuidado com a pesagem e dosagem do açúcar.

 

Considerações finais

O iogurte se destaque como um dos derivados lácteos de maior consumo nacional. Conforme discutido neste artigo, vários são os possíveis problemas que afetam a qualidade deste produto. Dentre os principais fatores interferentes nas características do gel formado durante a fermentação do iogurte foram ressaltados: a qualidade do leite, os ingredientes que o compõem e os cuidados com as etapas de processamento.

Essas variáveis podem ser analisadas isoladamente ou em conjunto a fim de combater a desestabilização do gel. Portanto, o controle desses fatores é fundamental para manter qualidade do iogurte durante sua vida de prateleira. Além disso, maiores investigações e estudos são importantes para o desenvolvimento de novas estratégias visando a melhoria contínua da qualidade deste produto.

 

Autores

Profa. Ana Flávia Coelho Pacheco (Mestre em Ciência e Tecnologia de Alimentos e membro do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos - LIPA/DTA/UFV)

Profa. Dra. Kely de Paula Correa (Professora/Pesquisadora do Instituto de Laticínios Cândido Tostes – EPAMIG-MG).

Prof. Wilson de Almeida Orlando Junior (Mestre em Engenharia Agrícola) Professor/Pesquisador do Instituto de Laticínios Cândido Tostes – EPAMIG-MG).

Prof. Nelson Tenchini (Professor do Instituto de Laticínios Cândido Tostes e Coordenador da Expolac / Minas Láctea - EPAMIG-MG).

Prof. Dr. Junio Cesar J. De Paula (Professor e Pesquisador da Epamig Instituto de Laticínios Cândido Tostes).

Prof. Dr. Paulo Henrique Costa Paiva (Professor/Pesquisador do Instituto de Laticínios Cândido Tostes – EPAMIG-MG).

Profa. Dra. Érica Nascif Rufino Vieira (Professora do Departamento de Tecnologia de Alimentos da UFV e coordenadora do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos - LIPA/DTA/UFV)

Prof. Dr. Bruno Ricardo de Castro Leite Júnior (Professor do Departamento de Tecnologia de Alimentos da UFV e coordenador do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos - LIPA/DTA/UFV)

 

Agradecimentos: os autores agradecem a CAPES - Código Financiamento 001; à Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG) pelo financiamento do projeto APQ-00388-21; ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo financiamento do projeto (429033/2018-4) e pela bolsa de produtividade à B.R.C. Leite Júnior (n°306514/2020-6).

 

 

Referências

BRASIL. MAPA – Ministério Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Instrução normativa nº 46, de 23 de outubro de 2007. Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade de Leite fermentados, Brasília, 2007.

ORDOÑEZ, J. A. Tecnologia de Alimentos: Alimentos de Origem Animal. Artmed ed. [s.l: s.n.]. v. 2.

TAMIME, A.Y. Fermented milks: A historical food with modern applications - A review. European journal of clinical nutrition. 56 Suppl 4. S2-S15. 2003.

TAMIME, A Y. ROBINSON, R.K. Yoghurt: Science and Technology. Agricultural and Biological Sciences, Elsevier, 3rd Edition, 2007.

TENCHINI, N. Tecnologia de Produção de Iogurte. Copyright, 2016.

WALSTRA, P.; WOUTERS, J. T. M.; GEURTS, T. J. Dairy science and technology. 2. ed. [s.l.] Taylor & Francis, 2006.

*Fonte da foto do artigo: Freepik

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O iogurte é um leite fermentado obtido pela ação das culturas láticas. Conheça seus principais defeitos e as possíveis formas de prevenção, e!

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O iogurte é um leite fermentado obtido pela ação das culturas láticas, Streptococcus thermophilus e Lactobacillus bulgaricus, que fermentam a lactose liberando ácido lático, e compostos voláteis, como diacetil e acetaldeído. Esses compostos são essenciais para o aroma característico de iogurte (ORDOÑEZ, 2005).

Segundo a Instrução Normativa Nº  46 de 2007 do MAPA, estas bactérias devem estar vivas no produto durante todo o período de validade, na concentração mínima de 107 UFC/g, para que este leite fermentado seja considerado iogurte (BRASIL, 2007).

O iogurte vem ganhando cada vez mais popularidade devido sua aceitabilidade pelos consumidores, bem como suas propriedades nutricionais e potencialmente efeitos benéficos na saúde humana. Atualmente, existe uma grande variedade de iogurtes no mercado brasileiro, as quais se encontram na forma natural, saborizado, com adição de frutas, líquido, batido, firme ou concentrado (TAMINE, 2003).

Os principais fatores responsáveis por essas diferenças são: (i) composição e qualidade do leite (ii) ingredientes utilizados na formulação (lácteos e não-lácteos) e (iii) as diferentes etapas de fabricação (homogeneização, fermentação, quebra do gel, resfriamento, dentre outros) (TAMINE, 2003).

Tais fatores são também os principais pontos-chaves para o controle de produção visando evitar defeitos no produto final e rejeição pelos consumidores. Diante disso, este artigo tem como objetivo descrever os principais defeitos decorrentes em iogurtes e as estratégias para contorná-los.

 

Quais os principais defeitos em iogurte? 

Dentre os principais defeitos destacamos (TENCHINI, 2016):

  • Atraso na fermentação;
  • Defeitos na aparência, corpo e consistência;
  • Defeitos de odor e sabor.

 

Atraso na fermentação do iogurte

Diversos fatores podem levar a um atraso na fermentação do iogurte tais como: presença de bacteriófagos, presença de antibióticos, leite com mastite, temperatura de fermentação, dosagem da cultura e contaminação após a pasteurização.

A presença de bacteriófagos (ou simplesmente fagos) é uma das principais causas da lenta produção de ácido pelas culturas láticas em plantas industriais. Os bacteriófagos são altamente nocivos para as bactérias lácteas, fazendo com que este produto sofra alterações nas características sensoriais (como sabor e a textura), o que compromete a qualidade e rendimento do produto final.

Os bacteriófagos são vírus que infecta seu hospedeiro, no caso do iogurte as bactérias lácticas, e se prolifera com grande velocidade. O maior problema com a infecção é que os bacteriófagos são resistentes e capazes de sobreviver por longos períodos que chegam a durar até mesmo décadas.

Quando as células bacterianas sensíveis são infectadas pelos bacteriófagos, estas sofrem lise ou são destruídas dentro de 40 a 60 min. Portanto, quando a cultura é infectada por esse vírus, ela produz ácido normalmente durantes os primeiros estágios de desenvolvimento da cultura e depois paralisam. Consequentemente, há um atraso no tempo de fermentação, presença de grumos e perda de viscosidade.

Para o controle preventivo, isto é, para evitar a contaminação por bacteriófagos e garantir uma produção adequada e segura, é necessária a utilização de culturas duráveis, em um sistema de rotação de culturas que seja composto por diferentes cepas, a fim de cobrir toda variedade de fagos transmissíveis e garantir uma proteção mais eficaz.

Além disso, é importante uma higienização eficiente (visando uma redução de 8 ciclos logaritmos de fagos diariamente) e um monitoramento do nível de bacteriófagos com teste de acidificação combinado com análises externas (exemplo: análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle – APPCC).

Além da presença de bacteríofagos, a presença de antibióticos também deve ser investigada. Quando presentes, os antibióticos inibem os microrganismos responsáveis pela fermentação desejável em iogurtes.

Além de impedir a fermentação das bactérias láticas (ou seja, impactos econômicos e tecnológicos), os antibióticos têm impacto negativo na saúde pública e afetam negativamente a qualidade sensorial do produto, com o desenvolvimento de sabores desagradáveis.

As principais causas da presença de antibiótico no leite se devem ao não cumprimento do período de carência do antibiótico durante o tratamento do animal que sofre de mastite; uso de dosagens múltiplas ou acima da recomendada; falhas na identificação dos animais tratados; ausência de separação de vacas em tratamento no momento da ordenha; mistura de leite com e sem resíduos; uso de equipamentos de ordenha contaminados. Portanto, para fabricação de iogurte é fundamental um programa de análises de resíduos de antibióticos e garantia que o leite utilizado esteja livre destes compostos.

A mastite é uma infecção nas glândulas mamárias e seu impacto na fermentação do iogurte não está apenas ligada a presença de antibióticos, mas também a alta contagem de células somáticas (CCS). Leite com alta CCS apresenta impacto negativo sobre o crescimento das culturas lácteas, o que pode afetar a processo de fabricação e afetar a qualidade final. A forma de controle é o uso de leite de qualidade certificado por meio das análises de controle de qualidade da matéria-prima.

A baixa temperatura de fermentação bem como a dosagem do fermento também são fatores que pode levar a um atraso na fermentação. A temperatura insuficiente, ou seja, abaixo da condição ideal para o desenvolvimento dos microrganismos do iogurte dificultam a sua atuação. Isso pode ocorrer em decorrência de problemas no processo como falta de energia, problemas na fermenteira levando ao decaimento da temperatura.

Em relação a dosagem do fermento, um atraso na fermentação pode ocorrer devido à utilização de baixas concentrações, cultura inadequada, desbalanceamento dos microrganismos, armazenamento inadequado do fermento ou problemas de atividade.

Por fim, a contaminação após a pasteurização, pode ocorrer devido a utilização de cultura repicada contaminada. Desta forma, culturas novas devem ser utilizadas para evitar este problema.

 

Defeitos na aparência, corpo e consistência em iogurte

A sinérese, isto é, a separação do soro na superfície da embalagem, é o defeito mais comumente observado durante o armazenamento de iogurtes, sendo um fator importante na decisão de escolha do consumidor frente à variedade de produtos e marcas ofertadas.

São diversos os fatores que levam a ocorrência de sinérese em iogurtes dentre eles: baixa concentração de extrato seco; tratamento térmico insuficiente; não realização da homogeneização; temperatura de incubação muito alta; baixa atividade da cultura; presença de enzimas proteolíticas; agitação durante a acidificação; quebra do coágulo antes de atingir o pH abaixo de 4,8-4,7 ou muito abaixo de 4,5; oxigênio dissolvido no leite e fermentação com acidificação muito forte ou muito fraca.

A seguir esses pontos são discutidos de forma detalhada:

  • Baixa concentração de extrato seco

Pode levar a uma menor firmeza do gel em virtude da baixa concentração proteica. Em geral, quanto maior a porcentagem de sólidos totais, melhor a viscosidade e consistência do produto final e, consequentemente, menor será a sinérese.

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Na microestrutura do iogurte, as proteínas do leite (micelas de caseínas e proteínas do soro desnaturadas) agem formando uma rede tridimensional na fase dispersa que aprisiona moléculas de água, permitindo a estruturação, espessamento e aumento da estabilidade do produto.

Entretanto, dependendo da concentração de extrato seco, a rede tridimensional pode não atingir a estabilidade desejável. A adição de sólidos lácteos, como o leite em pó, é uma excelente estratégia para diminuir a ocorrência de sinérese em iogurtes.

 

  • Binômio tempo/tempetura

O binômio do tratamento térmico de 80°C/30min ou 90-95°C/2-5min tem diversos benefícios para qualidade do produto, como: garantir a qualidade microbiológica; produzir compostos que estimulam a atividade metabólica da cultura starters; eliminar gases com consequente diminuição do potencial de oxirredução (favorável as bactérias láticas); e destruir bacteriófagos.

Além de todas essas vantagens, tem um efeito crucial para a formação da rede do produto devido à desnaturação das proteínas do soro. Quando essas proteínas são desnaturadas ocorre a exposição dos grupos de aminoácidos que antes estavam no interior do emaranhado proteico.

Após o tratamento térmico, esses grupos realizam ligações com as caseínas formando o complexo β-lactoglobulina-κ-caseína que contribuirão para o aumento da capacidade de retenção de água e, consequentemente, aumento da viscosidade de produto durante a fermentação. Em virtude do aumento da capacidade de retenção de água, há uma maior estabilidade do gel e diminuição da sinérese (WALSTRA, et al. 2006).

 

  • Homogeneização do leite

A homogeneização do leite é um processo cuja finalidade é promover uma dispersão homogênea dos constituintes do leite, com destaque para redução do tamanho dos glóbulos de gordura. Como consequência, a utilização de leite homogeneizado permite a obtenção de um gel de iogurte com maior viscosidade e estabilidade, além de melhorar as características sensoriais.

Isso é importante, pois evita a separação de gordura durante processo de fermentação, melhora a dissolução dos hidrocoloides, aumenta a interação proteína-proteína, o que resulta em uma menor sinérese.

 

  • Iogurte com baixa acidez

Um iogurte com baixa acidez, por exemplo, com pH acima de 4,8, favorece a sinérese, porque a interação da rede proteica (isto é, a estabilidade do gel) não foi suficientemente formada (ideal em pH 4,6). Por outro lado, se o pH estiver muito abaixo de 4,5, pode ocorrer o enfraquecimento do gel, devido ao afastamento das caseínas (distanciamento do ponto isoelétrico (pI 4,6)) que também contribui para o desenvolvimento da sinérese.

Outro problema além da sinérese é a produção de gás. Possivelmente esse defeito ocorre por meio da contaminação por leveduras, ou ainda por aeração excessiva da mistura. Para solucionar este problema é importante a implementação das Boas Práticas de Fabricação (BPF).

A formação de grumos também é um defeito muito comum e está usualmente relacionada à fermentação excessiva, particularmente devida a utilização de altas temperaturas. Em temperaturas de fermentação por volta de 45-46 °C, tem-se o favorecimento dos Lactobacillus bulgaricus, que são microrganismos altamente proteolíticos, o que pode contribuir com a formação de grumos.

Além disso, uma má dispersão dos ingredientes, como o leite em pó, também pode levar a formação de grumos. Outras causas são a agitação antes do resfriamento, baixa quantidade de inóculo, precipitação do fosfato de cálcio. Desta forma, é fundamental ajustar a intensidade do tratamento térmico, bem como favorecer uma mistura e dispersão dos ingredientes adicionados na mistura.

Em relação a consistência do iogurte, a baixa viscosidade é um defeito na elaboração de iogurtes firmes, batidos e concentrados. A baixa viscosidade pode ocorrer devido ao baixo teor de sólidos totais, tratamento térmico ineficiente, não realização da homogeneização, agitação incorreta, agitação do gel durante a acidificação e tipo de fermento utilizado.

Desta forma, ações descritas anteriormente, como adição de sólidos lácteos, tratamento térmico e homogeneização eficiente são estratégias fundamentais para aumentar a consistência do gel. Além disso, a adição de estabilizantes e espessantes têm a função de aumentar as interações existentes, impedindo a sinérese e aumentando a viscosidade do iogurte.

Outra estratégia é a utilização de culturas láticas produtoras exopolissacarídeos. Estipes de Streptococcus thermophilus podem produzir exopolissacarídeos que agem como espessantes do meio contribuindo para aumentar a retenção de água e, consequentemente, a viscosidade do produto.

 

Defeitos de odor e sabor em iogurte

Os defeitos de odor e sabor são diversos e devem ser controlados para evitar a rejeição do produto pelo consumidor. Alguns deles são descritos a seguir:

 

  • Gosto amargo

Na maioria das vezes é atribuído à presença de proteases termoresistentes (produzidas por bactérias psicrotróficas) que agem hidrolisando a fração da beta-caseína com a liberação de peptídeos hidrofóbicos que conferem amargor ao produto final.

Além disso, tempo muito elevado de armazenamento, bem como excesso de fermento (principalmente Lactobacillus bulgaricus que são altamente proteolíticos) adicionado a massa podem levar a este defeito no sabor do iogurte.

 

  • Sabor de levedura, bolores (frutado) e malte

O  sabor de levedura sugere um aroma de ácido acético associado ao gosto ácido. Já o sabor frutado é devido a contaminação por bolores. Em paralelo, o sabor de malte pode ser em decorrência da presença de Lactococcus lactis var. maltigenes, que age sobre o aminoácido leucina produzindo 3-metilbutanol. Essas contaminações podem ocorrer devido a adição de polpas de frutas de má qualidade e a não utilização das BPF.

 

  • Sabor excessivamente ácido – pós-acidificação

Pode ocorrer por fermentação excessiva, temperatura de incubação incorreta, velocidade muito lenta de resfriamento e estocagem inadequada. Deve-se, portanto, observar o pH correto de paralisação da fermentação, verificar o tempo de resfriamento e a temperatura de incubação e de estocagem.
 

  • Sabor rançoso

Defeito ligado principalmente à má qualidade do leite cru devido a presença de bactérias lipolíticas. O uso de leite em pó integral também é um ponto crítico.
 

  • Sabor excessivamente doce

Defeito em decorrência do uso excessivo de açúcar. Deve-se ter cuidado com a pesagem e dosagem do açúcar.

 

Considerações finais

O iogurte se destaque como um dos derivados lácteos de maior consumo nacional. Conforme discutido neste artigo, vários são os possíveis problemas que afetam a qualidade deste produto. Dentre os principais fatores interferentes nas características do gel formado durante a fermentação do iogurte foram ressaltados: a qualidade do leite, os ingredientes que o compõem e os cuidados com as etapas de processamento.

Essas variáveis podem ser analisadas isoladamente ou em conjunto a fim de combater a desestabilização do gel. Portanto, o controle desses fatores é fundamental para manter qualidade do iogurte durante sua vida de prateleira. Além disso, maiores investigações e estudos são importantes para o desenvolvimento de novas estratégias visando a melhoria contínua da qualidade deste produto.

 

Autores

Profa. Ana Flávia Coelho Pacheco (Mestre em Ciência e Tecnologia de Alimentos e membro do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos - LIPA/DTA/UFV)

Profa. Dra. Kely de Paula Correa (Professora/Pesquisadora do Instituto de Laticínios Cândido Tostes – EPAMIG-MG).

Prof. Wilson de Almeida Orlando Junior (Mestre em Engenharia Agrícola) Professor/Pesquisador do Instituto de Laticínios Cândido Tostes – EPAMIG-MG).

Prof. Nelson Tenchini (Professor do Instituto de Laticínios Cândido Tostes e Coordenador da Expolac / Minas Láctea - EPAMIG-MG).

Prof. Dr. Junio Cesar J. De Paula (Professor e Pesquisador da Epamig Instituto de Laticínios Cândido Tostes).

Prof. Dr. Paulo Henrique Costa Paiva (Professor/Pesquisador do Instituto de Laticínios Cândido Tostes – EPAMIG-MG).

Profa. Dra. Érica Nascif Rufino Vieira (Professora do Departamento de Tecnologia de Alimentos da UFV e coordenadora do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos - LIPA/DTA/UFV)

Prof. Dr. Bruno Ricardo de Castro Leite Júnior (Professor do Departamento de Tecnologia de Alimentos da UFV e coordenador do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos - LIPA/DTA/UFV)

 

Agradecimentos: os autores agradecem a CAPES - Código Financiamento 001; à Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG) pelo financiamento do projeto APQ-00388-21; ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo financiamento do projeto (429033/2018-4) e pela bolsa de produtividade à B.R.C. Leite Júnior (n°306514/2020-6).

 

 

Referências

BRASIL. MAPA – Ministério Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Instrução normativa nº 46, de 23 de outubro de 2007. Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade de Leite fermentados, Brasília, 2007.

ORDOÑEZ, J. A. Tecnologia de Alimentos: Alimentos de Origem Animal. Artmed ed. [s.l: s.n.]. v. 2.

TAMIME, A.Y. Fermented milks: A historical food with modern applications - A review. European journal of clinical nutrition. 56 Suppl 4. S2-S15. 2003.

TAMIME, A Y. ROBINSON, R.K. Yoghurt: Science and Technology. Agricultural and Biological Sciences, Elsevier, 3rd Edition, 2007.

TENCHINI, N. Tecnologia de Produção de Iogurte. Copyright, 2016.

WALSTRA, P.; WOUTERS, J. T. M.; GEURTS, T. J. Dairy science and technology. 2. ed. [s.l.] Taylor & Francis, 2006.

*Fonte da foto do artigo: Freepik

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