Não-me-Toque é um município de nome pra lá de estranho. Fica mais ao norte do Rio Grande do Sul e tem população que não chega a 18 mil habitantes. Sem ser sede de grandes empresas, tem um PIB per capita que é mais do que o dobro do PIB per capita do Brasil. Além disso, tem um IDH – Índice de Desenvolvimento Humano que o coloca entre os 5% dos municípios melhores posicionados dentre todos os 5.570.
Em Não-Me-Toque ocorre nesta semana um evento – a Expodireto, que trará 270 mil visitantes em cinco dias, de 70 países, reunindo quase 600 empresas expositoras, com expectativa de fechamento de negócios da ordem de R$ 2,4 bilhões, mesmo com Coronavírus chegando. A Expodireto é pouco conhecida entre nós brasileiros e isso mostra o quanto o Brasil ainda precisa descobrir o Brasil. Aquela região de Não-Me-Toque tem produtividades elevadas para soja, milho, trigo, avicultura e suinocultura.
Não-Me-Toque mostra que o leite é atividade muito competitiva com culturas agrícolas brasileiras. Ali a produção não para de crescer e produzem leite com alta densidade por km2, com produtividade elevadíssima, custos baixos e qualidade no padrão europeu. A produtividade por vaca nos municípios já a dos 5 mil kg/ano. Isso mesmo, por município! E, nesta estatística, o IBGE considera como vaca leiteira inclusive as de corte. A média brasileira está em 40% disso.
Pertinho dali, ainda jovem, no ano 2000 conheci a primeira propriedade gaúcha de leite e foi quando tudo se transformou para mim. Em Ijuí, numa manhã chuvosa e num frio de 1o, foi que eu descobri a produção leiteira familiar, o compartilhamento de tarefas entre homem e mulher na produção e que o filho adolescente arruma namorada falando que é produtor de leite. Foi ali que descobri que são as instituições – empresas, famílias, relações pessoais e Estado, que garantem ambiente para o desenvolvimento econômico e social de qualquer atividade de sucesso. Afinal, o sucesso do leite começa fora da propriedade para depois chegar na vaca!
Naquele ano de 2000 nascia a Expodireto, que esta semana chega em sua vigésima edição. A Embrapa tem ali a sua base sólida e o nosso presidente Moretti percorre a Feira na abertura, juntamente com a Ministra Tereza Cristina, mostrando-a mais de 25 tecnologias levadas por nove das nossas unidades de pesquisa. Um em cada dez visitantes da Feira vai entrar no stand da Embrapa nos próximos dias. Isso é algo impressionante, não? Quem conhece indicador mais robusto?
Mas, o foco desta nossa conversa é algo que ainda não foi percebido. A Cotrijal e a CCGL estão sendo pioneiras no agronegócio brasileiro, por entenderem que, agora, a coordenação de suas cadeias de valor, exige fazer Supply Chain Management de modo disruptivo. Elas estão nos mostrando que é preciso rever a era dos pacotes tecnológicos rígidos, que foram tão vitais para que pudéssemos conquistar a posição de “Celeiro do Mundo”, alimentando um em cada cinco habitantes do planeta.
Até o presente, o modelo de integração no supply chain garantiu imensa eficiência e competitividade nas cadeias de suínos e de aves, por exemplo. Mas, estas cooperativas estão mostrando que é preciso ir além da integração tradicional. Na revolução tecnológica que Cotrijal e CCGL fazem por meio do leite, não buscam implantar nenhum pacote tecnológico rígido nas propriedades e nem seus técnicos ficam com a tarefa de dizer ao produtor o que rigidamente deve ser feito e como. O que a Cotrijal e a CCGL estão fazendo é colocar ferramentas digitais, que geram dados para tomadas de decisão nas propriedades de seus cooperados. Estão fazendo algo novo em relação a tudo que já vimos, facilitando o o aos equipamentos de precisão e ensinando os seus produtores familiares a interpretarem os resultados técnicos gerados pelos aplicativos de startups brasileiras! Uau! Eles já estão exercitando a produção do Leite 4.0.
A Cotrijal e a CCGL estão mudando a cultura do leite brasileiro! Mas, para esta revolução tecnológica acontecer e ser perene, é preciso mudar a cultura, é preciso mudar o mindset, é preciso mudar o modo de pensar e agir. Para isso, é preciso envolver as instituições – família, escola, empresas, Governo, numa ação coletiva, pública, com visibilidade. Somente assim, uma Revolução se transforma em Evolução. Somente assim, uma Inovação se torna Perene!
Na Expodireto, não se faz revolução tecnológica nem se garante evolução do negócio do produtor. O que a Expodireto se propõe a ser é a vitrine das mudanças possíveis. Mas, sem vitrine, a revolução se torna frágil, lenta, de alto risco, e a evolução deixa de ser atrativa. Os pensadores da Cotrijal e CCGL aprenderam isso, provavelmente num misto de sabedoria e instinto, que é o que marca o espírito de quem lidera para construir a inovação.
Por isso, este ano, pela segunda vez, o Ideas For Milk está lá a convite da Cotrijal e CCGL, com stand totalmente custeado por estas empresas, com 05 startups. Lá no Stand, os filhos de produtores interagem com os meninos das startups. Você acha que existe política mais eficiente para a sucessão familiar? Você conhece modo mais interessante de perenizar uma revolução? De mudar a cultura, o modo de pensar e agir?
Este ano, resolveram fazer lá uma Caravana 4.0 regional, tchê! Para quem não entendeu, eles aplicaram regionalmente um dos produtos do Ideas For Milk – a Caravana 4.0, mas em consonância com as características da região. Ano ado a Caravana 4.0 percorreu onze estados do Brasil, em 49 eventos, num tempo de 62 dias, visitando principalmente universidades, motivando gente a pensar em inovação. Isso foi possível porque atuamos em rede, efetivamente. E a turma da Cotrijal e CCGL fez isso agora, em torno do Não-me-Toque. O Renne Granato, um visionário, como um bandeirante da inovação, foi até às universidades da região chamar professores e alunos para montarem seus stands e também para interagirem com os produtores de leite e seus filhos.
Ufa! Mas, ainda não acabou. Trazer produtor e filho de produtor de leite, trazer startups do leite, trazer universidades... é quase, mas não é tudo. Estava faltando materializar o ecossistema de inovação, como vitrine. E foi o que fizeram, ao introduzirem este ano outra invencionice. Eles estão fazendo pela primeira vez a Arena Agrodigital 2020. Eu estou louquinho para pisar nesta arena, onde leão não come cristão, como em Roma Imperial. Aos times liderados pelo Jair, Dawson, Renne e Luis Otávio, e aos dirigentes das duas empresas, que institucionalizam tudo isso, é preciso dizer para o Brasil que vocês estão fazendo história! O Leite 4.0 está nascendo em Não-me-Toque. E o novo agro brasileiro, quem sabe, também!