Os grupo dos coliformes (E. coli, Klebsiella, Enterobacter) é composto por microrganismos Gram-negativos, de origem ambiental, os quais apresentam uma estrutura similar da membrana da célula bacteriana. Uma das principais características da membrana celular dos microrganismos Gram-negativos é a presença de uma substância conhecida como lipopolissacarídeo (LPS), o qual contém na composição lipídeos e carboidratos, que atuam como uma toxina bacteriana. Além de atuar como toxina, a presença de LPS na membrana aumenta a resistência da bactéria à ação de alguns antibióticos, pois diminui a permeabilidade da membrana e reduz a entrada do antibiótico dentro da célula bacteriana. A presença da endotoxina LPS estimula a reação do sistema imune da vaca e, quando em altas concentrações, pode induzir a ocorrência de febre, aumento de batimentos cardíacos, insuficiência renal, choque séptico e resposta inflamatória sistêmica. Sendo assim, os dois principais fatores de virulência dos coliformes é a capacidade de produção de LPS e a velocidade de crescimento dentro da glândula mamária. Quanto maior a produção de LPS e quanto mais rápida for a multiplicação, mais grave são os sintomas observados.
A maioria dos coliformes apresenta alta capacidade de multiplicação, sendo que algumas cepas podem se multiplicar a cada 15 a 20 minutos. Esta característica é uma das razões que determina a rapidez de aparecimento dos sintomas, pois na maioria dos casos graves, os sintomas ocorrem dentro do prazo de algumas horas após o início da infecção intramamária.
Diferenças entre mastite causada por E. coli e Klebsiella spp.
Ainda que sejam microrganismos do mesmo grupo dos coliformes, E. coli e Klebsiella spp. apresentam características diferentes em relação aos prejuízos causados, epidemiologia e respostas ao tratamento.
Atualmente, um dos principais sistemas de classificação da gravidade de sintomas dos casos clínicos utiliza uma escala com 3 escores:
1) leve: no qual somente são observadas alterações visuais do leite (grumos, coágulos);
2) moderado: além das alterações do leite são observados sintomas no quarto afetado (inchaço e dor);
3) grave: além dos sintomas anteriores (escore 2), a vaca apresenta sintomas sistêmicos (febre, desidratação, prostração). Considerando-se este escore de gravidade, cerca de um terço dos casos de mastite por Klebisiella spp. é leve, um terço 3 é moderado e o outro terço é grave. Entre as principais diferenças encontradas, os casos clínicos de mastites causadas por Klebsiella spp. são de maior duração e, de forma geral, são mais graves do que os causadas por E. coli.
Diferentemente dos demais coliformes, alguns casos de mastite causada por Klebsiella spp. podem se tornar crônicos e durar vários meses durante a lactação. Este agente patogênico tem capacidade de penetrar em tecidos mais profundos da glândula mamária, o que pode causar perda significativa da produção de leite e cronificação da mastite. Conforme ilustrado na Figura 1, as perdas de produção causadas por Klebsiella spp. são mais longas do que as causadas por E. coli. Por exemplo, vacas com mastite causada por Klebsiella spp. têm perda de produção de cerca de 7,6 kg/vaca/dia, logo após o caso de mastite, mas podem manter perdas de até 5 kg/vaca/dia nos meses seguintes. Além disso, os riscos de descarte de uma vaca com Klebsiella spp. são maiores do que as causadas por E. coli.
Figura 1 – Efeito da ocorrência de um caso clínico de mastite causada por E. coli e a Klebsiella spp sobre a produção de leite, em comparação com vacas sadias. As perdas de produção da mastite causada por Klebsiella spp iniciam-se antes e são mantidas por mais tempo em comparação com mastite causada por E. coli. (Fonte: adaptado de Gröhn, et al. J Dairy Sci 2004:3358–74).
Reservatórios e fontes de transmissão
Os coliformes são considerados agentes oportunistas, causadores de mastite ambiental, pois a transmissão de uma nova infecção ocorre a partir de bactérias inicialmente presentes no ambiente. Os estudos iniciais indicavam que problemas de mastite causada por Klebsiella spp. estavam associados principalmente com uso de cama de serragem ou maravalha. No entanto, as pesquisas recentes indicam que o principal reservatório de Klebsiella spp. é o próprio ambiente que a vaca fica, sendo que quanto maior a contaminação da extremidade dos tetos (próximo ao canal do teto) por esterco, maior é o risco de novas infecções ambientais. A contaminação dos tetos ocorre principalmente a partir de esterco, lama, água contaminada, alimentos e material da cama. Isto indica que qualquer local que possa ter contaminação com esterco pode ser uma potencial fonte de contaminação para a glândula mamária.
No entanto, algumas cepas de Klebsiella spp. podem se tornar adaptadas ao ambiente da glândula mamária e apresentar um comportamento contagioso, o que significa que nestas situações, pode ocorrer a transmissão de uma vaca infectada para uma vaca sadia. Quando algumas cepas de Klebsiella spp. tornam-se mais adaptadas ao úbere, podem ocorrer surtos de mastite, pois a mesma bactéria se dissemina entre as vacas. Nestes casos, somente com a implantação de medidas de controle específicas para a mastite contagiosa, com a segregação das vacas positivas e o descarte de vacas com mastite crônica, pode-se obter o controle do surto.
Controle e tratamento
A identificação das principais fontes de contaminação de Klebsiella spp. no rebanho é uma das principais medidas de controle e prevenção de novos casos, sendo que o objetivo principal é reduzir a contaminação dos tetos. Dentre os principais locais com alto risco de novas infecções, a cama é um dos mais importantes. Cerca de 70% das vacas apresentam isolamento positivo de Klebsiella spp. nas fezes, o que indica que esta é uma das mais importantes fontes de contaminação da cama e da água. O principal mecanismo de contaminação ocorre pelo contato dos tetos com fezes, o que pode ocorre quando a vaca anda em locais com acúmulo de esterco, quando deita na cama contaminada, ou pelo contato das pernas e úbere com esterco. Sendo assim, o controle e prevenção de novos casos de mastite causada por Klebsiella spp. pode ser feito pela melhoria da higiene do ambiente (limpeza de cama, corredores, sala de espera e demais instalações) e boa desinfecção dos tetos antes da ordenha.
Além da limpeza e controle do ambiente para redução das novas infecções, outra medida de controle de mastite causada por coliformes é o uso de vacina a base de uma bacterina de E. coli (J5), cujo programa de vacinação recomenda 3 doses da vacina: na secagem, 30 dias após e no período pós-parto. Um dos principais benefícios da vacinação com J5 é a redução da gravidade dos sintomas de casos clínicos e a diminuição do risco de descarte e morte da vaca. Ainda que possa ser uma ferramenta de controle de mastite causada por coliformes, o uso de vacinação J5 apresenta menor eficácia contra Klebsiella spp. do que contra E. coli.
Os estudos sobre tratamento de mastite clínica causada por Klebsiella spp. indicam que os antibióticos apresentam eficácia limitada contra este microrganismo. Um destes estudos apresentou cura média de casos de mastite clínica leve causada por Klebsiella spp. de cerca de 37% após uma semana e de 47% após 36 dias de ocorrência do caso clínico. Para os casos de mastite grave, nos quais ocorre comprometimento da vaca e a ocorrência de sintomas sistêmicos, a istração de antibióticos injetáveis a base de cefalosporinas de 3a e 4a geração, enrofloxacina ou marbofloxacina aumentam a taxa de sobrevivência e redução o risco de descarte da vaca.