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Cultura microbiológica na fazenda: despesa ou investimento?

Realizar a cultura microbiológica na fazenda é uma despesa ou um investimento por parte do produtor? Descubra aqui!

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O uso excessivo de antibióticos na medicina humana, veterinária e na produção animal tem sido associado ao aumento da resistência bacteriana em âmbito mundial.

Na maioria das fazendas produtoras de leite, as decisões de tratamento de doenças infecciosas (p. ex., mastite) são feitas somente com base em sinais clínicos, mas sem o diagnóstico do agente causador. Essa situação leva ao uso excessivo de antibióticos, com consequente aumento dos riscos de resistência bacteriana, de descarte desnecessário de leite com resíduos e consequente aumento dos custos de produção. Outro fator agravante, é o o facilitado aos antibióticos, uma vez que são amplamente distribuídos e, na maioria das vezes comercializados sem obrigatoriedade de prescrição.

Considerando este cenário, a mastite é a doença que demanda a maior frequência de uso de antibióticos, principalmente da mastite clínica. No entanto, quando é feita a identificação do tipo de agente causador, o tratamento da mastite clínica com antibióticos pode não se necessário.

Estima-se que cerca de 50% dos casos de mastite clínica são autolimitantes, ou seja, resolvem-se pela ação do sistema imune da vaca sem a necessidade de tratamento adicional com antibióticos. Desta forma, o uso de sistemas de cultura na fazenda pode auxiliar na redução do uso de antibióticos desnecessários e consequentemente, os custos de produção.

Para isso, um dos pontos essenciais a serem considerados é a necessidade de diagnóstico da gravidade da mastite clínica (leve, moderada, grave) e da identificação do agente causador.

A principal ferramenta para identificação dos agentes causadores de mastite é conhecida como cultura microbiológica na fazenda (CMF; do termo em inglês On-farm culture), cujos resultados que podem ser obtidos em cerca de 24hs e permitem a tomada de decisões para o uso racional de antibióticos para o tratamento de mastite clínica. Esta metodologia baseia-se no cultivo microbiológico de amostras de leite coletadas na própria fazenda, com a identificação presuntiva dos agentes causadores de mastite clínica em até 24 horas.

Por se tratar de uma ferramenta em expansão no Brasil, um estudo foi desenvolvido no meio-oeste do estado de Santa Catarina com intuito de promover a capacitação técnica de produtores de leite e auxiliar na implementação e avaliação da CMF como recurso voltado para o uso racional de antibióticos no tratamento da mastite.

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Para isso, três rebanhos leiteiros foram selecionados, os quais participaram de treinamentos para capacitação sobre uso da CMF e conscientização da importância do uso racional de antibióticos. Após identificação dos casos de mastite clínica e as coletas das amostras dos quartos mamários acometidos, na própria fazenda o leite foi inoculado em placas bipartidas contendo ágar sangue suplementado com 5% de sangue bovino e ágar MacConkey. Com este tipo de meio de cultura é possível identificar dois grupos de bactérias: Gram-positivas e Gram-negativas.

Vacas com isolamento de bactérias Gram-positivas receberam tratamento com antimicrobiano de acordo com o protocolo de tratamento de cada rebanho. Por outro lado, vacas sem isolamento (sem crescimento bacteriano na amostra de leite) e com identificação de bactérias Gram-negativas (mastite grau 1 e 2) não foram tratadas, sendo recomendado o descarte do leite dos quartos mamários acometidos por 3-5 dias.

Em casos de mastite grau 3 (sinais sistêmicos) as vacas foram imediatamente tratadas, com antibióticos associados a anti-inflamatórios e fluidoterapia, se necessário. Por fim, informações relacionadas aos protocolos e custos dos tratamentos, produção de leite (L/vaca/dia) e preço recebido por litro de leite comercializado foram registradas para avaliar o impacto econômico do uso da CMF e da redução do uso de antibióticos decorrente do tratamento seletivo de mastite clínica.

Os resultados do estudo mostraram rápida aceitação da CMF pelos produtores e apenas dois treinamentos foram suficientes para capacitação em relação ao uso da tecnologia.

Do total de amostras cultivadas nas fazendas aproximadamente 50% apresentaram cultura negativa (ausência de crescimento microbiano) ou isolamento de bactérias Gram-negativas e, de acordo com o protocolo recomendado, estas vacas não foram tratadas. Assim, com a implantação da CMF houve redução de 45,8 – 52,0% do uso de antibióticos nos rebanhos avaliados.

Se considerarmos apenas o montante de antibióticos que deixou de ser utilizado, os rebanhos tiveram uma economia de R$ ≥ 1.500,00 durante o período de estudo (Tabela 1). Esse número é ainda maior, representando uma economia de R$ ≥ 12.000,00, se considerarmos o leite que deixou de ser descartado devido ao tratamento seletivo dos casos de MC. 

O custo inicial de instalação da CMF variou de R$ 5.000,00 – 7.000,00 (Tabela 1). No entanto, apesar do investimento inicial, o superávit foi superior a R$ 10.000,00 para os três rebanhos durante o período de avaliação. A redução de custos obtida em poucos meses devido à redução no uso de antibióticos e a ausência da necessidade de descarte do leite, conforme demonstrado, permitiu o retorno do investimento na cultura na fazenda.

Tabela 1. Resultados descritivos das características dos rebanhos leiteiros e dos indicadores econômicos avaliados em três rebanhos leiteiros do meio-oeste do estado de Santa Catarina, Brasil.

Figura 1
1Foi considerado tratamento com três bisnagas de intramamário a base de cloridrato de ceftiofur, com período de carência de 7 dias (Fazendas 1 e 2; R$ 16,67/bisnaga), e a base de cloridrato de tetraciclina, neomicina e bacitracina, com período de carência de 9 dias (Fazenda 3; R$ 25,00/bisnaga). O preço médio por litro de leite comercializado nas três fazendas foi de R$ 1,50.
2Foi considerado valor médio de R$ 34,00 por amostra de leite para análise em laboratórios privados

 

Vale ressaltar, que além destes meios de cultura a base de ágar sangue e MacConkey, existem outros tipos de meios disponíveis no mercado e que podem ser utilizados na CMF visando maior especificidade na caracterização dos patógenos causadores de mastite.

Neste caso, podemos destacar meios de cultura cromogênicos que permitem identificar presuntivamente em nível de gênero e espécie os principais patógenos causadores de mastite em rebanhos leiteiros.

Os resultados deste estudo indicam que a CMF é uma tecnologia economicamente viável para produtores e que pode ser como ferramenta para o controle estratégico da mastite o uso mais racional e responsável de antibióticos na produção leiteira.

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Leia também: 

Referências

AUER et al. Ciência Rural, 2022. doi.org/10.1590/0103-8478cr20200893.

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Material escrito por:

Marcos Veiga Santos

Marcos Veiga Santos

Professor Associado da FMVZ-USP Qualileite/FMVZ-USP Laboratório de Pesquisa em Qualidade do Leite Endereço: Rua Duque de Caxias Norte, 225 Departamento de Nutrição e Produção Animal-VNP Pirassununga-SP 13635-900 19 3565 4260

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ESMERALDA MENEZES VIEIRA
ESMERALDA MENEZES VIEIRA

SALVADOR - BAHIA - PRODUÇÃO DE LEITE

EM 24/02/2022

Muito interessante e esclarecedor esse artigo, a capacitação dos colaboradores é imprescindível para que o investimento seja eficaz
Marcos Veiga Santos
MARCOS VEIGA SANTOS

PIRASSUNUNGA - SÃO PAULO - PESQUISA/ENSINO

EM 28/02/2022

Obrigado pelo comentário, Esmeraldo
Joedson Silva Scherrer
JOEDSON SILVA SCHERRER

CACHOEIRO DE ITAPEMIRIM - ESPÍRITO SANTO - PROFISSIONAIS DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

EM 24/02/2022

Artigo bastante interessante e esclarecedor. Chegou o momento do Produtor de Leite usar do bom senso e restringir, dentro do possível, a utilização, sem nenhum critério de Antibiótico.
O custo operacional desta prática tem alcançado valores exorbitantes (Medicamento, Descarte de Leite), além de outros problemas ocasionados pelo uso indiscriminado destes produtos.

Prabéns pelo artigo.
Marcos Veiga Santos
MARCOS VEIGA SANTOS

PIRASSUNUNGA - SÃO PAULO - PESQUISA/ENSINO

EM 28/02/2022

Obrigado pelo comentário, Joedson
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Cultura microbiológica na fazenda: despesa ou investimento?

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O uso excessivo de antibióticos na medicina humana, veterinária e na produção animal tem sido associado ao aumento da resistência bacteriana em âmbito mundial.

Na maioria das fazendas produtoras de leite, as decisões de tratamento de doenças infecciosas (p. ex., mastite) são feitas somente com base em sinais clínicos, mas sem o diagnóstico do agente causador. Essa situação leva ao uso excessivo de antibióticos, com consequente aumento dos riscos de resistência bacteriana, de descarte desnecessário de leite com resíduos e consequente aumento dos custos de produção. Outro fator agravante, é o o facilitado aos antibióticos, uma vez que são amplamente distribuídos e, na maioria das vezes comercializados sem obrigatoriedade de prescrição.

Considerando este cenário, a mastite é a doença que demanda a maior frequência de uso de antibióticos, principalmente da mastite clínica. No entanto, quando é feita a identificação do tipo de agente causador, o tratamento da mastite clínica com antibióticos pode não se necessário.

Estima-se que cerca de 50% dos casos de mastite clínica são autolimitantes, ou seja, resolvem-se pela ação do sistema imune da vaca sem a necessidade de tratamento adicional com antibióticos. Desta forma, o uso de sistemas de cultura na fazenda pode auxiliar na redução do uso de antibióticos desnecessários e consequentemente, os custos de produção.

Para isso, um dos pontos essenciais a serem considerados é a necessidade de diagnóstico da gravidade da mastite clínica (leve, moderada, grave) e da identificação do agente causador.

A principal ferramenta para identificação dos agentes causadores de mastite é conhecida como cultura microbiológica na fazenda (CMF; do termo em inglês On-farm culture), cujos resultados que podem ser obtidos em cerca de 24hs e permitem a tomada de decisões para o uso racional de antibióticos para o tratamento de mastite clínica. Esta metodologia baseia-se no cultivo microbiológico de amostras de leite coletadas na própria fazenda, com a identificação presuntiva dos agentes causadores de mastite clínica em até 24 horas.

Por se tratar de uma ferramenta em expansão no Brasil, um estudo foi desenvolvido no meio-oeste do estado de Santa Catarina com intuito de promover a capacitação técnica de produtores de leite e auxiliar na implementação e avaliação da CMF como recurso voltado para o uso racional de antibióticos no tratamento da mastite.

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Para isso, três rebanhos leiteiros foram selecionados, os quais participaram de treinamentos para capacitação sobre uso da CMF e conscientização da importância do uso racional de antibióticos. Após identificação dos casos de mastite clínica e as coletas das amostras dos quartos mamários acometidos, na própria fazenda o leite foi inoculado em placas bipartidas contendo ágar sangue suplementado com 5% de sangue bovino e ágar MacConkey. Com este tipo de meio de cultura é possível identificar dois grupos de bactérias: Gram-positivas e Gram-negativas.

Vacas com isolamento de bactérias Gram-positivas receberam tratamento com antimicrobiano de acordo com o protocolo de tratamento de cada rebanho. Por outro lado, vacas sem isolamento (sem crescimento bacteriano na amostra de leite) e com identificação de bactérias Gram-negativas (mastite grau 1 e 2) não foram tratadas, sendo recomendado o descarte do leite dos quartos mamários acometidos por 3-5 dias.

Em casos de mastite grau 3 (sinais sistêmicos) as vacas foram imediatamente tratadas, com antibióticos associados a anti-inflamatórios e fluidoterapia, se necessário. Por fim, informações relacionadas aos protocolos e custos dos tratamentos, produção de leite (L/vaca/dia) e preço recebido por litro de leite comercializado foram registradas para avaliar o impacto econômico do uso da CMF e da redução do uso de antibióticos decorrente do tratamento seletivo de mastite clínica.

Os resultados do estudo mostraram rápida aceitação da CMF pelos produtores e apenas dois treinamentos foram suficientes para capacitação em relação ao uso da tecnologia.

Do total de amostras cultivadas nas fazendas aproximadamente 50% apresentaram cultura negativa (ausência de crescimento microbiano) ou isolamento de bactérias Gram-negativas e, de acordo com o protocolo recomendado, estas vacas não foram tratadas. Assim, com a implantação da CMF houve redução de 45,8 – 52,0% do uso de antibióticos nos rebanhos avaliados.

Se considerarmos apenas o montante de antibióticos que deixou de ser utilizado, os rebanhos tiveram uma economia de R$ ≥ 1.500,00 durante o período de estudo (Tabela 1). Esse número é ainda maior, representando uma economia de R$ ≥ 12.000,00, se considerarmos o leite que deixou de ser descartado devido ao tratamento seletivo dos casos de MC. 

O custo inicial de instalação da CMF variou de R$ 5.000,00 – 7.000,00 (Tabela 1). No entanto, apesar do investimento inicial, o superávit foi superior a R$ 10.000,00 para os três rebanhos durante o período de avaliação. A redução de custos obtida em poucos meses devido à redução no uso de antibióticos e a ausência da necessidade de descarte do leite, conforme demonstrado, permitiu o retorno do investimento na cultura na fazenda.

Tabela 1. Resultados descritivos das características dos rebanhos leiteiros e dos indicadores econômicos avaliados em três rebanhos leiteiros do meio-oeste do estado de Santa Catarina, Brasil.

Figura 1
1Foi considerado tratamento com três bisnagas de intramamário a base de cloridrato de ceftiofur, com período de carência de 7 dias (Fazendas 1 e 2; R$ 16,67/bisnaga), e a base de cloridrato de tetraciclina, neomicina e bacitracina, com período de carência de 9 dias (Fazenda 3; R$ 25,00/bisnaga). O preço médio por litro de leite comercializado nas três fazendas foi de R$ 1,50.
2Foi considerado valor médio de R$ 34,00 por amostra de leite para análise em laboratórios privados

 

Vale ressaltar, que além destes meios de cultura a base de ágar sangue e MacConkey, existem outros tipos de meios disponíveis no mercado e que podem ser utilizados na CMF visando maior especificidade na caracterização dos patógenos causadores de mastite.

Neste caso, podemos destacar meios de cultura cromogênicos que permitem identificar presuntivamente em nível de gênero e espécie os principais patógenos causadores de mastite em rebanhos leiteiros.

Os resultados deste estudo indicam que a CMF é uma tecnologia economicamente viável para produtores e que pode ser como ferramenta para o controle estratégico da mastite o uso mais racional e responsável de antibióticos na produção leiteira.

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Referências

AUER et al. Ciência Rural, 2022. doi.org/10.1590/0103-8478cr20200893.

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Marcos Veiga Santos

Marcos Veiga Santos

Professor Associado da FMVZ-USP Qualileite/FMVZ-USP Laboratório de Pesquisa em Qualidade do Leite Endereço: Rua Duque de Caxias Norte, 225 Departamento de Nutrição e Produção Animal-VNP Pirassununga-SP 13635-900 19 3565 4260

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ESMERALDA MENEZES VIEIRA
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SALVADOR - BAHIA - PRODUÇÃO DE LEITE

EM 24/02/2022

Muito interessante e esclarecedor esse artigo, a capacitação dos colaboradores é imprescindível para que o investimento seja eficaz
Marcos Veiga Santos
MARCOS VEIGA SANTOS

PIRASSUNUNGA - SÃO PAULO - PESQUISA/ENSINO

EM 28/02/2022

Obrigado pelo comentário, Esmeraldo
Joedson Silva Scherrer
JOEDSON SILVA SCHERRER

CACHOEIRO DE ITAPEMIRIM - ESPÍRITO SANTO - PROFISSIONAIS DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

EM 24/02/2022

Artigo bastante interessante e esclarecedor. Chegou o momento do Produtor de Leite usar do bom senso e restringir, dentro do possível, a utilização, sem nenhum critério de Antibiótico.
O custo operacional desta prática tem alcançado valores exorbitantes (Medicamento, Descarte de Leite), além de outros problemas ocasionados pelo uso indiscriminado destes produtos.

Prabéns pelo artigo.
Marcos Veiga Santos
MARCOS VEIGA SANTOS

PIRASSUNUNGA - SÃO PAULO - PESQUISA/ENSINO

EM 28/02/2022

Obrigado pelo comentário, Joedson
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