Marcos Veiga dos Santos
A ordenha é a atividade que mais demanda mão de obra em sistemas de produção de leite, pois é responsável por 33-57% da mão de obra empregada em uma fazenda leiteira. Atualmente, observa-se aumento do número de vacas em lactação por rebanho, o que aumenta a necessidade de mão de obra qualificada e maior tempo de ordenha. Com o objetivo de otimizar o tempo de extração de leite, muitas vezes os produtores instalam unidades de ordenha adicionais. No entanto, nos sistemas de ordenha sem extratores automáticos de teteiras e que o número de conjuntos de ordenha ultraa o potencial de trabalho dos ordenhadores, aumenta-se o risco ocorrer a sobreordenha. Esta falha de manejo é caracterizada pela permanência do conjunto de ordenha em fase de extração após o término do fluxo de leite.
Em sistemas de produção de leite baseados em pastejo, com estações de produção sazonais, típicos da Nova Zelândia, a produção total de leite do rebanho vai reduzindo com o avanço da estação produtiva. A redução de volume de leite produzido/vaca resulta em menor tempo de ordenha das vacas, enquanto a rotina de trabalho por unidade de ordenha permanece constante. Esta falha de manejo também predispõe a sobreordenha, principalmente em vacas em estágio final de lactação.
Os efeitos negativos da sobreordenha incluem aumento da contagem de células somáticas (CCS), e aumento da predisposição de lesões nos tetos, as quais prejudicam a função natural do canal e esfíncter do teto. Estas estruturas formam a barreira física que protege o ambiente interno da glândula mamária contra a invasão de microrganismos presentes no ambiente externo. Lesões crônicas nessa região podem causar hiperqueratose (Figura 1), a qual predispõe a colonização e entrada de patógenos causadores de mastite na glândula mamária. Além disso, a sobreordenha pode facilitar a transferência de microrganismos causadores de mastite de quartos infectados para quartos sadios durante o período de baixo fluxo de extração de leite, o que também pode aumentar a incidência de mastite.
Um estudo recente realizado na Nova Zelândia buscou determinar o efeito de diferentes tempos de sobreordenha sobre a ocorrência de hiperqueratose, produção de leite, CCS e incidência de mastite clínica de vacas no terço final de lactação. Durante seis semanas, 181 vacas de dois rebanhos foram distribuídas em quatro grupos de acordo com o tempo de sobreordenha: controle – remoção automática do conjunto de ordenha após o fluxo de leite ter atingido 0,2 Kg/min; 2 minutos – remoção manual do conjunto de ordenha dois minutos após o fluxo de leite ter atingido 0,2 Kg/min; 5 minutos – remoção manual do conjunto de ordenha cinco minutos após o fluxo de leite ter atingido 0,2 Kg/min; 5 minutos– remoção manual do conjunto de ordenha nove minutos após o fluxo de leite ter atingido 0,2 Kg/min.
O grau de hiperqueratose dos esfíncteres dos tetos foi avaliado com o uso de uma escala de 1 a 4, sendo a hiperqueratose de grau 1 caracterizada por tetos com esfíncteres completamente saudáveis e íntegros; e a hiperqueratose de grau 4 caracterizada por tetos com esfíncteres lesionados, abertos e extremamente rugosos (Figura 1). A produção de leite, duração da ordenha e taxa de fluxo máximo de leite foram avaliados por sistemas computadorizados do próprio equipamento de ordenha da fazenda. Amostras de leite semanais foram coletadas para avaliação da CCS. Vacas com mastite clínica foram identificadas antes da ordenha e tratadas conforme protocolo terapêutico da fazenda.
Figura 1 – Esfíncter de um teto sadio (A) e outro com hiperqueratose grave de grau 4 (B). Imagens: Marina E. D. A. Migliano.
Os resultados do estudo demonstraram que vacas com maior tempo de sobreordenha apresentaram aumento no escore de hiperqueratose (Tabela 1). As principais alterações foram observadas no período de início até a terceira semana do período experimental. Com exceção da quinta semana, a média de escore de hiperqueratose de esfíncter de tetos das vacas do com 2 minutos de sobreordenha foi similar à média observada para as vacas do grupo controle (não submetido à sobreordenha). Ao término das seis semanas do período experimental, o escore de hiperqueratose das vacas com 5 minutos de sobreordenha foi maior que o observado nas vacas do grupo com 2 minutos de sobreordenha. Da mesma forma, o grau de hiperqueratose das vascas com 9 minutos de sobreordenha foi maior que o observado para as vacas com 2 e 5 minutos de sobreordenha (Tabela 1).
Tabela 1 – Efeito dos tempos de sobreordenha sobre a porcentagem de tetos com escore grave de hiperqueratose de esfíncter (grau 4).
A produção e composição do leite não foram afetadas pelos tempos de sobreordenha avaliados no estudo. A média de CCS também não diferiu entre os grupos avaliados, e apenas uma vaca com 5 minutos de sobreordenha apresentou mastite clínica durante o experimento.
Os resultados deste estudo podem ter importantes implicações no manejo de ordenha de rebanhos leiteiros. Por exemplo, o efeito da sobreordenha sobre a hiperqueratose de esfíncter de teto é rápido, com alterações que podem ser detectadas já em três semanas de falha de manejo, apesar de um período maior ser necessário para que as lesões atinjam níveis mais graves. Períodos de sobreordenha superiores a dois minutos ocorrem com frequência em rebanhos que não dispõem de extratores automáticos de teteiras. Assim, para que alterações na integridade dos tetos das vacas sejam minimizadas, deve-se atentar para o dimensionamento das salas de ordenha e o treinamento de mão de obra.
Antes de construir uma sala de ordenha, e assim, garantir a utilização máxima dos conjuntos de ordenha com o mínimo de tempo ocioso do ordenhador, o número ideal de unidades deve ser determinado com base em um planejamento antecipado da duração de ordenha e do tempo de rotina de trabalho do(s) ordenhador(s). Em instalações já construídas, para que o tempo máximo de sobreordenha seja de no máximo dois minutos, também é necessário adequar a duração do tempo de ordenha com a rotina de trabalho do ordenhador. Por fim, ações como o treinamento de mão de obra, a instalação de extratores automáticos de teteiras e a adequação do número de conjuntos de ordenha conforme a capacidade de trabalho do ordenhador são práticas que podem auxiliar na manutenção da integridade dos tetos e da sanidade da glândula mamária do rebanho.
Fonte: Edwards et al. (2013). Journal of Dairy Research. 80:344–348.
*Doutorando do Programa de Pós-graduação em Nutrição e Produção Animal, FMVZ-USP.