O estresse térmico traz inúmeros prejuízos econômicos para o sistema, sendo a queda na produção de leite o de maior impacto, mas também problemas de reprodução, sanidade e piora na qualidade do leite. A redução da produção de leite é geralmente atribuida à concomitante queda no consumo de matéria seca (CMS), mas outras alterações no metabolismo do animal também têm papel fundamental no impacto global do estresse térmico. Existe um modelo experimental que permite diferenciar as causas diretas (CMS) das indiretas (alterações metabólicas) da queda na produção de leite. As vacas são pareadas e em cada par, uma das vacas é exposta ao estresse térmico enquanto a outra permanece em condições de conforto. Conforme a vaca sob estresse reduz o CMS, a oferta de alimento para a outra vaca do par também é reduzida na mesma proporção, de modo a manter sempre as duas vacas com o mesmo CMS (esse delineamento é conhecido como “pair-feeding”). Dessa forma, a queda na produção de leite decorrente exclusivamente do consumo será observada na vaca que está em conforto térmico, e a diferença na redução da produção entre as duas vacas indicará efeitos do estresse térmico relacionados ao metabolismo do animal.
A Figura 1 ilustra a produção de leite de um experimento feito sob esse modelo de “pair-feeding” (Rhoads et al., 2009). A linha sólida representa as vacas que estavam sob conforto térmico, mas tiveram a oferta de alimento restrita para igualar o CMS com o do outro grupo (“underfed”). A linha pontilhada representa o grupo de vacas sob estresse térmico (“heat stressed”).
Figura 1. Efeitos do estress térmico (“heat stressed”) e da restrição alimentar em conforto térmico (“underfed”) na produção de leite de vacas Holandesas (Rhoads et al., 2009)
Como é possível visualizar claramente no gráfico, o estresse térmico reduziu muito mais a produção de leite do que apenas a queda no CMS. Na média dos 9 dias, a produção de leite das vacas em restrição alimentar e conforto térmico caiu 21%, enquanto das vacas em estresse térmico, essa queda foi de 40%. Esses dados mostram que o a redução no CMS foi responsável por apenas 50% da queda na produção de leite.
Alterações no metabolismo
Com a redução do CMS durante estresse térmico, as vacas entram em balanço energético negativo (BEN), ou seja, a quantidade de energia utilizada para manutenção e produção de leite é maior do que a quantidade de energia consumida na dieta. Outra situação bastante comum em que as vacas entram em BEN é no início da lactação, quando a produção de leite aumenta mais rapidamente do que o CMS. No entanto, diferente do que ocorre no início da lactação, vacas sob estresse térmico não apresentam aumento de ácidos graxos não esterificados (AGNE) no sangue. Esse aumento de AGNE é um indicativo de que as vacas estão mobilizando gordura corporal para completar a demanda energética que não é satisfeita apenas pela dieta.
O motivo pelo qual o estresse térmico não eleva os níveis sanguíneos de AGNE não são completamente entendidos, mas os dados disponíveis até o momento mostram claramente que há uma alteração no metabolismo pós-absortivo de lipídios e carboidratos em vacas sob estresse térmico. Uma possível explicação é que no início da lactação, tanto o nível de insulina no sangue quanto a sensibilidade dos tecidos à insulina são reduzidos, estimulando a mobilização de gordura corporal e elevação dos níveis de AGNE. Vacas em estresse térmico apresentam nível de insulina no sangue elevado, o que pode ser o motivo pelo qual a mobilização de gordura corporal não ocorre e a utilização de glicose pelos tecidos muscular e adiposo aumenta.
Isso pode ser um mecanismo de proteção do organismo do animal para evitar produção de calor decorrente da mobilização de gordura corporal. O problema é que, com o aumento do uso de glicose pelos outros tecidos (principalmente muscular), a glândula mamária tem menos glicose disponível para sintetizar lactose, principal componente determinante do volume de leite produzido. Essa pode ser a principal causa secundária da queda de produção de leite devido ao estresse térmico, após a redução do CMS.
Estratégias para minimizar os impactos negativos do estresse térmico
A climatização das instalações é a principal estratégia de manejo visando melhorar o conforto animal, incluindo áreas de sombra em sistemas de pastejo e aspersores e ventiladores em estábulos. As técnicas de climatização utilizadas em free-stall foram discutidas em outro artigo do radar técnico Sistemas de Produção (clique aqui para ler).
Além do manejo das instalações, estratégias nutricionais têm potencial de auxiliar na melhoria do conforto térmico do animal e/ou minimizar a queda no consumo de nutrientes. Isso porque quando os alimentos são digeridos e os nutrientes metabolizados, existe uma produção de calor decorrente desses processos, chamada de incremento calórico. O incremento calórico varia de acordo com o ingrediente da dieta, devido em grande parte aos produtos finais da digestão e à eficiência de uso dos nutrientes. Por exemplo, a digestão de fibra resulta em maior incremento calórico do que a digestão de gordura ou carboidratos não fibrosos (CNF). Parte dessa diferença se deve ao fato de que o acetato, principal produto da digestão da fibra, é utilizado com menor eficiência do que o propionato, produto da digestão de CNF.
Dessa forma, é possível escolher ingredientes que aumentem a densidade energética da dieta (por exemplo, menor proporção volumoso:concentrado, maior participação de gordura) e que proporcionem menor incremento calórico. A maior densidade energética visa compensar o menor CMS de forma a reduzir o impacto no consumo de nutrientes. O menor incremento calórico diminui a produção basal de calor e, consequentemente, a temperatura corporal. Nos parágrafos seguintes, serão discutidos os principais componentes da dieta e como a manipulação de cada um deles poderia reduzir os impactos negativos do estresse térmico na produção de leite.
Fibra
Reduzir o teor de fibra em dietas no período de calor faz sentido, pois possibilita a inclusão de alimentos com maior densidade energética e menor incremento calórico, como CNF e gordura. No entanto, fibra é essencial para manutenção de um rúmen saudável e isso é especialmente importante durante o estresse térmico. Vacas em estresse térmico são mais susceptíveis à acidose ruminal e muitos dos problemas normalmete detectados no verão, como laminite e baixo teor de gordura no leite, podem ser consequência do baixo pH do rúmen durante esse período.
O que acontece é que com o calor, as vacas aumentam a taxa respiratória (hiperventilação) e, com isso, a liberação de gás carbônico. O organismo precisa manter uma proporção constante entre gás carbônico e bicarbonato, então, com a redução do gás no sangue, bicarbonato é excretado na urina para manter o equilíbrio entre os dois. O problema é que o bicarbonato é o principal agente tamponante presente na saliva e sua reduzida diponibilidade reduz a capacidade da saliva de manter o pH do rúmen perto da neutralidade. A produção de saliva também é reduzida devido ao menor CMS e menor tempo dedicado à ruminação, já que as vacas am mais tempo hiperventilando. Além disso, é muito comum observar vacas babando quando estão sentindo muito calor, o que também diminui a disponibilidade de saliva para o rúmen.
Por isso, deve se tomar muito cuidado ao reduzir o teor de fibra da dieta de vacas sob estresse térmico. Recomendações atuais do NRC (2001) determinam que o conteúdo mínimo de FDN da dieta deve ser 25% da matéria seca (MS), sendo 75% do FDN total (19% MS) proveniente de forragem. Um experimento foi conduzido na Tailândia em uma situação de estresse térmico similar a de alguns lugares no Brasil (Kanjanapruthipong et al., 2010). As temperaturas variaram de 26 a 37ºC e a umidade relativa de 48 a 95%. As vacas foram mantidas em estábulos recebendo silagem de capim Penisetum (mesmo genero do capim elefante) e concentrado na forma de ração total. Após o parto, as vacas receberam dieta com 23% FDN, sendo 12.7% proveniente de forragem. Apesar de não terem testado outros níveis de FDN (esse não era o objetivo do estudo), os autores especularam que esses teores foram suficientes para fornecer a quantidade necessária de fibra efetiva, já que os teores de gordura no leite estavam dentro da faixa normalmente observada e não foram detectados sintomas de acidose ruminal.
Proteína
Ainda não existe nenhuma recomendação prática ou mesmo um fundamento teórico sobre como manipular o teor de proteína da dieta para reduzir o estresse térmico. Aumentar o teor de PB da dieta faria sentido para tentar manter a quantidade de proteína ingerida com menor quantidade de alimento. No entanto, alguns estudos mostram efeitos negativos dessa estratégia, principalmente se o acréscimo de proteína for na forma de proteína degradável no rúmen.
Uma possível explicação para isso é que durante períodos quentes, por causa da redução de consumo e tempo de ruminação, a motilidade ruminal e a taxa de agem também diminuem. Isso aumenta o tempo que o alimento fica dentro do rumen e permite maior degradação da proteína. De fato, alguns estudos mostraram que o nível de uréia no sangue aumenta em vacas submetidas a estresse térmico, possivelmente decorrente da maior quantidade de amônia no rumen. O problema disso é que o excesso de amônia precisa ser convertido em uréia no fígado para ser excretado na urina, e esse processo utiliza energia que poderia ser utilizada para produção de leite. Não existem dados específicos sobre como o estresse térmico altera as exigências de proteína do animal.
Gordura
Aumentar o teor de gordura da dieta tem sido uma das estratégias mais difundidas para reduzir o estresse térmico durante o verão. Em teoria, substituir fibra por gordura faz todo sentido, uma vez que o incremento calórico de gordura é mais do que 50% menor do que o da maioria das forragens. No entanto, existem poucos estudos delineados especificamente para avaliar como a suplementação de gordura na dieta afeta a temperatura corporal e a maior parte dos trabalhos não observou nenhuma diferença em temperatura retal em horários específicos do dia. É possível que a redução na temperatura corporal seja pequena e difícil de detectar de forma pontual, mas que o acúmulo dessas diferenças tenham um impacto maior no longo prazo. No entanto, para avaliar isso seria necessário o uso de termômetros de medição contínua que ficam constantemente no animal.
De qualquer forma, mesmo se não houver efeitos na temperatura corporal, a suplementação com gordura tem o benefício de aumentar a densidade energética da dieta, reduzindo o impacto nutricional da queda no CMS. No entanto, a queda na produção de leite não é totalmente evitada, uma vez que, como foi discutido anteriormente, o CMS não é o único fator responsável pela redução na produção de leite no período quente. Ainda faltam evidências práticas de que a gordura efetivamente reduz a produção de calor metabólico e assim poderia minimizar as alterações metabólicas do estresse térmico.
Água e minerais
Além dos macronutrientes, água e minerais merecem atenção especial durante os períodos quentes do ano. Água é essencial para o equilírio térmico do organismo, o que aumenta a importância da sua disponibilidade e qualidade durante o estresse térmico. A manutenção e limpeza dos tanques de água, para evitar acúmulo de sujeira e algas, é uma estratégia simples e barata para ajudar as vacas a se manterem mais confortáveis. Em relação aos minerais, a exigência de potássio aumenta durante períodos de estresse térmico, uma vez que este é eliminado com o suor. Além disso, como sódio e magnésio competem com potássio na absorção intestinal, eles também devem ter seus níveis elevados na dieta.
Além dos já conhecidos impactos do estresse térmico na produção e composição do leite, na sanidade e na reprodução, estudos mais recentes vêm mostrando que estresse térmico imposto sobre vacas no final da gestação (período seco) compromete o crescimento do feto e o sistema imunológico do bezerro do nascimento até o desmame. Dessa forma, estresse térmico é um problema muito sério com impactos negativos de curto e longo prazos no sistema de produção de leite e que merece investimento de recursos para monitoramento, prevenção e remediação das consequências.
Referências
Rhoads, M.L., Rhoads, R.P., VanBaale, M.J., Collier, R.J., Sanders, S.R., Weber, W.J., Crooker, B.A., Baumgard, L.H. 2009. Effects of heat stress and plane of nutrition on lactating Holstein cows: I. Production, metabolism, and aspects of circulating somatotropin. Journal of Dairy Science, 92:1986.
Kanjanapruthipong, J., Homwong, N., Buatong, N. 2010. Effects of prepartum roughage neutral detergent fiber levels on periparturient dry matter intake, metabolism, and lactation in heat-stressed dairy cows. Journal of Dairy Science, 93:2589.
Nayeri, A., Upah, N.C., Sucu, E., Pearce, S.C., Fernandez, M.V., Rhoads, R.P., Baumgard, L.H. 2011. Potential Nutritional Strategies to Mitigate the Negative Effects of Heat Stress. Proceedings of the 2011 Four-State Dairy Nutrition and Management Conference.