O iogurte é um dos produtos lácteos fermentados mais consumidos no mundo. Essa alta popularidade se deve as propriedades sensoriais e aos benefícios à saúde associados a este produto, como, por exemplo: (i) diminuição dos principais fatores de risco para doenças cardiovasculares, (ii) diminuição dos sintomas relacionados a intolerância à lactose (por causa da hidrólise parcial da lactose e da presença da lactase ativa das culturas starters), (iii) efeito probiótico (para iogurtes adicionados de microrganismos probióticos), e (iv) melhora da microbiota intestinal (CRUZ et al., 2017).
Essas propriedades podem ser atribuídas aos seus nutrientes como cálcio, proteína, propriedades bioativas e culturas vivas. Além disso, por se tratar de um produto fermentado, a matéria-prima tem que ser de qualidade e livre de resíduos de antibióticos, que possam vir a inibir culturas starters e prejudicar o processo de produção.
De acordo com o Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade de Leites Fermentados (IN n° 46 de 2007 do MAPA), Iogurte, Yogur ou Yoghurt, “é o produto cuja fermentação se realiza com cultivos protosimbióticos de Streptococcus salivarius subsp. Thermophilus e Lactobacillus delbrueckii subsp. Bulgaricus, aos quais se podem acompanhar, de forma complementar, outras bactérias ácido-lácticas que, por sua atividade, contribuem para a determinação das características do produto final”.
Do ponto de vista sensorial, sua textura suave e cremosa permite grande versatilidade na adição de sabores, como frutas, polpas e mel, tornando-o mais nutritivo e atrativo para o consumidor (CRUZ et al., 2017).
Figura 1. Desempenho do mercado de iogurtes no Brasil desde 2018.
Fonte: adaptado de Valor.
Mercado e tendências no setor de iogurtes
No Brasil, o mercado de iogurtes conseguiu se manter ativo, mesmo no período de pandemia da Covid-19, como pode ser observado na Figura 1, que mostra o desempenho deste produto desde 2018.
Entre outubro de 2020 e setembro de 2021, a comercialização de iogurtes no Brasil totalizou 592 mil toneladas, volume 1,3% maior que o período anterior (outubro de 2019 a setembro de 2020). O avanço pequeno é sintoma do cenário macroeconômico desfavorável devido à pandemia da Covid19, mas, em receita, o segmento movimentou R$ 6,6 bilhões, ou 13% a mais na mesma comparação. Isso mostra que mesmo com o aumento dos preços e perda de poder aquisitivo da população, o consumo de iogurte ainda se manteve em alta.
Para que esse mercado continua em alta, as indústrias devem sempre buscar o desenvolvimento de estratégias inovadoras e sustentáveis para otimização dos processos, bem como para a obtenção de alimentos seguros com melhor qualidade sensorial e nutricional.
Para iogurtes, recentemente, o mercado tem apresentado diversas inovações a fim de atender públicos específicos. Dentre essas inovações destacam-se algumas macrotendências (ZACARCHENCO et al., 2017):
- Qualidade Nutricional;
- Digestibilidade e Bem-Estar;
- Funcionalidade e Prevenção;
- Controle e Adequação;
- ização e Sensorialidade;
- Sustentabilidade e Naturalidade.
Qualidade Nutricional
A macrotendência de Qualidade Nutricional busca o desenvolvimento de produtos lácteos ligados às demandas de opções nutritivas para compor a alimentação diária. Os produtos identificados com alta qualidade nutricional (proteínas, cálcio, vitaminas etc.) são tradicionalmente conceituados pela sua riqueza natural em nutrientes essenciais.
Uma dieta mais rica nutricionalmente é uma tendência de grande potencial que vem impulsionando os consumidores na busca por produtos lácteos tanto na sua forma original quanto por meio de fortificação desses alimentos com micronutrientes. Além disso, esses produtos podem ser acrescentados de frutas, cereais e fibras afim de proporcionar aos consumidores produtos ainda mais nutritivos.
Digestibilidade e Bem-Estar
Os iogurtes já são tradicionalmente reconhecidos pela sua funcionalidade digestória. Por outro lado, nos últimos anos, têm-se buscado adicionar aos iogurtes prebióticos (como fibras) e microrganismos probióticos. Esses componentes apresentam benéficos para a saúde, como a regulação do sistema digestório e o equilíbrio do organismo, proporcionando a melhora do bem-estar (MOUSAVI et al., 2020).
Assim, o desenvolvimento de novos tipos de iogurtes, com diferentes fins e funcionalidades, como iogurtes probióticos e prebióticos, tem crescido e ganhado grande importância no cenário nacional.
Funcionalidade e Prevenção
Além das funcionalidades dos iogurtes adicionados de prebióticos e microrganismos probióticos, a aplicação de outros ingredientes como proteínas, peptídeos bioativos, ácido linoleico conjugado (CLA) e melatonina também tem sido identificado como um campo promissor para o desenvolvimento de produtos lácteos com vários outros benefícios para a saúde.
As proteínas do leite, além de fornecer aminoácidos essenciais, é fonte de energia para um bom funcionamento muscular de esportistas, manutenção da função muscular para idosos e melhora do sistema imunológico (PANDALANENI et al., 2019).
Além disso, essas proteínas podem ser utilizadas na obtenção de peptídeos bioativos que apresentam atividades biológicas desejáveis. Os peptídeos bioativos possuem potencial de aplicação para o desenvolvimento de produtos lácteos funcionais, como o iogurte, afim de proporcionar benefícios para a saúde.
A adição de proteínas vegetais é outra tendência e apresentam propriedades técnico-funcionais que podem contribuir com características desejáveis em iogurtes, como aumento da viscosidade e redução de sinérese. Isso é interessante uma vez que proteínas vegetais são amplamente abundantes e mais baratas, principalmente as obtidas de resíduos agroindustriais. Além disso, elas também são fontes de peptídeos bioativos.
Controle e Adequação
Com a busca por um estilo de vida mais saudável, os consumidores tem optado em diminuir o consumo de produtos com alto teor sódio, gorduras e açúcar. O resultado disso tem sido a oferta crescente de produtos reformulados, com menores teores ou até mesmo com a substituição integral de sódio, gorduras e açúcar. Por outro lado, esses componentes estão relacionados com a textura, consistência e sabor do produto, o que torna um desafio para as indústrias.
Além disso, há os consumidores que são intolerantes à lactose. A intolerância à lactose é um distúrbio caracterizada por deficiência, ou produção insuficiente da enzima β-galactosidase (também conhecida por lactase), que é responsável pela hidrólise da lactose em glicose e galactose. A incapacidade da hidrólise da lactose pode causar sintomas como: dor e distensão abdominal, flatulência e diarreia (AKTAG et al., 2019).
Dependendo do grau de intolerância, o iogurte pode ser consumido sem causar sensibilidade e problemas de ingestão. Isso é devido aos microrganismos presentes no iogurte (Streptococcus salivarius subsp. Thermophilus e Lactobacillus delbrueckii subsp. Bulgaricus) que utilizam a lactose como substrato. Assim, parte dessa lactose é hidrolisada em glicose e galactose e a presença desses microrganismos vivos no produto auxiliam durante o processo digestório.
Por outro lado, pessoas que são de fato muito sensíveis à lactose tem evitado a sua ingestão, proporcionando uma onda generalizada de lançamentos de produtos delactosados (iogurte sem lactose). Assim, este produto constitui uma alternativa de consumo para este público específico e adeptos de alimentos sem lactose.
ização e Sensorialidade
Iogurtes com alegações , com a valorização do frescor, da fabricação artesanal costumam ser considerados mais nobres e mais voltados para certos grupos específicos de consumidores devido ao maior valor agregado. Além disso, produtos personalizados também são características que atendem às necessidades e desejos particulares, conforme as diferenças de gênero e idade das pessoas.
Em paralelo, a sensorialidade é outra tendência no setor de iogurte e está ligada às inovações em aromas, sabores e corantes naturais, bem como agentes de corpo, que visam atender à demanda dos consumidores por produtos com texturas diferenciadas e sabores exóticos.
Sustentabilidade e Naturalidade
Atualmente a sustentabilidade é um dos pilares que as indústrias de alimentos visam atender. Os consumidores estão buscando produtos que tenham o menor impacto possível no meio ambiente e ligados ao bem-estar animal. Neste sentido, o consumo de alimentos está cada vez mais consciente e ético, com responsabilidade social.
Essa tendência de sustentabilidade tem ocasionado o lançamento de produtos lácteos orgânicos, com certificações ambientais e sociais. Além disso, essa macrotendência tem mostrado que os consumidores estão mais preocupados com a origem dos produtos, dos ingredientes e seus processos de fabricação. Consequentemente, as empresas têm se tornado cada vez mais transparentes e responsáveis na informação e educação dos consumidores.
Esse comportamento tem favorecido também a tendência de naturalidade, ou seja, a demanda por produtos percebidos como mais seguros e saudáveis pelos consumidores. A tendência de naturalidade visa a utilização de matéria-prima de qualidade, sem adições (por exemplo, conservadores e ingredientes sintéticos) e sem a presença de resíduos estranhos como os antibióticos. Para iogurtes isso é muito importante uma vez que os antibióticos podem inibir o desenvolvimento das culturas starters, que são intencionalmente adicionadas para a fermentação do leite.
Iogurtes clean label
Além das macrotendências citadas, as mudanças no comportamento de compra e consumo das novas gerações tem levado a oferta de produtos clean label, na qual a tradução é “etiqueta limpa” ou “rótulo limpo”. Os produtos clean label tem diferentes vertentes, como pode-se observar na Figura 2.
Figura 2. Diferentes vertentes de produtos clean label.
Fonte: os autores.
Neste contexto, podemos traduzir que essas palavras da seguinte forma:
- Remover: eliminar componentes específicos sem comprometer o sabor do produto.
- Substituir: substituir ingredientes com alternativas de etiquetas limpa que mantenham a funcionalidade, perfil de sabor e nutrição de seus produtos.
- Reposicionar: formas criativas de reposicionar os produtos no mercado, como: posicionamento e formato do produto; novos métodos de processamento e de embalagem; fluxogramas inovadores e autênticos.
- Reduzir: simplificar listas de ingredientes por meio de soluções naturais. Para isso, deve-se adotar: Listas de ingredientes mais curtas; ingredientes naturais, multifuncionais; ingredientes em concordância com recomendações nutricionais; formulações com redução de sódio e açúcar.
- Reinventar: marcas “naturais” que buscam crescer seu negócio sem perder sua identidade, filosofia e princípios. Neste sentido, a produção pode ser embasada em: Certificado orgânico; livre de OGM; investimento em saúde em longo prazo; práticas sustentáveis (locais e globais) e sem desperdício.
Considerações finais
Atualmente os consumidores têm buscado por alimentos que contenham ingredientes naturais, orgânicos ou mesmo alimentos com redução ou exclusão de aditivos sintéticos.
No setor de iogurtes, é possível ver que muitas macrotendências têm exercido influência marcante sobre os hábitos dos consumidores. Dessa forma, as empresas percebem a cada dia a necessidade de novas opções para esse público.
Com isso, o setor lácteo vem investindo cada vez mais no desenvolvimento de novos produtos e reformulações dos já existentes com a finalidade de criar produtos diferenciados e capazes de corresponder aos anseios dos consumidores.
Autores
Ana Flávia Coelho Pacheco (Mestre em Ciência e Tecnologia de Alimentos e membro do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos - LIPA/DTA/UFV)
Wilson de Almeida Orlando Junior (Mestre em Engenharia Agrícola) Professor/Pesquisador do Instituto de Laticínios Cândido Tostes – EPAMIG-MG).
Prof. Dra. Kely de Paula Correa (Professora/Pesquisadora do Instituto de Laticínios Cândido Tostes – EPAMIG-MG).
Prof. Dr. Paulo Henrique Costa Paiva (Professor/Pesquisador do Instituto de Laticínios Cândido Tostes – EPAMIG-MG).
Profa. Dra. Érica Nascif Rufino Vieira (Professora do Departamento de Tecnologia de Alimentos da UFV e coordenadora do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos - LIPA/DTA/UFV)
Prof. Dr. Bruno Ricardo de Castro Leite Júnior (Professor do Departamento de Tecnologia de Alimentos da UFV e coordenador do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos - LIPA/DTA/UFV
Referências
AKTAG, I. G.; HAMZALIOGLU, A.; GOKMEN, V. A hidrólise de lactose e a fortificação de proteínas representam um risco aumentado para a formação de produtos da reação Maillard em produtos lácteos tratados com UHT. Revista de composição e análise de alimentos, v.84, 2019.
BRASIL. MAPA – Ministério Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Instrução normativa nº 46, de 23 de outubro de 2007. Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade de Leite fermentados, Brasília, 2007.
CRUZ, A. G. da; ZACARCHENCO, P. B.; OLIVEIRA, C. A. F. de; CORASSIN, C. H. Processamento de produtos lácteos: queijos, leites fermentados, bebidas lácteas, sorvete, manteiga, creme de leite, doce de leite, soro em pó e lácteos funcionais. Rio de Janeiro: Elsevier, 2017. p.137-167.
KARAM, M. C.; GAIANI, C.; HOSRI, C.; BURGAIN, J.; SCHER, J. Effect of dairy powders fortification on yogurt textural and sensorial properties: a review. Journal of Dairy Research, , v. 80, p. 400–409, 2013.
MOUSAVI, S. N.; SABOORI, S.; ASBAGHIC, S. Effect of daily probiotic yogurt consumption on inflammation: A systematic review and meta-analysis of randomized Controlled Clinical trials. Obesity Medicine, v.18, 100221, 2020.
PANDALANENI, K.; BHANDURIYA, K.; AMAMCHARLA, J. K.; MARELLA, C.; METZGER, L. E. Influence of milk protein concentrates with modified calcium content on enteral dairy beverage formulations: Storage stability. Journal of Dairy Science, v. 102, p. 155-163, 2019.
VALOR. Alta dos custos de produção testa ‘resiliência’ do iogurte. Por Érica Polo — De São Paulo. 10 de janeiro de 2022. Disponível em ZACARCHENCO, P. B.; DENDER, A. G. F. V.; REGO, R. A. Brasil Dairy Trends 2020: Tendências do Mercado de Produtos Lácteos. Campinas – SP, 1ª Edição, ITAL, 2017. *Fonte da foto do artigo: Freepik