Nos rebanhos leiteiros, dentre as diversas doenças infecciosas que levam ao uso de antibióticos; destaca-se a mastite clínica. A mastite é o processo inflamatório da glândula mamária, geralmente causada por bactérias, e pode ser classificada como clínica ou subclínica, de acordo com a apresentação de sintomas visíveis da inflamação. A mastite clínica é caracterizada pelo aparecimento de sintomas (leves, moderados ou graves) e, de acordo com a gravidade e a bactéria causadora, o tratamento deve ser realizado.
A principal via de istração de antibióticos utilizada para tratamento da mastite é a intramamária (IMM), mas o tratamento intramuscular (IM) também pode ser uma opção. As vantagens da via IMM são a maior concentração do medicamento no quarto e a menor quantidade utilizada, em relação ao uso IM. Entretanto, quando é feita a istração IMM, há risco de contaminação durante a aplicação e também maior dificuldade de distribuição do antibiótico pela glândula mamária. Nesses aspectos, o tratamento IM é mais vantajoso.
Para a definição de um tratamento mais específico, é recomendada a identificação das bactérias causadoras mais frequentes no rebanho. Se a bactéria causadora for sensível aos antibióticos de primeira linha e de ação mais restrita, como a benzilpenicilina, estes medicamentos podem ser utilizados. Essa medida proporciona um tratamento mais eficaz e auxilia a prevenção da resistência bacteriana. Entretanto, na maioria dos países, nos tratamentos contra a mastite são utilizadas associações entre diversas substâncias ou antibióticos de amplo-espectro.
Nos países nórdicos, o tratamento de escolha contra a mastite clínica causada por bactérias gram-positivas é a benzilpenicilina, pela via parenteral. Para avaliar qual a melhor via de uso deste medicamento contra bactérias gram-positivas causadoras de mastite, pesquisadores da Estônia e da Finlândia realizaram um estudo de comparação entre as vias de aplicações intramuscular e intramamária.
Para a realização deste estudo, foram utilizadas 140 vacas, provenientes de quatro rebanhos leiteiros. Como critérios de seleção, estas vacas deveriam ter apenas um teto acometido por mastite clínica (causada por bactérias gram-positivas sensíveis a penicilina) e não poderiam apresentar casos crônicos da doença. Os sintomas clínicos foram classificados como leves (alterações no leite), moderados (alterações no leite e no teto) ou graves (alterações locais e sistêmicas).
As amostras de leite foram coletadas assepticamente e submetidas à cultura microbiológica nas próprias fazendas. Posteriormente, foi feito o diagnóstico confirmatório pelo RT - PCR (Reação em Cadeia Polimerase em Tempo Real), técnica que permite a identificação de microrganismos através da amplificação de determinadas regiões do DNA. A determinação da atividade da NAGase ( N – acetil – β – D – glicosaminidase: enzima presente nos processos inflamatórios) do leite também foi realizada.
As vacas foram distribuídas em dois grupos de tratamento. Em um grupo, 61 vacas foram tratadas com benzilpenicilina procaína (20 mg/ kg) pela via intramuscular; no outro grupo, 79 vacas foram tratadas pela via intramamária (600 mg). Ambos os tratamentos foram realizados uma vez ao dia, durante cinco dias e os resultados foram avaliados por critérios clínicos, inflamatórios e bacteriológicos, entre três e quatro semanas após o início do tratamento.
Assim, as vacas foram consideradas clinicamente curadas se o quarto afetado não apresentasse sinais de alterações. A cura bacteriológica foi considerada quando as espécies bacterianas diagnosticadas antes do tratamento não foram isoladas nas amostras de leite obtidas após o tratamento. Já a reação inflamatória foi avaliada pela comparação da atividade da NAGase antes e após o tratamento. A análise de CCS composta foi realizada uma vez ao mês, por três meses após o tratamento.
Das 140 vacas, 83 (59,2%) apresentaram casos leves de mastite, 55 (39,2%) casos moderados e duas (1,4%) apresentaram casos graves. A distribuição das bactérias identificadas pelo exame microbiológico não diferiu significativamente entre os dois grupos de tratamento, e a espécie bacteriana mais frequente foi Streptococcus uberis, seguido de outras espécies de Streptococcus, conforme Tabela 1. Um dos principais resultados do estudo foi que não houve de cura clínica ou bacteriológica em relação ao tipo de via de istração do tratamento. A taxa média de cura clínica variou de 75 a 81%, enquanto que a taxa de cura bacteriológica variou de 54 a 56% (Tabela 1).
Quanto à resposta inflamatória após o tratamento, avaliada pela atividade da NAGase, também não houve diferença entre os dois grupos, mas foi significativamente menor nos tetos com cura clínica ou bacteriológica do que nos tetos não curados, o que indica redução do processo inflamatório. Da mesma forma, também não foram encontradas diferenças de CCS em relação à via de aplicação.
Em resumo, os resultados da aplicação de benzilpenicilina pela via intramuscular ou intramamária foram semelhantes em relação a taxa de cura da mastite. Contudo, o tratamento intramamário pode ser utilizado na rotina contra casos de mastite clínica causada por Streptococcus spp, que foram as bactérias mais prevalentes neste estudo, uma vez que este grupo de bactérias não penetram no tecido da glândula mamária e sim fica localizado principalmente nas cisternas do teto, da glândula e no leite. Desta forma, não haveria benefícios do tratamento intramuscular, pois esta via de aplicação é mais demanda maior quantidade do medicamento a ser utilizado.
Fonte: Kalmus et al. (2014). Journal of Dairy Science, 97: 2155-2164, 2014.
* Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Nutrição e Produção Animal, FMVZ-USP.