Autores do artigo:
Gabriele Marques Lopes, Emmanuel Veiga de Camargo e Nathã Carvalho
Quando aborda-se a temática de temperamento de bovinos, a primeira medida de avaliação a se pensar é a zona de fuga (ZF), que nada mais é do que a distância mínima que um animal permite a aproximação de humanos e sente-se confortável não emitindo qualquer intensão de afastar-se ou atacar (Figura 1).
Para a medição correta de distância de fuga, existem alguns pontos importantes a serem considerados, como o tipo de visão que tem os bovinos, bem como, as cores mais e menos agressivas aos olhos destes animais. Deve-se considerar esses pontos, pelo fato que influenciam diretamente o resultado obtido durante a medição dessa variável.
Os bovinos possuem algumas particularidades quando trata-se de visão. Um ponto importante a destacar, é a posição dos olhos destes animais. A seleção natural caracterizou animais presas com olhos localizados nas laterais e predadores com olhos em uma posição mais frontal, e os bovinos por serem presas, possuem tal particularidade. A posição lateral dos olhos permite uma visão de 345º, quando comparada com a posição frontal que propicia uma visão de 180º (ROSA, 2003).
A aferição da zona de fuga é capaz de indicar o nível de medo que o animal tem do seu manejador, bem como permite observar o nível de estresse e docilidade quando analisamos a relação homem-animal mediante a sua reatividade na presença de pessoas. Entretanto, este tipo de metodologia possui dois entraves para seu exercício. Um deles é o grande tempo que despende para a aplicação em um grande número de animais. O segundo empecilho é o grande risco que os avaliadores são submetidos no momento da coleta de dados, visto que devem estar presentes no mesmo ambiente que animais que podem exercer comportamento agressivo (COSTA et al., 2015).
Contudo, como observa-se na Figura 1, a visão dos bovinos de 345º ocasiona um ponto cego atrás da cauda do animal. Pela localização e posição dos seus olhos, os bovinos tendem a moverem-se em círculos, permanecendo sempre a uma distância considerada segura do manejador ou de algo que o mesmo considere perigoso, mantendo o perigo sempre em seu campo de visão (MARTINS, 2015). Então, durante avaliações de zona de fuga ou no manejo geral, recomenda-se que o tratador nunca posicione-se no ponto cego da visão dos animais, visto que este tipo de conduta causa reação de medo aos animais já que estes não poderão observar o que está ocorrendo, dificultando o manejo (COSTA, 2003).
Figura 1 – Zona de fuga de bovinos leiteiros. Foto: NITA, 2018.
Portanto, durante a medição de zona de fuga, recomenda-se aferir a medida pela frente do animal ou ponto de equilíbrio. Em menor qualidade do que os seres humanos, os bovinos também possuem uma visão policromática. Dentre as cores que estes animais melhor visualizam, destacam-se em ordem decrescente de discernimento, amarelo, laranja, vermelho, azul, cinza e verde (ROSA, 2003).
Esta particularidade é importante pois para mensuração da zona de fuga é comum utilizar uma malha quadrada feita com tinta no solo (Figura 2), necessitando-se no momento da escolha das cores àquelas que chamem menos atenção possível do animal para que não cause medo pelas novas características do ambiente.
Figura 2 – Avaliação da zona de fuga de bovinos leiteiros. Foto: Gabriele Lopes.
Escore composto de avaliações durante a ordenha
O escore composto de avaliações é um conjunto de medidas com o objetivo de identificar o perfil de temperamento dos animais, denominado Escore Composto (EC) (SILVEIRA, et al. 2008 apud PIOVEZAN, 1998). É um parâmetro muito interessante de avaliação comportamental, pois sabe-se que animais produtores de leite são altamente manejados. Na maioria das propriedades as ordenhas ocorrem diariamente duas vezes ao dia e já em locais com maior produção, podem aumentar o número de ordenhas (CERQUEIRA et al. 2011).
Nesse sentido, a avaliação de temperamento durante a ordenha caracteriza-se como um Escore Composto na Ordenha, avaliando apenas a categoria de animais em lactação. Seus resultados são obtidos através de várias medidas, incluindo nelas a reação do animal ao entrar na instalação de ordenha, quando são atribuídas pontuações em escala numérica: 1 para animais que entram normalmente no equipamento e 2 para animais que param ou tem algum tipo de aversão a instalação (ROUSING, et al. 2006).
Também são avaliados escores visuais para grau de movimentação de patas durante a fixação das teteiras (1 – animal sem reação, permanece com posteriores imóveis a 4 – animal realiza movimento vigorosos com os membros traseiros) (COSTA, et al., 2015).
Outra característica a ser observada é o tempo de saída dos animais do ambiente de extração do leite, em que leva-se em consideração o tempo de saída dos animais da instalação até percorrerem 2 metros em ambiente aberto, onde os animais com menor tempo de saída são classificados como mais reativos, pois demonstram insatisfação em estarem em ambiente com presença de humanos (BURROW et al., 1988).
Fonte: Blog da Natureza em Forma, 2019
Dentro das características de avaliação durante a ordenha, o escore de vocalização, micção e evacuação é uma importante medida a ser considerada. Escore de micção e evacuação retrata a ativação do sistema simpático ou seja, o sistema de fuga ou luta (MOURA, 2011 apud GUYTON; HALL, 2002). O aumento de movimento de cauda, orelhas, cabeça, exposição de esclera (movimento que ocorre quando os animais estão com medo e que tendem a abrir mais os olhos) e bufadas, também são características a serem avaliadas no momento da ordenha (HÖTZEL et al., 2009).
Segundo Rousing et al. (2005), o número de os/coices durante a ordenha, também deve ser uma característica a ser considerada para a caracterização de um perfil de temperamento durante o manuseio de ordenha. Os os são movimentos suaves dos membros, e a posição destes continua na vertical. Já o movimento de coice, é uma atividade exercida com maior energia, com caráter violento, podendo lesionar o manejador e/ou animal. Os coices caracterizam-se pela elevação dos membros e podem ser executados para frente ou para trás. O escore de os/coices é dividido em três categorias: 1 não estabelece nenhuma ocorrência durante a ordenha, 2 permite uma ocorrência por ordenha e 3 mais de uma ocorrência por ordenha.
Conforme Cerqueira et al. (2011), o número de os/coices durante a ordenha pode ser influenciado por enfermidades na glândula mamária, quando a dor seria a responsável pelo comportamento agressivo. Então, sugere-se que quando utilizar este tipo de medida, deve-se de maneira complementar verificar se os animais possuem alguma enfermidade no úbere.
Contribuições adicionais às avaliações já descritas foram proferidas por Grandin et al. (1995), que sugerem ser analisado, de maneira geral, o comportamento de cada animal durante todo o procedimento de ordenha. Para tanto, deve-se utilizar uma escala de temperamento adaptada que varia de 1 a 4, sendo:
- 1 – temperamento calmo, sem movimentação;
- 2 – pouco inquieto, mudando o peso de membros;
- 3 – movimentando a cabeça, contorcendo-se e, ocasionalmente, reagindo ao toque do manejador, podendo chutar;
- 4 – extremamente agressivo, apresentando grande reatividade ao manejo.
Avaliação fisiológica hormonal de temperamento de bovinos de leite
Uma medida de maior eficácia, mas de mais difícil execução é a medição de cortisol, epinefrina e norepinefrina, além da frequência cardíaca e respiratória, uma vez que são coletas invasivas ao animal e onerosas ao pesquisador.
A epinefrina ou adrenalina é liberada quando o cérebro recebe um estímulo aversivo de estresse e provoca a ativação do sistema nervoso simpático. Esta, causa um aumento da frequência cardíaca e respiratória, bem como aumenta a concentração de secreção de cortisol (FERREIRA et al., 2013).
Animais que tendem a ser mais aversivos no momento da ordenha estimulam a secreção de epinefrina, sendo este hormônio antagônico à secreção de ocitocina. A ocitocina por sua vez, é um hormônio responsável pelo reflexo de ejeção do leite. Ela atua na contração das células mioepiteliais, as quais circundam os alvéolos da glândula mamária. A vista disto, quanto menor a secreção de ocitocina, menor rendimento de produtividade animal, gerando menos lucro ao produtor (SZENTLÉLEKI et al., 2008).
O cortisol é conhecido como hormônio do estresse, pois sua secreção é estimulada diante de situações estressantes (JORGE et al., 2010). A medição de concentração de cortisol no organismo pode ser feita por meio de coleta de sangue, de urina e de saliva (SILVA; ENUMO, 2014).
Referências bibliográficas
BURROW, H. M.; SEIFERT, G. W.; CORBET, N. J. A new technique for measuring temperament in cattle. Proc. Aust. Soc. Anim. Prod, Australia, v. 17, n. [s.n.], Oct. 1988. Disponível em:
CERQUEIRA, J. L. et al. Alguns indicadores de avaliação de bem-estar em vacas leiteiras – revisão. Revista Portuguesa de Ciências Veterinárias, Viana do Castelo, v. 5, n. 19, 2011. Disponível em:
COSTA, A. N. L. et al. Hormonal profiles, physiological parameters, and productive and reproductive performances of Girolando cows in the state of Ceará-Brazil. Int J Biometeorol, Crato, 2009, v. 59, n. 2. Disponível: < https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24859822>. o em: 10 out. 2018.
COSTA, M. J. R. P.; SANT’ANNA. C. A.; SILVA, L. C. M. Temperamento de bovinos Gir e Girolando: efeitos genéticos e de manejo. Informe Agropecuário, Belo Horizonte/, v. 36, n. 286, 2015. Disponível: < https://www.researchgate.net/publication/289533842_Temperamento_de_bovinos_G ir_e_Girolando_efeitos_geneticos_e_de_manejo>. o em: 05 out. 2018.
FERREIRA, G. A.; ZIECH, R. E.; GUIRRO, E. C. B. do P. Bem-estar de bovinos leiteiros: revisão de literatura. Veterinária em foco, Paraná, v.10, n. 2, 2013. Disponível em: < http://www.periodicos.ulbra.br/index.php/veterinaria/article/view/1139>. o em: 17 out. 2018.
GRANDIN, T. et al. Cattle with hair whorl patterns above the eyes are more behaviorally agitated during restraint. Animal Behaviour Science, Colorado, v. 46, 1995. Disponível em: < https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/0168159195006389>. o em: 04 out. 2018. DOI: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/0168159195006389
HÖTZEL, M. J. GOMES, C. C. M.; FILHO, L. C. P. M. Comportamento de vacas leiteiras submetidas a um manejo aversivo. Revista Brasileira de Zootecnia, Florianópolis, ano 2009, n. 1, p.135-140, 20 out. 2018.
JORGE, S. R.; SANTOS, P. B. dos; STEFANELLO, J. M. F. O cortisol salivar como resposta fisiológica ao estresse competitivo: uma revisão sistemática. Revista da Educação Física/UEM, Maringá, v. 21, n. 4, 2010. Disponível em: < http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/RevEducFis/article/view/9053>. o em: 18 out. 2018. DOI: 10.4025/reveducfis.v21i4.9053
MARTINS, N. R. da S. et al. Doma racional de bovinos. Veterinária e Zootecnia, Minas Gerais, n. 78, 2015. Disponível em: < https://vet.ufmg.br/ARQUIVOS/FCK/file/editora/caderno%20tecnico%2078%20doma%20racional%20bovinos.pdf>. o em: 24 maio 2019. ISSN: 1676-6024
MOURA, S. V. de. Reatividade Animal e indicadores fisiológicos de estresse: avaliação das suas relações com a qualidade final da carne bovina em distintos períodos de jejum pré-abate. 2011. 1-55 p. Dissertação (Mestre em ciências, produção animal) – Universidade Federal de Pelotas, Pelotas 2011.
ROSA, M. S. Da; NETO, M. C.;,2,4; COSTA, M. J. R. P. A visão dos bovinos e o manejo. MILKPOINT, Jaboticabal, v. [s.n], n. [s.n.], 2003. Disponível em: < http://www.grupoetco.org.br/arquivos_br/pdf/a_visao_dos_bovinos_e_o_manejo.pdf>. o em: 24 nov. 2018.
ROUSING, T. et al. The association between fetching for milking and dairy cows' behaviour at milking, and avoidance of human approach — An on-farm study in herds with automatic milking systems. Livestock Science, Deanmark, v. 101, n. 3, 25 Nov. 2005. Disponível em:
SILVA, A. M. B. da; ENUMO, S. R. F. Estresse em um fio de cabelo: revisão sistemática sobre cortisol capilar. Avaliação psicológica, Campinas, v. 2, n. 13, 2014. Disponível em:
SILVEIRA, I. D. B. et al. Relação entre genótipos e temperamentos de novilhos Charolês x Nelore em confinamento. Revista Brasileira de Zootecnia, v. 37 ano, n. 10, 2008. Disponível em:
SZENTLÉLEKI, A. et al. Temperament of holstein-friesian cows in milking parlour and its relation to milk production. Acta univ. agric. et silvic, Mendel, v. 56, n. 1, Oct. 2008. Disponível em: