O que é a ricota?
De acordo com a IN nº 65, de 21 de julho de 2020, a ricota pode ser definida como “o queijo obtido pela precipitação a quente de proteínas do soro de leite, com ou sem adição de ácido, com adição de leite em até 20% (vinte por cento) do seu volume” (BRASIL, 2020). Além disso, este produto pode se apresentar na forma fresca ou defumada (BRASIL, 2020).
A matéria-prima utilizada para produção da ricota é o soro de leite. Este soro é obtido durante a produção de queijos. Para se ter uma ideia, a cada 10 litros de leite utilizados na fabricação de queijos são obtidos cerca de 7 a 9 litros de soro (PACHECO; LEITE JÚNIOR, 2020). Em termos globais, a quantidade de soro de leite gerada chega a ~197,44 milhões de toneladas (FAOSTAT, 2021).
O soro de leite apresenta uma composição nutricional interessante, contendo aproximadamente 4,5-5% (p/v) lactose 0,6-0,8% (p/v) de proteínas, 0,4-0,5% (p/v) de gordura e quantidade minoritárias de vitaminas e minerais (SMITHERS, 2015). Independente da qualidade nutricional, muitos laticínios (principalmente os de pequeno porte) descartam o soro durante a produção de queijos.
Entretanto, devido à alta concentração de matéria orgânica (especialmente lactose e proteínas), o seu potencial poluente é considerado elevado, já que se introduz uma alta demanda bioquímica de oxigênio nos leitos fluviais (Prazeres, Carvalho e Rivas, 2012). Portanto, o reaproveitamento do soro se torna crucial para minimizar o impacto ambiental e aumentar a lucratividade industrial.
A produção de ricota é uma das alternativas mais simples e econômicas para um melhor aproveitamento do soro de leite (RUBEL, 2019). Entretanto, um dos grandes desafios na produção de ricota é a geração de soro. Esse soro apresenta elevado teor de lactose (4,8-5,0%), tornando-se um problema ambiental (PACHECO; LEITE JÚNIOR, 2020). Dessa forma, assim como o soro de leite, o soro de ricota também pode ser reaproveitado como ingrediente no desenvolvimento de novos produtos, como, por exemplo, na elaboração de bebidas lácteas fermentadas (GERHARDT et al., 2013).
A ricota possui uma boa aceitação pelos consumidores, sobretudo por apresentar baixo valor calórico e alto teor proteico de elevada digestibilidade. Este produto pode ser comercializado fresco, defumado, condimentado, com ou sem sal.
O rendimento da ricota varia entre 4 e 5% em relação ao volume de soro, e seu pH oscila entre 4,9 e 5,9, de acordo com a acidez inicial e a quantidade de ácido adicionado (ALBUQUERQUE, 2003). A Tabela 1 mostra a composição média da ricota.
Tabela 1. Composição dos constituintes por 100 gramas de ricota.
Fonte: TACO, 2011.
Como é feita a ricota?
O processo de elaboração da ricota é considerado simples, pois não requer equipamentos de alta tecnologia e ingredientes de difícil o. O fluxograma apresentado na Figura 1 exemplifica o processo de elaboração da ricota.
Figura 1. Processo de fabricação de ricota.
Fonte: PACHECO; LEITE JÚNIOR (2020).
O primeiro o é a obtenção do soro de leite, que pode ser obtido a partir da fabricação de diversos queijos, como queijo minas frescal, padrão, muçarela, entre outros. Um ponto crítico de controle é a acidez do soro, que não deve ar de 0,14% (p/p) expressa em ácido lático ou 14°D (graus Dornic).
Posteriormente, o soro deve ser filtrado em filtro ou peneira com o objetivo de eliminar partículas ou ser clarificado e/ou padronizado em desnatadeira, com o intuito de remover/padronizar o teor de gordura. Antes do soro ar pelo processo de aquecimento pode ser adicionado bicarbonato de sódio como neutralizante para corrigir a acidez do soro para 8-10 °D, evitando a precipitação antecipada das proteínas. Nesse sentido, para realizar essa correção, pode ser usada a seguinte fórmula (PACHECO; LEITE JÚNIOR, 2020):
Onde: R é a quantidade de bicarbonato de sódio a ser adicionada (gramas); VS: volume de soro; D: acidez a ser reduzida, expressa em °D; 0,9333: fator de correção; e PB: pureza do bicarbonato de sódio.
Em seguida, sob constante agitação, o soro deve ser aquecido até a temperatura de 65ºC e, ao chegar nessa temperatura, é adicionado o leite (integral ou desnatado), sem ultraar 20% do volume de soro, conforme preconizado pela IN n°65, de 21 de julho de 2020 (BRASIL, 2020).
Após a adição do leite, a mistura continua sob agitação até atingir a temperatura de 85 °C. Quando esta temperatura for atingida, o acidificante deve ser adicionado, podendo ser adicionado o ácido lático (produção industrial) ou ácido acético, ou cítrico (vinagre ou suco de limão na produção artesanal). A quantidade de ácido a ser adicionado dependerá da acidez inicial do soro, variando entre 0,1 e 1% em relação à quantidade de soro.
Novamente, a mistura deve ser aquecida até atingir a temperatura de 95 °C para dar início a floculação das proteínas do soro. O ponto final de fabricação é atingido quando se observa a formação de uma massa de coloração branco-creme que deve permanecer em repouso por aproximadamente 20 a 30 minutos. Na sequência, ocorre o resfriamento, e logo após, a massa é coletada e enformada em formas próprias para ricota.
A salga é opcional, podendo ser realizada na massa antes da enformagem, na superfície após a enformagem ou em salmoura. Comumente, a concentração de NaCl (sal) utilizada é de 0,3% a 0,8% em relação ao peso da massa.
A massa enformada deve ser virada após 30 minutos de repouso e ser conduzida à câmara fria (2-4 °C), onde permanece até o dia seguinte para completar a saída do excesso de soro. Após esse período, a ricota poderá ser desenformada e embalada para comercialização.
Novas oportunidades
No Brasil, a ricota é elaborada principalmente a partir do soro de leite de vaca, entretanto, é crescente a sua produção através da utilização do soro de leite de ovelha e cabra.
A ricota produzida a partir dos soros de leite de ovelha e cabra insere um nicho de mercado diferente no setor de lácteos e se torna uma alternativa para agregação de valor aos produtos de origem ovina e caprina (RODRIGUES, 2015). Alguns desses produtos já podem ser encontrados nos mercados nacionais, conforme demonstrado pelas Figuras 2 e 3.
Figura 2. Ricota fresca de cabra.
Fonte: Caprivita.
Figura 3 Ricota fresca de ovelha.
Fonte: Queijaria Rima.
A condimentação da ricota é outra estratégia que contribui com a melhoria das características sensoriais (como sabor, aroma e cor). Além disso, a adição de certos condimentos (gergelim, açafrão, orégano e outros) apresentam propriedades funcionais, com ações antioxidantes, anti-inflamatórias e antimicrobianas, o que contribui com o aumento do apelo nutricional e funcional do produto. Geralmente, a adição desses ingredientes ocorre após a retirada do soro em concentrações otimizadas pela preferência do consumidor (PACHECO; LEITE JÚNIOR, 2020).
Principais defeitos e cuidados
Durante o processamento da ricota, deve-se tomar alguns cuidados para minimizar a ocorrência de defeitos no produto. De acordo com Pacheco e Leite Júnior (2020) os defeitos mais comuns encontrados na ricota são decorrentes de alterações no sabor (sabor amargo ou sabor ácido), no aroma e na textura (comumente textura mole).
Esses defeitos podem ser provenientes da má higiene dos equipamentos, dos utensílios e dos manipuladores; uso de matéria prima e ingredientes de má qualidade; utilização dos ingredientes em quantidades incorretas; temperaturas baixas ou acima das recomendadas; procedimentos incorretos durante a fabricação; e condições inadequadas de armazenamento e distribuição. Desta forma, a adoção das boas práticas de fabricação e os cuidados durante o processamento e a comercialização são fundamentais para garantir a qualidade deste derivado lácteo.
Considerações finais
A reutilização do soro de leite para fabricação de ricota pode contribuir economicamente para o crescimento das indústrias e do setor lácteo. O processo de fabricação da ricota é simples, podendo ser uma realidade para pequenas agroindustriais, principalmente para aquelas que beneficiam leite de pequenos ruminantes como cabra e ovelha. Além disso, a ricota é uma alternativa para atender consumidores que exigem produtos mais nutritivos, saudáveis e funcionais.
Autores
Heloisa de Fátima Mendes Justino (Mestre em Ciência e Tecnologia de Alimentos e membro do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV)
Jeferson Silva Cunha (Bacharel em Ciência e Tecnologia de Laticínios e membro do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV)
Profa. Dra. Érica Nascif Rufino Vieira (Professora do Departamento de Tecnologia de Alimentos da UFV e coordenadora do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV)
Prof. Dr. Bruno Ricardo de Castro Leite Júnior (Professor do Departamento de Tecnologia de Alimentos da UFV e coordenador do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV)
Agradecimentos: Os autores agradecem a CAPES - Código Financiamento 001; à Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG) pelo financiamento do projeto APQ-00388-21; ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo financiamento do projeto (429033/2018-4) e pela bolsa de produtividade à B.R.C. Leite Júnior (n°306514/2020-6).
Referências
ALBUQUERQUE, L. C. de. Os queijos no mundo. Juiz de Fora: Editora Arte-final, 2003. v. 3, p. 98-102.
BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Portaria n° 65, de 21 de julho de 2020. Regulamento técnico para fixação de identidade e qualidade de ricota. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, 21 jul. 2020.
FAOSTAT, 2021. Food and Agriculture Organization corporate statistical database. Disponível em:
GERHARDT, A.; MONTEIRO, B. W.; GENNARI, A.; LEHN, D. N.; SOUZA, C. F. V. Características físico-químicas e sensoriais de bebidas lácteas fermentadas utilizando soro de ricota e colágeno hidrolisado. Revista do Instituto de Laticínios Cândido Tostes, v. 68, n. 390, p. 41-50, 2013.
RODRIGUES; F. Ricota, Queijos no Brasil. 2015. Disponível em:
RUBEL, I. A.; IRAPORDA, C.; GALLO, A.; MANRIQUE, G. D.; GENOVESE, D. B. Spreadable ricotta cheese with hydrocolloids: Effect on physicochemical and rheological properties. International Dairy Journal, v. 94, p. 7-15, 2019.
Smithers, G. W. Whey-ing up the options–yesterday, today and tomorrow. International Dairy Journal, v.48, p. 2-14, 2015.
TACO- TABELA BRASILEIRA DE COMPOSIÇÃO DE ALIMENTOS. NEPA- UNICAMP, Campinas, 4. ed., p. 161-319, 2011.
PACHECO, A. F. C; LEITE JÚNIOR, B. R.C. Processamento de Ricota. Boletim de
Extensão, n.° 77, 42p. Universidade Federal de Viçosa, PEC, 2020.