Bacteriófagos, também conhecidos como fagos, são a principal causa de problemas na propagação de fermentos lácteos utilizados na fabricação de produtos fermentados. Com um tamanho de 0,1 a 0,2 micra, esses “vírus de bactérias” foram caracterizados inicialmente no século 20 pelo trabalho de Felix d’Hérelle em 1917.
Os bacteriófagos são altamente nocivos para as bactérias lácteas utilizadas na produção de queijos e bebidas lácteas fermentadas, fazendo com que estes produtos sofram alteração de sabor e textura, comprometendo também o rendimento.
Os bacteriófagos estão naturalmente presentes em laticínios. Geralmente, considera-se aceitável e normal a presença de 10.000 partículas de fagos por mL de soro. Estes vírus são termorresistentes e, portando, sobrevivem à pasteurização. Além de estarem presentes no solo, ar, leite pasteurizado e leite cru, crescem como parasitos de bactérias dos fermentos láticos, principalmente, no soro residual da fabricação de queijos. Seu desenvolvimento é muito rápido e apenas um fago pode dar origem a cerca de 100 milhões de novos fagos em apenas duas horas e meia.
Basicamente, um fago é constituído pelos seguintes elementos: cabeça, pescoço e corpo (Figura 1). Detalhando a sua morfologia, a cabeça, também conhecida como capsídeo, geralmente é poliédrica, de natureza proteica e, no seu interior, encontra-se o DNA. Na sequência, situa-se o pescoço, bainha contrátil da cauda, placa base ou basal, fibras de proteína da cauda e peças de fixação contendo espículas. Estas últimas predizem e identificam os receptores situados na parede celular da bactéria.
Com um tamanho compreendido entre 0,1 e 0,2 micra, os fagos são consideravelmente menores que as bactérias. Temperaturas de 65-70 ºC apenas debilitam o seu desenvolvimento, uma inativação total se alcança apenas com temperaturas entre 90-95 ºC. Sabendo-se que o leite geralmente é processado em temperaturas de 72 a 73 ºC, os fagos não seriam inativados por completo.
Figura 1. Ilustração da morfologia de um fago.
Fonte: Chr. Hansen Brasil
Para se reproduzir, o vírus precisa infectar uma célula hospedeira em fase de crescimento, já que não dispõe de metabolismo próprio. O processo de infecção e replicação dos fagos ocorre na seguinte ordem: adsorção, penetração, replicação, montagem, lise e liberação. A Figura 2, mostra uma imagem do encontro entre um bacteriófago e uma bactéria sensível a este vírus.
Figura 2. As setas indicam as células de Streptococcus thermophilus que já sofreram lise e liberaram seu conteúdo celular com novos fagos
Fonte: MILLS et al., 2019.
Sinais de um ataque de bacteriófago
O fermento, um dos principais elementos na fabricação do queijo de produtos lácteos fermentados, tem como principal função o abaixamento do pH. Essa acidificação ocorre devido à fermentação da lactose, açúcar do leite, com produção de ácido lático. Quando se observa um aumento no tempo de fermentação, o leite estando em condições normais como ausência de resíduo de antibiótico e dosagem correta de fermento, chega-se à conclusão de que o fermento está sendo atacado por bacteriófagos.
Esse ataque traz muitos transtornos em uma fábrica, pois compromete o processo fermentativo, gerando perdas irreversíveis de rendimento e aumento de horas extras de trabalho. No caso da muçarela, pode comprometer a filagem, causar problemas no fatiamento, apresentar manchas com pontos brancos, além do desprendimento de soro do queijo que se aparenta mais úmido.
Métodos para controle de bacteriófagos
Os princípios básicos do controle de fagos em plantas industriais são conhecidos desde o início da década de 1940 com o trabalho pioneiro do Dr. Hugh Whitehead e seus colegas na Nova Zelândia. O estudo em questão identificou o soro de leite como principal veículo para transmissão de bacteriófagos.
Como principais métodos de controle de bacteriófagos podemos citar o controle da higienização de equipamentos e ambiente de produção. Antes de iniciar o processamento do leite é importante checar se o processo Clean in Place (CIP) foi realizado de forma correta. Outros cuidados importantes são: ter silos diferentes de estocagem de leite e soro; caminhões tanque de transporte de leite diferente do transporte de soro; não padronizar o leite com creme oriundo do desnate do soro, salvo se o creme do soro for pasteurizado a 80 ºC por 5 minutos; não deixar soro no chão da fábrica; não usar padronizadora de leite para desnate do soro.
Outra prática não recomendada é a higienização com o auxílio bomba que produz jato. Esse processo cria uma névoa que dissemina os bacteriófagos no ambiente, considerando que os fagos são vírus e se espalham com facilidade. Um ponto fundamental e indispensável para o controle de fagos é a aplicação, de forma pulverizada, de solução 0,5% de ácido peracético após o enxágue dos equipamentos com auxílio de uma pistola de ar comprimido.
A escolha do fermento também é uma importante estratégia para o controle dos bacteriófagos. Com o avanço das pesquisas científicas, fermentos mais robustos com uma dose maior de bactérias láticas por grama aram a ser desenvolvidos com o intuito de diminuir a fase de latência, ou seja, encurtar a fase Lag. Desta forma, o processo fermentativo é acelerado, dificultando a ação dos bacteriófagos.
Além da utilização de fermentos robustos, é importante estar sempre rotacionando o fermento. Essa rotação consiste em um mesmo tipo de fermento, porém com cepas distintas. O processo de rotação de fermentos varia de acordo com o fabricante. O importante é ter um maior número de rotações possíveis, sem presença de cepas conflitantes, com isso, conferindo uma segurança a mais ao processo.
Considerações Finais
Os bacteriófagos sempre estarão presentes nas indústrias de laticínios. É de suma importância estar monitorando de forma contínua a sua presença, usando testes específicos para a identificação de bacteriófagos. A pulverização da solução de ácido peracético (0,5%) é indispensável para que se tenha uma baixa pressão fágica no ambiente. E não menos importante, a escolha de cultivos robustos faz toda diferença na fabricação de produtos fermentados. Lembrando que os bacteriófagos não são exterminados por completos e sim, controlados. Deste modo, a aplicação das Boas Práticas de Fabricação (BPF) é uma ferramenta fundamental para um bom controle fágico dentro da indústria.
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Referências
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