Almeida (2007) também observou em seu trabalho, limitações relevantes nos rebanhos da raça Holandesa oriundos de genética proveniente dos Estados Unidos e do Canadá. Segundo o autor, essas preocupações foram levantadas em conferência na American Holstein Association no ano anterior a sua publicação.
No entanto, cabe salientar, que outras raças leiteiras também têm demonstrado perda de algumas qualidades importantes em detrimento da seleção para alta produção, embora em menor intensidade. Estudos americanos mostram queda um pouco acentuada nas respostas reprodutivas também em rebanhos da raça Jersey (figura 1).
Trabalhos sugerem que a produção de leite e a reprodução são antagônicas. Este declínio aparentemente temporal na fertilidade está associado tanto com o melhoramento genético quanto com as práticas modernas de manejo que levaram a um rápido aumento na produção de leite por vaca (WASHBURN et. al, 2002).
Nas raças zebuínas, Santos et al. (2013), afirmam que, devido à intensa seleção e melhoramento genético com foco na produção de leite, também houveram perdas em características adaptativas e relacionadas à sobrevivência desses animais.
Figura 1. Produção de leite e taxa de concepção em 532 rebanhos Holandeses e 29 rebanhos Jersey de 1976 a 1999 (WASHBURN et al., 2002).
A partir do exposto, o objetivo deste e dos próximos artigos não é criticar especificamente a raça Holandesa através da descrição de suas limitações e sim alertar aos envolvidos na cadeia produtiva que antes de grandes volumes de leite, é preciso buscar a eficiência produtiva através da exploração de animais saudáveis, longevos e férteis, independente da raça a ser utilizada. Neste contexto, será discutido a seguir, o melhoramento genético dos bovinos leiteiros para alta produtividade e as consequências desse processo em características essenciais para a eficiência produtiva dos rebanhos.
De acordo com Pereira (2012), a maioria dos programas de melhoramento de bovinos de leite é baseada em teste de progênie, delineamento mais apropriado para grandes e médias populações, o qual se objetiva predizer, com alta confiabilidade, a contribuição genética média de um reprodutor para a futura progênie. Tais programas estruturados nessa metodologia têm contribuído de forma significativa nos processos de seleção. Conforme o mesmo autor, a seleção, cujo conceito mais simples é a escolha dos indivíduos que deixarão descendentes na próxima geração, é uma das maiores forças de modificação da frequência gênica e tem sido utilizada pelo homem há milênios, intuitivamente, com o favorecimento de reprodutores e de matrizes mais adequados a determinado propósito.
Segundo Madalena (2012), o grande sucesso na seleção para maior produção de leite nas principais raças taurinas (Bos taurus taurus) na América do Norte e Europa acarretou resposta correlacionada negativa para fertilidade e saúde. Trabalhos citados por Pereira (2012) reforçam que a ênfase de seleção para aumento da produção de leite pode influenciar diretamente a saúde das vacas, levando a uma diminuição da vida produtiva e ao descarte involuntário por fatores não produtivos. Em revisão publicada por Madalena (2007), o autor relata diversos exemplos de “efeitos colaterais” da seleção para maior produção, que tem sido extremamente efetiva na América do Norte e na Europa.
Conforme o mesmo pesquisador, em outra revisão publicada em 2009, tais consequências têm trazido limitações aos rebanhos, causando crescente preocupação no mundo todo, uma vez que as raças taurinas constituem os principais recursos genéticos globais para produção de leite. Características relacionadas à fertilidade e saúde foram fortemente afetadas pela seleção intensiva para a produção leiteira. Diversos autores americanos como Hare et al. (2006), ressaltaram que em vacas leiteiras, a relação entre a seleção para alta produção de leite e a diminuição da vida produtiva, aumento da taxa de mortalidade e declínio da fertilidade devem ser evitadas.
Figura 2. Segundo alguns autores, o grande sucesso na seleção para maior produção de leite nas principais raças taurinas na América do Norte e Europa acarretou respostas correlacionadas negativas para fertilidade e saúde dos animais.
Madalena (2007) relatou através de uma vasta revisão, que o critério de produção leiteira para seleção culminou também no aumento de requerimentos em relação à capacidade de consumo de alimentos. Isso levou a um tipo de animal que em sistemas de alta produção só consegue atender tais exigências após o parto através da mobilização de tecidos, provocando um severo balanço energético negativo, com consequências desfavoráveis na fertilidade e na saúde.
Em avaliação realizada nos Estados Unidos, alguns autores mostraram maiores perdas de peso nas primeiras semanas de lactação em vacas submetidas à seleção para alta produção de leite quando comparadas às vacas selecionadas para média produção, embora aquelas apresentassem maior consumo de matéria seca (HARRISON et al., 1990). Como consequência estes autores observaram o atraso da manifestação de cio e do período de serviço.
O mesmo estudo demonstrou maior balanço energético negativo no grupo de matrizes selecionadas para maior produção leiteira, evidenciado pelas maiores concentrações de β – hidroxibutirato e pela maior perda de peso por dia. Madalena (2012) afirma que o Brasil importa a genética de Bos taurus taurus e a multiplica, de forma que as tendências mundiais se repercutem no país tendendo a exacerbar-se na medida da intensificação dos sistemas nacionais.
Além da seleção para produção, tem sido detectado que a busca para forma leiteira ou angulosidade (Figura 2) também resultou em vacas com menores reservas corporais, influenciando negativamente a fertilidade (MADALENA, 2009). Segundo o mesmo autor, por estes motivos, as pesquisas sobre avaliação de linhagens e de cruzamentos de Bos taurus taurus de aptidão leiteira tem recentemente adquirido importância em vários países.
Ledic e Tetzner (2008) acrescentam que o biotipo das raças leiteiras taurinas que evoluiu nos últimos 30 anos, buscou fêmeas muito grandes, com maior exigência alimentar, de tipo anguloso, com grande perda de escore corporal no pós-parto e consequentemente, com declínio da fertilidade. Pryce et al (2000) apud Madalena (2007) estimaram a correlação genética entre o intervalo entre partos e o escore de condição corporal em - 0.40, de forma que as vacas geneticamente mais magras apresentavam intervalo entre partos mais longo.
Figuras 3 e 4. Evolução do tipo: Seleção para forma leiteira/angulosidade na raça Holandesa, como um exemplo.
Pereira (2012) entende que dentre as opções que podem resultar em aumento da produção e da produtividade e agregar valor à atividade leiteira, está o melhoramento genético. Ele ainda acrescenta que para explorar a heterose e a complementaridade entre as raças, o cruzamento é uma das alternativas capazes de oferecer resultados no horizonte mais curto do tempo.
Kinghorn (2006) também defende que as principais ferramentas utilizadas no melhoramento genético animal são a seleção e o cruzamento. Conforme o autor, no geral, por benefício dos efeitos da heterose, os animais cruzados apresentam performance superior (em torno de 0 a 10% para características de crescimento e de 5 a 25% para características de fertilidade). Considerando todo o sistema de produção, o efeito da heterose pode ser ainda maior pelo fato dos efeitos se acumularem entre as características.
Para Ledic e Tetzner (2008), a introdução de raças, os cruzamentos, o desenvolvimento de novas raças e o aprimoramento das já existentes são atividades básicas para a pecuária leiteira. Os mesmos autores observam que em razão da diversidade dos micro-climas existentes no Brasil, há várias alternativas para a elevação da produção em termos de estratégias de melhoramento genético. Algumas destas estratégias serão discutidas nos próximos artigos.
Referências bibliográfica
ALMEIDA R. Raça Holandesa: pontos fortes, limitações de hoje e oportunidades no futuro. Piracicaba: Milk Point, 2007. Disponível em: