O grau de contaminação das instalações, e consequentemente, dos animais é um fator de risco importante para a ocorrência de novos casos de mastite. Estas infecções intramamárias causam aumento da CCS, que é um parâmetro usado como indicador de sanidade da glândula mamária do rebanho e de qualidade do leite.
Algumas práticas de manejo como a formação de lotes com alta densidade de animais, limpeza inadequada das baias, camas mal manejadas, alta umidade do ambiente, falta de higiene nos piquetes de vacas secas, e uso de locais naturais (açudes e lagos) para fornecimento de água, estão relacionadas com aumento da contaminação ambiental e da CCS.
Estudos já demonstraram relação entre práticas de manejo, limpeza dos animais e CCS, no entanto, a maioria conduzida com vacas manejadas em ambiente coberto (sistema intensivo), o que não é a realidade da maioria de fazendas brasileiras. Em um estudo recente, realizado no Brasil, os pesquisadores buscaram descrever a variação do grau de limpeza de vacas leiteiras durante o ano, e avaliar o efeito da higiene dos animais sobre a CCS de vacas em sistema de pastejo. ]
Realizou-se avaliação mensal do escore de higiene de vacas de dois rebanhos leiteiros no período compreendido entre julho de 2007 à março de 2008. A Fazenda 1 tinha aproximadamente 250 vacas que, ou estavam alojadas em baias ao ar livre de piso cimentado (área de 900 m2; 18 m2/vaca), ou em piquetes com pasto de 3.000 a 6.000 m2, com rotação diária. A fazenda 2 dispunha de aproximadamente 130 vacas em lactação, criadas em piquetes de 5.000 a 11.220 m2 (em média 300 m2/vaca).
A higiene das vacas foi avaliada durante a ordenha por meio de escores visuais de limpeza (Figura 1). Para tanto, foram avaliadas quatro áreas do corpo dos animais: pernas, flancos, abdômen e úbere. Os escores foram definidos da seguinte forma: 1 = toda área limpa, sem indícios de sujeira; 2 = menos da metade da área coberta por sujeira; 3 = metade ou mais da área coberta por sujidade; e 4 = toda a área corporal coberta por uma camada de sujeira. Quando a higiene não fosse uniforme entre os lados da vaca, o lado mais sujo era considerado para avaliação.
Figura 1 - Sistema de avaliação visual para determinação do escore de higiene.

Disponível em: www.vetmed.wisc.edu/dms/fapm/fapmtools/4hygiene/hygiene.pdf
Os escores de cada uma das quatro áreas avaliadas foram combinados para gerar uma pontuação de limpeza para cada vaca. Portanto, os animais foram classificados da seguinte forma: animal muito limpo (ML) = escore 1 em ao menos uma área e 2 nas demais; animal limpo (L) = ao menos duas área com escore 2 e nenhuma com escore 4; Sujo (S) = duas ou mais áreas com escore 3, com no máximo uma área com escore 2 e duas áreas com escore 4; muito sujo (MS) = três ou mais áreas com escore 4.
Além disso, os animais foram classificados em três categorias, dependendo da permanência a qual eles mantiveram os escores de higiene: 1 = consistentemente limpos, composta de vacas com escores de higiene combinados de ML ou L em 75% ou mais avaliações; 2 = consistentemente sujo, composta por vacas classificadas como S ou MS em ao menos 75% das observações; e 3 = inconsistente ou variável, composta por vacas que mantiveram o mesmo escore de limpeza com uma frequência inferior a 75% das observações.
A CCS do leite foi usada como um indicador da qualidade do leite e de sanidade da glândula mamária. Análises individuais de CCS foram realizadas dois dias após as avaliações de higiene. As amostras de leite foram coletadas uma vez ao mês de todas as vacas em lactação durante o período do estudo.
Os resultados desse trabalho indicaram relação entre os escores de higiene e os meses compreendidos no período estudado (Figura 2). Durante os meses de verão (janeiro-março) foi observada alta porcentagem de vacas S e MS. Este período corresponde a uma época de muita chuva, e consequentemente, acúmulo de barro. No entanto, um número considerável de vacas da Fazenda 1 permaneceu consistentemente limpo, mesmo durante este período, o que demonstra que algumas vacas possuem hábitos mais higiênicos (procuram lugares mais secos e limpos para deitar). Entretanto, se o ambiente for extremamente sujo e mal manejado, as vacas não terão outra opção senão deitarem-se nestes lugares, fato demonstrado pela ausência de vacas ML na Fazenda 2.
Figura 2 - Proporção de vacas em cada categoria de higiene durante os nove meses de estudo.

O grau de limpeza de diferentes regiões anatômicas pode fornecer informações úteis para identificação das causas dos problemas de higiene: pernas sujas resultam do acúmulo de barro e problemas no caminho ao qual as vacas percorrem; cauda suja pode estar relacionada ao acúmulo de fezes; flancos com acúmulo de sujeira indicam problemas com a cama ou local onde os animais se deitam; e tetos e úberes sujos resultam da combinação de todos estes fatores.
Quanto à relação entre o escore de higiene e CCS, os resultados demonstraram efeito de todas as áreas corporais avaliadas (Tabela 1). A possível explicação para esta associação é a reduzida exposição dos animais classificados como L e ML aos agentes ambientais. Outra possibilidade seria a ineficiência do pré e pós-dipping em tetos com excesso de matéria orgânica, o que resulta em aumento da incidência de mastite por agentes contagiosos.
Tabela 1 - Variação do escore de células somáticas (ECS*) em função do grau de limpeza das regiões anatômicas avaliadas.

A avaliação de escore de higiene nos procedimentos de manejo é uma prática eficiente e recomendada para a redução na CCS e risco de mastite. Manter uma porcentagem alta de vacas limpas requer inspeções e intervenções constantes no ambiente e instalações, o que pode intensificar a mão-de-obra, porém trazer benefícios à produção e qualidade do leite e bem-estar aos animais do rebanho.
Fonte
Sant'Anna, A. C. e Paranhos da Costa, M. J. R. Journal of Dairy Science Vol. 94: 3835-3844, No. 8, 2011.
*Tiago Tomazi é mestrando do Programa de Pós-Graduação em Nutrição e Produção Animal da FMVZ-USP (http://www2.fmvz.usp.br/nutricaoanimal/)