Ambiência animal é uma expressão que engloba o conjunto de fatores externos que fazem parte do meio aonde vive um animal, influenciando direta e indiretamente sua vida e suas funções biológicas, e classifica-se em térmica, acústica, aérea e luminosa. Em sistemas de produção de bovinos, seja a pasto ou confinamento, ela se mostra determinante para que os animais possam expressar o seu máximo genético e produtivo (ALVES; PORFIRIO-DA-SILVA; KARVATTE JUNIOR, 2019). Animais criados a pasto são constante e intensamente submetidos a elementos climáticos, como temperatura, radiação solar, umidade relativa, pluviosidade e ventos (SILVA, 2012).
Figura 1. Tipos de ambiência e sua influência nas funções biológicas.
Fonte: Os autores.
Os bovinos são classificados como homeotérmicos, ou seja, trocam calor com o ambiente com o objetivo de se manterem dentro de uma faixa termoneutra, a Zona de Conforto Térmico (SILANIKOVE, 2000). Esta troca, cabe ressaltar, ocorre dentro de certos limites. Se a temperatura e a radiação não estiverem controladas, podem levar a um quadro de estresse térmico, o qual compromete as funções vitais das vacas, acarretando assim a diminuição de sua produtividade.
Isto ocorre porque, dentre outras razões, temperaturas severamente elevadas ou baixas comprometem o desenvolvimento das forrageiras (que são a base da alimentação dos ruminantes) e a disponibilidade de água. Quando vacas enfrentam calor ou frio severos, seu eixo hipotálamo-hipófise-adrenal é ativado, o que altera o seu sistema endócrino, levando a um quadro de hiper ou hipotermia (ALVES; PORFIRIO-DA-SILVA; KARVATTE JUNIOR, 2019).
Se o estresse for por calor intenso, as vacas buscarão áreas sombreadas e aumentarão o consumo de água em detrimento dos alimentos, como estratégias de redução da carga calórica corporal e dissipação do calor excedente (KARVATTE JUNIOR et al., 2016) . Elas continuarão trocando calor com o meio, até que a eficiência da perda de calor sensível reduza, quando então os animais transpiram mais intensamente e demonstram respiração bastante ofegante, o que não contribui efetivamente para a dissipação do calor excedente. Este quadro de gasto energético intenso, porém pouco eficaz, mantém-se até o organismo colapsar irreversivelmente, levando o animal ao óbito (SILANIKOVE, 2000; SANKER et al., 2013; TRIPON et al., 2014; KAMAL et al., 2014).
Resumidamente, as vacas deixam de se alimentar para procurar sombras e temperaturas menos severas, e a energia interna que seria mobilizada para a produção de colostro, de leite, para ciclagens e gestações etc., é direcionada para as trocas de calor.
Figura 2. Homeotermia em bovinos.
Fonte: Os autores.
A zona de conforto térmico dos bovinos é variável. Em animais de alta produção, apresenta uma média entre 16,0 °C a 25,0 °C. Se a temperatura do ambiente variar de 25 °C a 37 °C (considerando um clima tropical, que é o caso do Brasil), é o suficiente para elevar a temperatura corporal das vacas, as quais apresentarão manifestações típicas, como o aumento da frequência respiratória e da temperatura retal.
Quanto à produção de leite, ela também é comprometida pelo estresse térmico. Este acarreta uma redução de consumo de matéria seca e desregula atividades ruminais e hormonais (prolactina, ocitocina, dentre outros), o que pode levar a uma perda de 600 a até 900 kg de leite por vaca em cada lactação (PRAGNA et al., 2016). Além dessas consequências, a saúde do úbere também é afetada pelo calor excessivo. Além do já esperado aumento dos casos de mastite no verão, o calor intenso também afeta negativamente a glândula mamária das vacas, uma vez que propicia os processos de autofagia e apoptose celular (PRAGNA et al. 2016).
Figura 3. Estresse térmico por calor e saúde do úbere.
Fonte: Os autores.
Além da saúde do úbere, o estresse térmico também compromete a qualidade e a composição do leite. Vale lembrar que os sólidos do leite (como proteína, gordura, lactose, dentre outros) encontram-se diluídos em água, e que o equilíbrio deste sistema tem relação direta com o clima, temperatura e bem estar animal (ALMEIDA et al., 2013). O calor excessivo reduz as concentrações de gordura, proteína, lactose, e cálcio no leite (PORCIONATTO et al. 2009), sendo a gordura o componente mais suscetível a este tipo de variação (REIS et al., 2013).
A genética das vacas também tem relação direta com a temperatura ambiente. Animais com potencial genético mais refinado e consequente produção mais elevada de leite são mais sensíveis às adversidades climáticas (VIDAL e SILVA, 2021).
Figura 4. Relação entre estresse térmico, genética, produção, qualidade e composição do leite.
Fonte: Os autores.
Diante do exposto acima se nota que as trocas de calor dependem da diferença entre a temperatura corporal e o ambiente. Logo, como estratégias para aumentar a eficiência deste processo, temos o manejo nutricional adequado e a seleção de animais mais rústicos, mais adaptados às adversidades e variedades climáticas apresentadas no Brasil. Além destas alternativas, temos as modificações físicas no ambiente aonde vivem as vacas, por exemplo, a oferta de sombra, natural ou artificial (VIDAL e SILVA, 2021).
Vacas submetidas à áreas de sombreamento apresentam maiores teores de gordura e proteína no leite quando comparadas àquelas expostas à radiação solar direta (BARBOSA et al., 2004). A sombra contribui positivamente para a ambiência, e como alternativa sugere-se a instalação de sombrites pelas áreas de pasto da fazenda. Os sombrites podem interceptar de 30 a 90% da radiação solar direta, proporcionando assim menor calor irradiado ao animal e reduzindo também a temperatura do solo. Já para animais de genética mais apurada e com maior produção, a instalação de galpões (sistemas compost barn e free stall) é a estratégia mais adequada, desde que a sua climatização e construção sejam eficientemente planejadas e executadas.
Imagem 1. Sombreamento natural para bovinos.
Fonte: Revista Rural.
Imagem 2. Sombreamento artificial por sombrite.
Fonte: Milkpoint.
Imagem 3. Vacas confinadas em sistema Compost Barn com ventilação.
Fonte: Esteio Gestão Agropecuária.
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Referências
ALMEIDA, G. L. P. et al. Comportamento, produção e qualidade do leite de vacas Holandês-Gir com climatização no curral. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental, Campina Grande, v. 17, n. 8, p. 892- 899, 2013.
ALVES, F.V.; PORFIRIO-DA-SILVA, V.; KARVATTE JUNIOR, N. ILPF: inovação com integração de lavoura, pecuária e floresta. Brasília, DF: Embrapa, 2019. 835 p.
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