Na primeira parte deste artigo, destacamos através da revisão de vários trabalhos publicados na literatura científica, que a seleção para maior produção de leite e o processo de “especialização” de algumas raças bovinas, tem levado a um tipo animal que vem apresentado uma série de limitações observadas em vacas leiteiras por produtores de distintas localidades do mundo.
Nesta segunda parte (e nas próximas), vamos aprofundar um pouco mais esta discussão. Antes de qualquer coisa, é importante relembrar, que o objetivo deste e dos próximos artigos não é criticar especificamente a raça Holandesa (que constitui a base da genética de Bos taurus taurus no Brasil e no mundo para leite), através da descrição de suas limitações e sim alertar aos envolvidos na cadeia produtiva que antes de grandes volumes de leite, é preciso buscar a eficiência produtiva através da exploração de animais saudáveis, longevos e férteis, independente da raça a ser utilizada.
O progresso genético contínuo para produção de leite e o manejo nutricional de vacas leiteiras de alta produção levou a um antagonismo entre a alta produção e a fertilidade, em que a eficiência reprodutiva dos rebanhos leiteiros despencou (MORE e THATCHER, 2006). Além de ser antagônica à produção de leite, a fertilidade é um parâmetro genético de baixa herdabilidade, fazendo com que o processo de seleção para a sua melhoria seja lento, já que o ganho esperado em cada geração é baixo (KNOB, 2015). No entanto, para Washburn et al. (2002), os fatores genéticos podem também contribuir diretamente para a redução da fertilidade da vaca leiteira. Correlações genéticas negativas foram relatadas por vários autores entre produção de leite e características reprodutivas, tais como intervalo entre partos, dias para o primeiro serviço, dias entre parto e uma nova concepção (dias abertos) e taxa de concepção no primeiro serviço.
Os mesmos autores destacam que o sistema de seleção de reprodutores, tal como o existe atualmente nos Estados Unidos, tem efeitos negativos sobre a fertilidade da vaca. Avaliando os problemas do gado Holandês nos países de origem, Madalena (2007) relatou ainda que na América do Norte e Europa, por mais de uma década já vêm sendo apontados problemas de fertilidade, saúde e altas taxas de descarte e mortalidade nos rebanhos.
Na percepção de More & Thatcher (2006), grandes esforços têm sido feitos para melhorar a produção de leite, com excelentes resultados, mas por sua vez, substancialmente tem-se observado declínio geral na eficiência reprodutiva na indústria de leite. Na Irlanda, um estudo comparando vacas de médio mérito genético com vacas de mérito genético alto, produzidas pelo uso de sêmen da raça Holandesa originado dos Estados Unidos, demonstrou que as vacas de elevado mérito genético tiveram menores taxas de prenhes após dois serviços e maior taxa de descarte por infertilidade (BUCKLEY et al., 2000 apud WASHBURN et al., 2002).
Da mesma forma, na Holanda, no período compreendido entre 1995 a 2001, o intervalo de partos aumentou em dois dias por ano (MADALENA, 2007) mediante a adoção da mesma ferramenta tecnológica. A constante queda da fertilidade também foi observada em países importadores de sêmen, fato sumariamente descrito por Madalena (2007) quando registrou os referidos índices do México, país esse, que adquire material da raça Holandês dos Estados Unidos e Canadá.
A consumação desses fatos motivou pesquisadores a realizarem um estudo, a partir do apoio da Universidade de Cornell - EUA, onde foi possível estimar que a cada acréscimo de 1000 Kg de leite por lactação, decorrente da genética importada, se repercutiu em aumento de 7,2 dias no intervalo de partos (MADALENA, 2007).
Em ambientes tropicais, as limitações de clima à exploração da pecuária leiteira a partir de genótipos mais especializados obrigam a grandes investimentos e a utilização de sistemas de custos atrelados a insumos sofisticados (LEDIC e TETZNER, 2008). Além disso, diferentes raças apresentam distintas capacidades de lidar com as elevadas temperaturas, sendo que tais modificações podem ser relacionadas com os locais nos quais as raças se desenvolveram (STUMPF, 2014). Para Ledic e Tetzner (2008), a construção de obras específicas para este modelo de produção faz com que os sistemas se tornem “engessados” e, além disso, altamente dependentes do uso de concentrados.
De acordo com Daltro (2014), as vacas de alta produção apresentam atualmente grandes necessidades de nutrientes, alta ingestão de alimento e elevada taxa metabólica. Isso faz com que a quantidade de calor produzido seja considerável, com necessidade de dissipação desse calor. Considerando também a constante elevação das temperaturas médias ambientais, West (2003) prescreve que há necessidade de avanços genéticos incluindo a seleção para tolerância ao calor ou a identificação das características genéticas que aumentam esta característica nos rebanhos leiteiros.
A intensa seleção para a produção de leite nas últimas décadas, alcançando elevado ganho genético para esta característica, como já mencionado, prejudicou outras características como é o caso também da concentração de sólidos no leite (KNOB, 2015). Além dessas, outra característica afetada é a longevidade das vacas leiteiras. Tsuruta et al. (2005) ao avaliarem a vida produtiva de fêmeas Holandesas nos Estados Unidos, observaram que o número médio de lactações na raça caiu em 20 anos de 3,4 para 2,8 e uma vida útil média de apenas 34,2 meses para vacas nascidas entre 1995 e 1997. Heins et al. (2012) reforçam ainda que do ponto de vista econômico, as taxas elevadas de descarte de vacas Holandesas puras devem ensejar preocupação aos produtores de leite.
A lucratividade das propriedades e a vida útil das vacas leiteiras além de sofrer os prejuízos relatados até então, têm sofrido déficits maiores mediante a incidência de doenças. Entre elas, a mastite ganha destaque por ocasião de contribuir com a maior parcela nos descartes dos rebanhos, além de comprometer a produção láctea devido aos danos irreversíveis ao tecido secretor e consequentemente, na composição do leite em virtude das alterações da capacidade de síntese dos componentes sólidos (COSTA, 2011). Segundo esses autores, estimativas feitas em vários países indicam perdas superiores a 15% da produção devido à enfermidade.
Outro desafio que os produtores se deparam relaciona-se com as distocia de parto. O nascimento de terneiros grandes como consequência da busca por animais maiores, com maior capacidade de produção através dos programas de melhoramento animal, tornou a ocorrência de partos dificultosos e com necessidade de assistência obstétrica especializada cada vez mais comum em muitos rebanhos leiteiros (MEE, 2008). Aliado a essas informações, os prejuízos econômicos são agravados a partir da publicação de resultados de pesquisas mais recentes que dão conta que a seleção para maior tamanho no Holandês não conduziu à maior produção de leite, produzindo, portanto, vacas menos econômicas, devido ao seu maior consumo para mantença, que vacas de porte menor (MADALENA, 2009).
Essas limitações podem ser minimizadas através de diversas estratégias, incluindo manejo, nutrição e também de melhoramento genético. Knob (2015) ressalta a seleção de touros dentro da mesma raça e a utilização de cruzamentos entre raças especializadas como métodos de melhoramento que se traduzem em melhores resultados. Ainda, a autora salienta que através da heterose e da complementaridade, é possível melhorar o desempenho produtivo e reprodutivo dos animais. Heins et al. (2012), vão além, alertando os produtores de leite de todo o mundo para redimensionarem os acasalamentos das fêmeas puras dando preferência a touros de outras raças visando reduzir tais problemas no gado leiteiro.
Referências bibliográficas
COSTA, E. O. Uso de Antimicrobianos na mastite. In: SPNOSA, H. S.; GÓRNIAK, S. L.; BERNARDI, M. M. Farmacologia aplicada à Medicina Veterinária. 5 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011. cap. 42, p. 487-498.
DALTRO, D. S. Uso da termografia infravermelha para avaliar a tolerância ao calor em bovinos de leite submetidos ao estresse térmico. 2014. 65 f. Dissertação (Mestrado em Zootecnia)-Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2014.
HEINS, B. J.; HANSEN, L. B.; DE VRIES, A. Survival, lifetime production, and profitability of Normande × Holstein, Montbéliarde × Holstein, and Scandinavian Red × Holstein crossbreds versus pure Holsteins. Journal of Dairy Science, v. 95, n. 2, p. 1011–1021, 2012.
KNOB, D. A. Crescimento, desempenho produtivo e reprodutivo de vacas Holandês comparadas às mestiças Holandês x Simental. 2015. 100 f. Dissertação (Mestrado em Ciência Animal)-Universidade do Estado de Santa Catarina, Lages, 2015.
LEDIC, I. L.; TETZNER, T. A. D. Grandezas do Gir Leiteiro: O milagre zootécnico do século XX. Uberaba: 3 Pinti, 2008. 324 p.
MADALENA, F. E. Comparações entre o Friesian da Nova Zelândia e o Holstein internacional - Revisão bibliográfica. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2009. 18 p.
MADALENA, F. E. Problemas dos rebanhos leiteiros com genética de alta produção – Revisão bibliográfica. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2007. 33 p.
MEE, J.F. Prevalence and risk factors for dystocia in dairy cattle: With Emphasis on Confinement Systems. Veterinary Journal, v. 24, p.113-125, 2012.
MOORE, K.; THATCHER, W. W. Major Advances Associated with Reproduction in Dairy Cattle. Journal of Animal Science, v. 89, p. 1254–1266. 2006.
WASHBURN, S. P. et al. Trends in reproductive performance in Southeastern Holstein and Jersey DHI herds. Journal of Dairy Science, v. 85, p. 244-251, 2002.
TSURUTA, S.; MISZTAL, I.; LAWLOR, T. J. Changing De?nition of Productive Life in US Holsteins: Effect on Genetic Correlations. Journal of Dairy Science, v. 88, p. 1156–1165, 2005.
WEST, J.W. Effects of Heat-Stress on Production in Dairy Cattle. Journal of Dairy Science, v. 86, p. 2131-2144, 2003.
Efeitos da seleção para alta produção e tipo em outras características importantes de gado leiteiro - Parte 2
Nessa segunda parte do artigo, vamos aprofundar a questão de seleção de animais para alta produção em busca de eficiência produtiva. Saiba mais nesse artigo!
Para continuar lendo o conteúdo entre com sua conta ou cadastre-se no MilkPoint.
Tenha o a conteúdos exclusivos gratuitamente!
Material escrito por:
Nathã Carvalho
Zootecnista formado pelo Instituto Federal Farroupilha (campus Alegrete/RS) e discente do Programa de Pós Graduação em Zootecnia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS (área de Melhoramento Genético Animal).
ar todos os materiaisEmmanuel Veiga de Camargo
Médico Veterinário e Doutor em Zootecnia pela UFSM. Docente do Instituto Federal Farroupilha (Alegrete/RS), onde é professor do curso de Zootecnia.Coordenador de produção e orientador do Grupo de Pesquisa e Extensão em Ruminantes na mesma instituição
ar todos os materiaisDeixe sua opinião!
PROFISSIONAIS DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS
EM 06/02/2017
Em relação a utilização da genética de outros países no Brasil, acredito que é natural um aumento do intervalo entre partos, mas é importante se mensurar em termos de lucratividade, já que o rebanho brasileiro é extremamente pouco produtivo. Assim, um aumento na produção de leite (e principalmente persistência de lactação) significa mais lucratividade, mesmo que haja um "preço" de se demorar alguns dias a mais para emprenhar novamente essas vacas.
Acredito que a utilização de boa genética e o investimento adequado em infra-estrutura sejam os melhores caminhos para a sustentabilidade da atividade. Isso porque os números nacionais mostram uma grande ineficiência quando não se tem investimento adequado.
De qualquer forma, muito interessante o artigo, de extrema relevância para a realidade brasileira. Parabéns!

SANTA MARIA - RIO GRANDE DO SUL
EM 31/01/2017
ALEGRETE - RIO GRANDE DO SUL
EM 30/01/2017

JOAÇABA - SANTA CATARINA - INSTITUIÇÕES GOVERNAMENTAIS
EM 30/01/2017
Excelente trabalho! Nossos olhares precisam ser direcionados para um sistema "sustentável", do início ao fim da cadeia produtiva. Rentabilidade ao produtor e qualidade ao consumidor. Especialmente quando tratamos de sistemas familiares. (Médias de 40l/animal, leite subsidiado, flutuação de preço, transformar ruminantes em monogástricos... infinitos problemas reprodutivos, nutricionais, manejo em geral... ????
Apenas substituiria "eficiência produtiva", por "EFICÁCIA PRODUTIVA". Pois, podemos ser eficientes produtores, como é o caso dos USA (média de 40/animial), mas não rentáveis! Precisamos ser Eficazes, além do meio pelo qual chegamos ao objetivo, importante é o resultado ao produtor.

OSÓRIO - RIO GRANDE DO SUL - PROFISSIONAIS DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS
EM 30/01/2017

OURO VERDE - SANTA CATARINA - PRODUÇÃO DE LEITE
EM 29/01/2017