Definição de leite condensado e doce de leite pastoso
De acordo com a Instrução Normativa nº 47, de 26 de setembro de 2018, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), o leite condensado é definido como “o produto resultante da desidratação parcial do leite, leite concentrado ou leite reconstituído, com adição de açúcar, podendo ter seus teores de gordura e proteína ajustados unicamente para o atendimento das características do produto” (BRASIL, 2018).
Já o doce de leite é definido de acordo com a Portaria nº 354, de 4 de setembro de 1997, do MAPA como “o produto obtido por concentração e ação do calor à pressão normal ou reduzida do leite ou leite reconstituído, com ou sem adição de sólidos de origem láctea e/ou creme adicionado de sacarose” (BRASIL, 1997).
Veja que a partir dessas definições, torna-se desafiador apontar as distinções entre esses dois produtos, já que ambos têm o leite como ingrediente base, são adicionados de sacarose e am por um processo de remoção parcial da água.
Além disso, ambos os produtos apresentam semelhanças em termos de composição (leite condensado e doce de leite pastoso). Logo, infere-se que as diferenças se dão principalmente pelo processo de fabricação aplicado para cada produto.
Diante disso, o objetivo deste artigo técnico é evidenciar as principais diferenças tecnológicas e relacioná-las com as características sensoriais destes produtos.
Processo de fabricação: desvendando o mistério
A principal etapa para a fabricação tanto do leite condensado quanto do doce de leite é a concentração por meio da aplicação de calor, causando diversas modificações físico-químicas no leite, incluindo a redução da atividade de água por meio da remoção parcial da água. Esse processo é essencial para garantir a conservação e a extensão da vida de prateleira desses produtos.
No entanto, a maneira como a aplicação de calor é realizada é o que diferencia o processo de fabricação desses produtos e impacta diretamente nas suas características sensoriais. Em geral, para a produção de leite condensado, a concentração é realizada a vácuo, reduzindo a temperatura de ebulição da água, minimizando a ocorrência da reação de Maillard. Já na produção do doce de leite, esse processo é realizado em pressão atmosférica, contribuindo para a ocorrência desta reação, responsável pela cor, aroma e sabor característico desse produto.
Detalhadamente, na produção de leite condensado, os evaporadores mais utilizados pelas indústrias são os evaporadores tubulares à vácuo de película descendente com sistema de múltiplos efeitos (PARK e DRAKE, 2016).
Desta forma, o emprego da evaporação a vácuo para a produção de leite condensado é importante, visto que não é desejável que ocorra o escurecimento não enzimático, ocasionado pela reação de Maillard, que é caracterizada pela reação química entre a lactose (açúcar redutor) e o grupamento amina de aminoácidos, peptídeos e proteínas, sob determinadas condições de pH, temperatura e atividade de água (Figura 1) (FENNEMA, 2010).
Fonte: Os autores.
Já na produção do doce de leite em pasta, é utilizado um tacho com camisa de vapor, que é um dos evaporadores mais antigos e simples utilizados na indústria de alimentos. Este tacho possui um agitador central do tipo âncora com pás raspadoras, que promove convecção forçada e evita o superaquecimento do produto.
Esse processo é realizado em pressão atmosférica em altas temperaturas (próximas a 100 ºC) por um longo período, o que contribui com o desenvolvimento de uma coloração marrom intensa (devido à produção de melanoidinas), que é um aspecto de cor desejável característico deste produto.
Além disso, diferentemente do processo de fabricação do leite condensado, no processamento de doce de leite ocorre a redução da acidez do leite, realizada pelo uso de algum neutralizante, como bicarbonato de sódio.
O bicarbonato de sódio atua neutralizando os compostos de caráter ácido produzidos durante a concentração em temperaturas elevadas durante longos períodos de concentração (STEPHANI et al., 2019).
Essa ação é importante, uma vez que, o desenvolvimento da acidez pode levar a uma desestabilização das micelas de caseína, resultando em um doce defeituoso com o aspecto talhado. Além disso, como consequência da adição de bicarbonato de sódio, há uma intensificação da reação de Maillard, favorecida em valores de pH próximos à neutralidade (PERRONE et al., 2011). Dessa forma é possível controlar a intensidade da cor em função da quantidade de bicarbonato de sódio adicionado.
Definições e impacto nas características sensoriais
De acordo com a legislação, o leite condensado deve apresentar: cor branca amarelada, odor e sabor próprios, textura homogênea, viscosidade semi-líquida com ausência de arenosidade (BRASIL, 2018). Para o doce de leite em pasta, os requisitos sensoriais estabelecidos são: cor castanho caramelado proveniente da reação de Maillard, sabor e odor doce característico, sem sabores e odores estranhos com consistência cremosa ou pastosa e sem cristais perceptíveis sensorialmente (BRASIL, 1997).
Essa maior viscosidade no doce de leite pastoso, se deve a maior temperatura utilizada durante o processo de concentração que promove uma desnaturação das proteínas do soro (β-lactoglobulina e α-lactoalbumina), contribuindo com o aumento da viscosidade do produto.
Além disso, caso se trate de um doce de leite em barra (outra classificação do produto, com um maior percentual de sacarose adicionado e maior quantidade de água removida), a cristalização se torna necessária, sendo induzida e controlada (PACHECO e LEITE JÚNIOR, 2020).
Também existe a possibilidade de adicionar ingredientes de origem não láctea, como chocolate, cacau, amendoim, frutas secas, cereais e outros produtos alimentícios isolados, sendo necessário dar-se o nome “doce de leite com” seguido do nome do ingrediente adicionado (BRASIL, 1997).
Deste modo, nota-se que o doce de leite é um produto versátil, podendo apresentar-se na forma pastosa ou em barra, além de ser um produto que pode atender às exigências do mercado e às inovações tecnológicas na indústria de alimentos, já que é observado diversas tendências e combinações existentes com ingredientes não lácteos, como frutas, chocolate e café.
Para o leite condensado, apesar de não existir muitas opções, como acontece com o doce de leite, esse derivado lácteo também pode atender aos nichos de mercado, tendo espaço na mesa dos consumidores em várias receitas caseiras.
Considerações finais
Com base nos processos tecnológicos e nas características sensoriais preconizadas pela legislação, pode-se concluir que ambos os produtos — leite condensado e doce de leite — são altamente valorizados no mercado, cada um com sua importância e peculiaridade.
O leite condensado é amplamente utilizado em todo o mundo, enquanto o doce de leite é mais comum em países sul-americanos. O consumo desses produtos lácteos vinha crescendo e se intensificou durante a pandemia da COVID-19, demonstrando a apreciação dos consumidores, que muitas vezes desconhecem as diferenças tecnológicas entre esses derivados.
Desta forma, espera-se que com este artigo técnico, os consumidores possam entender melhor as diferenças no processamento, que impactam diretamente nas características sensoriais desses dois produtos.
Autores
Jhonathan Valente Ferreira Gusmão (Graduando em Ciência e Tecnologia de Laticínios e membro do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV).
Jeferson Silva Cunha (Bacharel em Ciência e Tecnologia de Laticínios e membro do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV).
Isabela Soares Magalhães (Nutricionista, Mestre em Ciência e Tecnologia de Alimentos e membro do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV)
Profa. Dra. Érica Nascif Rufino Vieira (Professora do Departamento de Tecnologia de Alimentos da UFV e coordenadora do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV).
Prof. Dr. Bruno Ricardo de Castro Leite Júnior (Professor do Departamento de Tecnologia de Alimentos da UFV e coordenador do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV).
Agradecimentos
Os autores agradecem a CAPES - Código Financiamento 001; à Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG) pelo financiamento do projeto APQ-00388-21; ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo financiamento do projeto (429033/2018-4) e pela bolsa de produtividade à B.R.C. Leite Júnior (n°306514/2020-6).
Referências
BRASIL. Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento. Portaria Nº 354, de 4 de setembro de 1997. Regulamento técnico para fixação de identidade e qualidade de doce de leite. Brasília: Ministério da Agricultura, 1997.
BRASIL. Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento. Instrução Normativa Nº 47, de 26 de outubro de 2018. Regulamento técnico para fixação de identidade e qualidade de leite condensado. Brasília: Ministério da Agricultura, 2018.
FENNEMA, O.R.; SRINIVASAN, D.; KIRK, L. P. Química de Alimentos de Fennema. Porto Alegre: Artimed, 2010. 900p.
PACHECO, A. F. C; LEITE JÚNIOR, B. R. C. Produção de doce de leite - Teoria e prática. Boletim de extensão. Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, 2020.
PARK, C. W., & DRAKE, M. A. (2016). Condensed milk storage and evaporation affect the flavor of nonfat dry milk. Journal of Dairy Science, 99(12), 9586–9597.
PERRONE, I. T.; STEPHANI, R.; NEVES, B. S. Doce de leite: aspectos tecnológicos. Juiz de Fora: [s.n.], 2011. 186 p.
STEPHANI, R.; FRANCISQUINI, J.; PERRONE, Í. T.; de CARVALHO, A. F.; & de OLIVEIRA, L. F. C. Dulce de Leche - chemistry and processing technology. In Milk Production, Processing and Marketing (pp. 1-18). London: IntechOpen, p 1-18, 2019.