el="canonical" href="/colunas/ppgctldufjf/desafios-e-beneficios-para-qualidade-e-seguranca-na-producao-de-queijos-artesanais-235630/" />

Implementação de programas de autocontrole na produção de queijos artesanais: desafios e benefícios para a qualidade e segurança dos alimentos

As legislações exigem que os produtores artesanais atendam à requisitos sanitários, para assegurar a qualidade e segurança dos alimentos. Saiba quais são eles.

Publicado por: MilkPoint

Publicado em: - 11 minutos de leitura

Ícone para ver comentários 0
Ícone para curtir artigo 7

Nas últimas décadas, foram observadas movimentações relevantes no âmbito normativo para a produção de queijos artesanais devido a um apelo de pequenos produtores por uma formalização de seus produtos. Isso porque o histórico das legislações brasileiras era demasiadamente restritivo e pouco eficiente quando aplicadas a produção artesanal (ARAUJO et al., 2020).

Tinham-se normas que obrigavam a filiação de queijarias artesanais à entrepostos de leite e derivados que fossem registrados, dispondo de determinação de dias para a expedição de seus produtos. (BRASIL,1950) A portaria nº146/1996 preconizava um período mínimo de 60 dias de maturação dos queijos artesanais feitos com leite cru antes de serem comercializados (BRASIL, 1996). E mesmo com a publicação do Decreto nº 5.741/2006, onde deu providências ao Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária (Suasa), descentralizando a inspeção para âmbitos estaduais e municipais, além do federal, restringia o comércio dos produtos de origem animal somente no território do órgão regulamentador no qual o estabelecimento fosse registrado (BRASIL, 2006).

Prerrogativas como essas burocratizavam e favoreciam a informalidade por parte dos produtores de queijos artesanais. Além de apresentar resultados negativos quanto a qualidade e segurança dos produtos (ARAUJO et al., 2020). O Decreto nº 9.013/2017 possibilitou uma redução do tempo de maturação de 60 dias desde que fossem comprovados a inocuidade dos queijos por de pesquisas científicas (BRASIL, 2017). Mas somente a partir da Lei 13.680/2018 que dá providências para elaboração e comercialização de Queijos Artesanais, os pequenos produtores começaram a tatear uma abrangência maior no mercado para os seus produtos (BRASIL, 2018).

Para um melhor entendimento, é importante definir que os queijos artesanais são produtos fabricados de forma prioritariamente manual, com aspectos culturais e de tradicionalidade que remetem a diferenciação do modo de fazer, além de poderem estar associados ao terroir de seu local de produção. Os queijos artesanais não devem ter aditivos alimentares estéticos, somente aqueles que garantem o processo tecnológico dos produtos (BRASIL, 2019).  

Data-se que os queijos artesanais são fonte de renda para muitas famílias, desde a sua origem no Brasil em meados do século XVI, algo que ainda se traduz como realidade. O modo de fazer ado de geração em geração costuma ganhar destaque para originalidade do sabor que cada queijo artesanal possui, sendo os aspectos sensoriais notoriamente percebidos em premiações nacionais e internacionais. Para muitos, os queijos artesanais são Arte e um tipo de costume familiar (ARAUJO et. Al, 2020).

Entretanto, faz-se importante apontar que por ser normalmente produzido a partir de leite cru e utilização de bactérias endógenas do leite no processo de fermentação, favorecem os riscos quanto a segurança em relação a inocuidade dos produtos (SILVA et al, 2022).

Pensando nisso, as legislações referentes ao Selo Arte preconizam que os produtores artesanais devem cumprir os requisitos sanitários relacionados as Boas Práticas de Fabricação (BPF), Boas Práticas Agropecuárias (BPA), rastreabilidade, comprovação de fornecedores livres de tuberculose e brucelose ou com comprovação sanitária equivalente. Ou seja, os produtores artesanais precisam possuir controle de seus processos de fabricação com a finalidade de garantir alimentos de qualidade e seguros (BRASIL, 2022).

Os Programas de Autocontrole são definidos pelo Art.10 do RIISPOA (BRASIL, 2017) como:

“XVII - programas de autocontrole - programas desenvolvidos, procedimentos descritos, desenvolvidos, implantados, monitorados e verificados pelo estabelecimento, com vistas a assegurar a inocuidade, a identidade, a qualidade e a integridade dos seus produtos, que incluam, mas que não se limitem aos programas de pré-requisitos, BPF, PPHO e APPCC ou a programas equivalentes reconhecidos pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento”

Como podem observar a citação acima, as BPFs fazem parte dos Programas de Autocontrole. O Decreto nº 9.013/2017 faz abertura para além dos programas de qualidade citados, os estabelecimentos podem implementar outros que sejam equivalentes e reconhecidos pelo Ministério da Agricultura. Portanto, as BPFs, as BPA e a rastreabilidade são autocontroles que os estabelecimentos artesanais de queijos precisam ter implementados.

O que são Boas Práticas de Fabricação?

As BPFs para produtos de origem animal são regulamentadas pela Portaria nº 368/1997, e trata de princípios e de regras que manipuladores de alimentos e toda a cadeia produtiva devem seguir afim de garantirem a qualidade e inocuidade do produto (BRASIL, 1997).

As BPFs dão disposições sobre como devem ser as instalações de fabricação de alimentos, sobre a realização de manutenções e calibrações, medidas de prevenção e de mitigação de perigos físicos, químicos e microbiológicos, potabilidade da água de abastecimento, higiene operacional e higiene individual dos colaboradores, controle de pragas, controle de matéria-prima, manejo de resíduos, análises dos produtos acabados e rastreabilidade (BRASIL, 1997).

A aplicação das BPFs a respeito da instalação vai desde a escolha do tipo material nas paredes, chão, teto, portas e janelas que devem permitir fácil higienização operacional com impossibilidade de acúmulos de resíduos, ou ainda, o planejamento do layout para evitar contaminações cruzadas (BRASIL, 1997).

O planejamento de Manutenções Preventivas possui como finalidade impedir paradas de equipamentos que possam comprometer o processo produtivo e a segurança do alimento. As calibrações têm o propósito de legitimar que aquilo que se mede realmente possui o valor analisado, ando confiabilidade nos resultados diários de temperatura e de outros instrumentos de medição (LUZ et al, 2022).

Avaliar as possibilidades de contaminações físicas, químicas e microbiológicas para os produtores artesanais é umas das etapas com maior ênfase para a segurança dos alimentos, pois por possuírem produção manual a susceptibilidade a riscos dos três tipos (físico, químico e microbiológico) aumenta, pois as salas de manipulação costumam ser desprovidas de aparatos tecnológicos, os tachos para o preparo dos queijos são abertos e mais simples e o próprio manuseio entre uma etapa e outra do produto pode facilitar contaminações (LUZ et al,2022).

A maioria dos produtores artesanais captam água de minas, poços ou poços semiartesianos. Esse tipo de fonte pode traz um aumento do risco microbiológico pois a sua distribuição ao longo da cadeia pode levar a uma contaminação de todo o processo produtivo ou durante a etapa de higienização para os queijos, comprometendo a sua inocuidade. O tratamento da água trata-se de uma das etapas mais importantes, usualmente é feita com cloro, afim de garantir uma correta sanitização (MARQUES, 2019).

Continua depois da publicidade

A etapa de higienização operacional cuida para que a operação seja feita de forma integra e abrangente, com a utilização exata da concentração de saneantes e detergentes. Como os manipuladores de alimentos podem levar a maior parte das contaminações aos queijos, faz-se importante seguirem regras sobre asseio pessoal como evitar barbas, cabelos soltos, esmaltes, maquiagens, unhas cumpridas, higienização das mãos e utilização de uniformes, dentre outras (SILVA et al., 2022).

E as Boas Práticas Agropecuárias para cadeia de leite?

Assemelham-se com as BPFs, pois também são procedimentos e regras com a finalidade de garantirem o fornecimento de leite seguro e com qualidade, e de praxe promover o bem-estar animal e diminuir impactos ambientais.

Por exemplo, o Brasil possui campanhas para evidenciar a segurança da cadeia leiteira, como o Programa Nacional de Qualidade do Leite (PNQL), o Programa Nacional de Controle e Erradicação da Brucelose e Tuberculose Animal (PNCEBT) e as campanhas de vacinação de aftosa. Todas estas medidas agropecuárias possuem o objetivo de levarem segurança a toda população, evitando contaminação por patógenos e também por produtos químicos indesejados como antibióticos (ERHARD et al., 2022).

O bem-estar animal visa atestar que os animais envolvidos na produção leiteira são tratados com dignidade e cuidado, atendendo às suas necessidades de saúde, alimentação e ambiente. Outros requisitos também são preconizados nas BPAs como por exemplo, instalação de ordenha, higienização dos utensílios, equipamentos, exames para mastites, saúde dos retireiros, treinamentos e outros pontos essenciais (ERHARD et al., 2022).

Os benefícios dos autocontroles para produtores de queijos artesanais

O benefício mais evidente comentado até aqui está associado á segurança e à inocuidade dos queijos, visto que a finalidade dos autocontroles previstos para produtores de queijos artesanais visa garantir e minimizar possíveis contaminações em toda cadeia produtiva e não comprometer a saúde pública (SILVA et al, 2022).

O segundo ponto está associado a qualidade dos queijos, sejam eles em termos tecnológicos de identidade do produto, como também manutenção das características sensoriais que diferenciam cada produto artesanal (MARQUES, 2019). Nesta perspectiva, vemos uma padronização de processos aplicada ao procedimento artesanal de fabricação. Toda fabricação de queijos possui etapas, sejam elas artesanais ou não. Padronizar o “jeito artesanal de fazer” também deve ser desenvolvido, pois assim garante que não haja perdas por falta de qualidade sensorial ou devido a uma contaminação por higienização ineficiente.

Documentar e registrar todos os processos envolvidos na elaboração de queijos artesanais faz parte de autocontrole, facilita a rastreabilidade e permite uma identificação rápida de problemas, caso surjam. Além do que, com registros sistemáticos o pequeno produtor pode observar dados que poderiam estar ando despercebidos sobre desperdícios (MARQUES; 2019).

Ao atender os requisitos regulatórios de autocontrole, os estabelecimentos artesanais mantêm seu registro junto ao órgão de inspeção ativo e sem pendências que poderiam discorrer em suspensões ou cancelamento do registro. Seguir com a implementação de autocontrole é a melhor opção para se manter competitivo comercialmente, pois possibilita o alcance nacional ao invés da informalidade e restrição comercial dos produtos ao território de municípios e estados (SILVA, 2022).

Desafios para implementação de programas de autocontrole na produção de queijos artesanais

Precisamos recordar que os produtores artesanais de queijos possuem recursos financeiros mais estreitos e inicialmente, a implementação de programas de autocontrole geram investimentos com treinamentos, equipamentos e utensílios, causando assim uma visão negativa para estes produtores (SILVA et al., 2022).

Os estabelecimentos artesanais muitas vezes possuem mão-de-obra apenas familiar, sem equipe técnica que ajude no entendimento de legislações e da aplicação e implementação dos programas de autocontrole, dificultando que o próprio produtor visualize os benefícios para a sua queijaria. Para tanto, é importante que órgãos públicos forneçam treinamentos a campo sobre o tema e disponibilização de profissional capacitado (MARQUES; 2019).

E falando do estabelecimento para fabricação, as queijarias artesanais não possuem estruturas adequadas para implementar de maneira integral os autocontroles previstos para agroindústrias de pequeno porte como a utilização do mesmo ambiente de processamento para a fabricação de vários produtos. Isso vai de encontro com a possibilidade de contaminação cruzada e desprendimentos financeiros para realização de ajustes estruturais (MARQUES; 2019).

Para finalizar precisamos falar sobre a resistência à mudança que muitos produtores artesanais possuem, pois em suas percepções, realizar procedimentos e registros fazem perder a sua tradicionalidade, o que o diferencia como produtor artesanal (SILVA et al., 2022). Claro que o objetivo do autocontrole não é perder a tradicionalidade na elaboração dos queijos, mas sim de garantir segurança e qualidade a todos que consumirem queijos artesanais.

 

Gostou do conteúdo? Deixe seu like e seu comentário, isso nos ajuda a saber que conteúdos são mais interessantes para você.
 

Autores

Ana Cristina Lopes dos Santos - Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia do Leite e Derivados, Universidade Federal de Juiz de Fora.

Marcelo Henrique Otenio - Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia do Leite e Derivados, Universidade Federal de Juiz de Fora, Embrapa Gado de Leite.

Sara Pimenta Resende - PUC-Minas

Marta Fonseca Martins - Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia do Leite e Derivados, Universidade Federal de Juiz de Fora, Embrapa Gado de Leite.

 

 

Referências bibliográficas

J.P.A. Araújo, & A.C. Camargo, & Carvalho, Antonio & L.A. Nero, (2020). Uma análise histórico-crítica sobre o desenvolvimento das normas brasileiras relacionadas a queijos artesanais. Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia. 72. 1845-1860. 10.1590/1678-4162-11766.

BRASIL. Lei n° 13.860 de 18 de julho de 2019. Dispõe sobre a elaboração e a comercialização de queijos artesanais e dá outras providências. Brasília, DF, 2019.

BRASIL. Decreto nº 9.013, de 29 de março de 2017. Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal. Brasília, DF, 2017.

BRASIL. Portaria nº 368 de 04 de setembro de 1997. Regulamento Técnico sobre as condições Higiênico-Sanitárias e de Boas Práticas de Fabricação para Estabelecimentos Elaboradores/Industrializadores de Alimentos. Brasília, DF, 1997.

BRASIL. Portaria nº 146 de 07 de março de 1996. Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade dos Produtos Lácteos. Brasília, DF, 1997.

BRASIL. Decreto nº 30.691, de 29 de março de 1952. Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal. Brasília, DF, 1952.

BRASIL. Decreto nº 5.741, de 30 de março de 2006. Regulamenta os artigos. 27-A, 28-A e 29-A da Lei no 8.171, de 17 de janeiro de 1991, organiza o Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária, e dá outras providências. Brasília, DF, 2006.

Silva, Lavínia & Nascimento, Daniel & Silva, Romário & Andrade, Horasa & Andrade, Luciano. (2022). Boas práticas na produção de queijos artesanais: uma revisão sistemática da literatura. Diversitas Journal. 7. 639-651. 10.48017/dj.v7i2.1994.

Luz, Patrícia & Silva, Gabriela & Zanetti, Leonardo & Vieira, Natália & Andrighetto, Cristiana. (2022). Qualidade física, química e microbiológica do queijo Minas Frescal produzido artesanalmente e por diferentes laticínios da região de Presidente Prudente. Caderno de Ciências Agrárias. 14. 1-8. 10.35699/2447-6218.2022.36920.

Erhard, Magnólia & Fröder, Hans & Oliveira, Wemerson & Ströher, Jeferson & Savergnini, Paulo & Santos, Victória & Silvia Pereira dos Santos Richards, Neila. (2022). Avaliação físico-química e microbiológica de queijos artesanais a partir de leite cru e verificação de boas práticas em propriedades rurais no Vale do Taquari-RS. Research, Society and Development. 11. e253111335290. 10.33448/rsd-v11i13.35290.

Marques, Caroline. (2019). Capítulo 3 - Boas Práticas de Fabricação (BPF) na fabricação de queijos. n book: Cartilha de Segurança alimentar na produção de queijos. Queijo colonial artesanal. Edition: 2Chapter: 3, Publisher: Grafisul. Francisco Beltrão, PR.

 
QUER AR O CONTEÚDO? É GRATUITO!

Para continuar lendo o conteúdo entre com sua conta ou cadastre-se no MilkPoint.

Tenha o a conteúdos exclusivos gratuitamente!

Ícone para ver comentários 0
Ícone para curtir artigo 7

Publicado por:

Foto MilkPoint

MilkPoint

O MilkPoint é maior portal sobre mercado lácteo do Brasil. Especialista em informações do agronegócio, cadeia leiteira, indústria de laticínios e outros.

Deixe sua opinião!

Foto do usuário

Todos os comentários são moderados pela equipe MilkPoint, e as opiniões aqui expressas são de responsabilidade exclusiva dos leitores. Contamos com sua colaboração.

Qual a sua dúvida hoje?

Implementação de programas de autocontrole na produção de queijos artesanais: desafios e benefícios para a qualidade e segurança dos alimentos

As legislações exigem que os produtores artesanais atendam à requisitos sanitários, para assegurar a qualidade e segurança dos alimentos. Saiba quais são eles.

Publicado por: MilkPoint

Publicado em: - 11 minutos de leitura

Ícone para ver comentários 0
Ícone para curtir artigo 7

Nas últimas décadas, foram observadas movimentações relevantes no âmbito normativo para a produção de queijos artesanais devido a um apelo de pequenos produtores por uma formalização de seus produtos. Isso porque o histórico das legislações brasileiras era demasiadamente restritivo e pouco eficiente quando aplicadas a produção artesanal (ARAUJO et al., 2020).

Tinham-se normas que obrigavam a filiação de queijarias artesanais à entrepostos de leite e derivados que fossem registrados, dispondo de determinação de dias para a expedição de seus produtos. (BRASIL,1950) A portaria nº146/1996 preconizava um período mínimo de 60 dias de maturação dos queijos artesanais feitos com leite cru antes de serem comercializados (BRASIL, 1996). E mesmo com a publicação do Decreto nº 5.741/2006, onde deu providências ao Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária (Suasa), descentralizando a inspeção para âmbitos estaduais e municipais, além do federal, restringia o comércio dos produtos de origem animal somente no território do órgão regulamentador no qual o estabelecimento fosse registrado (BRASIL, 2006).

Prerrogativas como essas burocratizavam e favoreciam a informalidade por parte dos produtores de queijos artesanais. Além de apresentar resultados negativos quanto a qualidade e segurança dos produtos (ARAUJO et al., 2020). O Decreto nº 9.013/2017 possibilitou uma redução do tempo de maturação de 60 dias desde que fossem comprovados a inocuidade dos queijos por de pesquisas científicas (BRASIL, 2017). Mas somente a partir da Lei 13.680/2018 que dá providências para elaboração e comercialização de Queijos Artesanais, os pequenos produtores começaram a tatear uma abrangência maior no mercado para os seus produtos (BRASIL, 2018).

Para um melhor entendimento, é importante definir que os queijos artesanais são produtos fabricados de forma prioritariamente manual, com aspectos culturais e de tradicionalidade que remetem a diferenciação do modo de fazer, além de poderem estar associados ao terroir de seu local de produção. Os queijos artesanais não devem ter aditivos alimentares estéticos, somente aqueles que garantem o processo tecnológico dos produtos (BRASIL, 2019).  

Data-se que os queijos artesanais são fonte de renda para muitas famílias, desde a sua origem no Brasil em meados do século XVI, algo que ainda se traduz como realidade. O modo de fazer ado de geração em geração costuma ganhar destaque para originalidade do sabor que cada queijo artesanal possui, sendo os aspectos sensoriais notoriamente percebidos em premiações nacionais e internacionais. Para muitos, os queijos artesanais são Arte e um tipo de costume familiar (ARAUJO et. Al, 2020).

Entretanto, faz-se importante apontar que por ser normalmente produzido a partir de leite cru e utilização de bactérias endógenas do leite no processo de fermentação, favorecem os riscos quanto a segurança em relação a inocuidade dos produtos (SILVA et al, 2022).

Pensando nisso, as legislações referentes ao Selo Arte preconizam que os produtores artesanais devem cumprir os requisitos sanitários relacionados as Boas Práticas de Fabricação (BPF), Boas Práticas Agropecuárias (BPA), rastreabilidade, comprovação de fornecedores livres de tuberculose e brucelose ou com comprovação sanitária equivalente. Ou seja, os produtores artesanais precisam possuir controle de seus processos de fabricação com a finalidade de garantir alimentos de qualidade e seguros (BRASIL, 2022).

Os Programas de Autocontrole são definidos pelo Art.10 do RIISPOA (BRASIL, 2017) como:

“XVII - programas de autocontrole - programas desenvolvidos, procedimentos descritos, desenvolvidos, implantados, monitorados e verificados pelo estabelecimento, com vistas a assegurar a inocuidade, a identidade, a qualidade e a integridade dos seus produtos, que incluam, mas que não se limitem aos programas de pré-requisitos, BPF, PPHO e APPCC ou a programas equivalentes reconhecidos pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento”

Como podem observar a citação acima, as BPFs fazem parte dos Programas de Autocontrole. O Decreto nº 9.013/2017 faz abertura para além dos programas de qualidade citados, os estabelecimentos podem implementar outros que sejam equivalentes e reconhecidos pelo Ministério da Agricultura. Portanto, as BPFs, as BPA e a rastreabilidade são autocontroles que os estabelecimentos artesanais de queijos precisam ter implementados.

O que são Boas Práticas de Fabricação?

As BPFs para produtos de origem animal são regulamentadas pela Portaria nº 368/1997, e trata de princípios e de regras que manipuladores de alimentos e toda a cadeia produtiva devem seguir afim de garantirem a qualidade e inocuidade do produto (BRASIL, 1997).

As BPFs dão disposições sobre como devem ser as instalações de fabricação de alimentos, sobre a realização de manutenções e calibrações, medidas de prevenção e de mitigação de perigos físicos, químicos e microbiológicos, potabilidade da água de abastecimento, higiene operacional e higiene individual dos colaboradores, controle de pragas, controle de matéria-prima, manejo de resíduos, análises dos produtos acabados e rastreabilidade (BRASIL, 1997).

A aplicação das BPFs a respeito da instalação vai desde a escolha do tipo material nas paredes, chão, teto, portas e janelas que devem permitir fácil higienização operacional com impossibilidade de acúmulos de resíduos, ou ainda, o planejamento do layout para evitar contaminações cruzadas (BRASIL, 1997).

O planejamento de Manutenções Preventivas possui como finalidade impedir paradas de equipamentos que possam comprometer o processo produtivo e a segurança do alimento. As calibrações têm o propósito de legitimar que aquilo que se mede realmente possui o valor analisado, ando confiabilidade nos resultados diários de temperatura e de outros instrumentos de medição (LUZ et al, 2022).

Avaliar as possibilidades de contaminações físicas, químicas e microbiológicas para os produtores artesanais é umas das etapas com maior ênfase para a segurança dos alimentos, pois por possuírem produção manual a susceptibilidade a riscos dos três tipos (físico, químico e microbiológico) aumenta, pois as salas de manipulação costumam ser desprovidas de aparatos tecnológicos, os tachos para o preparo dos queijos são abertos e mais simples e o próprio manuseio entre uma etapa e outra do produto pode facilitar contaminações (LUZ et al,2022).

A maioria dos produtores artesanais captam água de minas, poços ou poços semiartesianos. Esse tipo de fonte pode traz um aumento do risco microbiológico pois a sua distribuição ao longo da cadeia pode levar a uma contaminação de todo o processo produtivo ou durante a etapa de higienização para os queijos, comprometendo a sua inocuidade. O tratamento da água trata-se de uma das etapas mais importantes, usualmente é feita com cloro, afim de garantir uma correta sanitização (MARQUES, 2019).

Continua depois da publicidade

A etapa de higienização operacional cuida para que a operação seja feita de forma integra e abrangente, com a utilização exata da concentração de saneantes e detergentes. Como os manipuladores de alimentos podem levar a maior parte das contaminações aos queijos, faz-se importante seguirem regras sobre asseio pessoal como evitar barbas, cabelos soltos, esmaltes, maquiagens, unhas cumpridas, higienização das mãos e utilização de uniformes, dentre outras (SILVA et al., 2022).

E as Boas Práticas Agropecuárias para cadeia de leite?

Assemelham-se com as BPFs, pois também são procedimentos e regras com a finalidade de garantirem o fornecimento de leite seguro e com qualidade, e de praxe promover o bem-estar animal e diminuir impactos ambientais.

Por exemplo, o Brasil possui campanhas para evidenciar a segurança da cadeia leiteira, como o Programa Nacional de Qualidade do Leite (PNQL), o Programa Nacional de Controle e Erradicação da Brucelose e Tuberculose Animal (PNCEBT) e as campanhas de vacinação de aftosa. Todas estas medidas agropecuárias possuem o objetivo de levarem segurança a toda população, evitando contaminação por patógenos e também por produtos químicos indesejados como antibióticos (ERHARD et al., 2022).

O bem-estar animal visa atestar que os animais envolvidos na produção leiteira são tratados com dignidade e cuidado, atendendo às suas necessidades de saúde, alimentação e ambiente. Outros requisitos também são preconizados nas BPAs como por exemplo, instalação de ordenha, higienização dos utensílios, equipamentos, exames para mastites, saúde dos retireiros, treinamentos e outros pontos essenciais (ERHARD et al., 2022).

Os benefícios dos autocontroles para produtores de queijos artesanais

O benefício mais evidente comentado até aqui está associado á segurança e à inocuidade dos queijos, visto que a finalidade dos autocontroles previstos para produtores de queijos artesanais visa garantir e minimizar possíveis contaminações em toda cadeia produtiva e não comprometer a saúde pública (SILVA et al, 2022).

O segundo ponto está associado a qualidade dos queijos, sejam eles em termos tecnológicos de identidade do produto, como também manutenção das características sensoriais que diferenciam cada produto artesanal (MARQUES, 2019). Nesta perspectiva, vemos uma padronização de processos aplicada ao procedimento artesanal de fabricação. Toda fabricação de queijos possui etapas, sejam elas artesanais ou não. Padronizar o “jeito artesanal de fazer” também deve ser desenvolvido, pois assim garante que não haja perdas por falta de qualidade sensorial ou devido a uma contaminação por higienização ineficiente.

Documentar e registrar todos os processos envolvidos na elaboração de queijos artesanais faz parte de autocontrole, facilita a rastreabilidade e permite uma identificação rápida de problemas, caso surjam. Além do que, com registros sistemáticos o pequeno produtor pode observar dados que poderiam estar ando despercebidos sobre desperdícios (MARQUES; 2019).

Ao atender os requisitos regulatórios de autocontrole, os estabelecimentos artesanais mantêm seu registro junto ao órgão de inspeção ativo e sem pendências que poderiam discorrer em suspensões ou cancelamento do registro. Seguir com a implementação de autocontrole é a melhor opção para se manter competitivo comercialmente, pois possibilita o alcance nacional ao invés da informalidade e restrição comercial dos produtos ao território de municípios e estados (SILVA, 2022).

Desafios para implementação de programas de autocontrole na produção de queijos artesanais

Precisamos recordar que os produtores artesanais de queijos possuem recursos financeiros mais estreitos e inicialmente, a implementação de programas de autocontrole geram investimentos com treinamentos, equipamentos e utensílios, causando assim uma visão negativa para estes produtores (SILVA et al., 2022).

Os estabelecimentos artesanais muitas vezes possuem mão-de-obra apenas familiar, sem equipe técnica que ajude no entendimento de legislações e da aplicação e implementação dos programas de autocontrole, dificultando que o próprio produtor visualize os benefícios para a sua queijaria. Para tanto, é importante que órgãos públicos forneçam treinamentos a campo sobre o tema e disponibilização de profissional capacitado (MARQUES; 2019).

E falando do estabelecimento para fabricação, as queijarias artesanais não possuem estruturas adequadas para implementar de maneira integral os autocontroles previstos para agroindústrias de pequeno porte como a utilização do mesmo ambiente de processamento para a fabricação de vários produtos. Isso vai de encontro com a possibilidade de contaminação cruzada e desprendimentos financeiros para realização de ajustes estruturais (MARQUES; 2019).

Para finalizar precisamos falar sobre a resistência à mudança que muitos produtores artesanais possuem, pois em suas percepções, realizar procedimentos e registros fazem perder a sua tradicionalidade, o que o diferencia como produtor artesanal (SILVA et al., 2022). Claro que o objetivo do autocontrole não é perder a tradicionalidade na elaboração dos queijos, mas sim de garantir segurança e qualidade a todos que consumirem queijos artesanais.

 

Gostou do conteúdo? Deixe seu like e seu comentário, isso nos ajuda a saber que conteúdos são mais interessantes para você.
 

Autores

Ana Cristina Lopes dos Santos - Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia do Leite e Derivados, Universidade Federal de Juiz de Fora.

Marcelo Henrique Otenio - Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia do Leite e Derivados, Universidade Federal de Juiz de Fora, Embrapa Gado de Leite.

Sara Pimenta Resende - PUC-Minas

Marta Fonseca Martins - Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia do Leite e Derivados, Universidade Federal de Juiz de Fora, Embrapa Gado de Leite.

 

 

Referências bibliográficas

J.P.A. Araújo, & A.C. Camargo, & Carvalho, Antonio & L.A. Nero, (2020). Uma análise histórico-crítica sobre o desenvolvimento das normas brasileiras relacionadas a queijos artesanais. Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia. 72. 1845-1860. 10.1590/1678-4162-11766.

BRASIL. Lei n° 13.860 de 18 de julho de 2019. Dispõe sobre a elaboração e a comercialização de queijos artesanais e dá outras providências. Brasília, DF, 2019.

BRASIL. Decreto nº 9.013, de 29 de março de 2017. Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal. Brasília, DF, 2017.

BRASIL. Portaria nº 368 de 04 de setembro de 1997. Regulamento Técnico sobre as condições Higiênico-Sanitárias e de Boas Práticas de Fabricação para Estabelecimentos Elaboradores/Industrializadores de Alimentos. Brasília, DF, 1997.

BRASIL. Portaria nº 146 de 07 de março de 1996. Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade dos Produtos Lácteos. Brasília, DF, 1997.

BRASIL. Decreto nº 30.691, de 29 de março de 1952. Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal. Brasília, DF, 1952.

BRASIL. Decreto nº 5.741, de 30 de março de 2006. Regulamenta os artigos. 27-A, 28-A e 29-A da Lei no 8.171, de 17 de janeiro de 1991, organiza o Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária, e dá outras providências. Brasília, DF, 2006.

Silva, Lavínia & Nascimento, Daniel & Silva, Romário & Andrade, Horasa & Andrade, Luciano. (2022). Boas práticas na produção de queijos artesanais: uma revisão sistemática da literatura. Diversitas Journal. 7. 639-651. 10.48017/dj.v7i2.1994.

Luz, Patrícia & Silva, Gabriela & Zanetti, Leonardo & Vieira, Natália & Andrighetto, Cristiana. (2022). Qualidade física, química e microbiológica do queijo Minas Frescal produzido artesanalmente e por diferentes laticínios da região de Presidente Prudente. Caderno de Ciências Agrárias. 14. 1-8. 10.35699/2447-6218.2022.36920.

Erhard, Magnólia & Fröder, Hans & Oliveira, Wemerson & Ströher, Jeferson & Savergnini, Paulo & Santos, Victória & Silvia Pereira dos Santos Richards, Neila. (2022). Avaliação físico-química e microbiológica de queijos artesanais a partir de leite cru e verificação de boas práticas em propriedades rurais no Vale do Taquari-RS. Research, Society and Development. 11. e253111335290. 10.33448/rsd-v11i13.35290.

Marques, Caroline. (2019). Capítulo 3 - Boas Práticas de Fabricação (BPF) na fabricação de queijos. n book: Cartilha de Segurança alimentar na produção de queijos. Queijo colonial artesanal. Edition: 2Chapter: 3, Publisher: Grafisul. Francisco Beltrão, PR.

 
QUER AR O CONTEÚDO? É GRATUITO!

Para continuar lendo o conteúdo entre com sua conta ou cadastre-se no MilkPoint.

Tenha o a conteúdos exclusivos gratuitamente!

Ícone para ver comentários 0
Ícone para curtir artigo 7

Publicado por:

Foto MilkPoint

MilkPoint

O MilkPoint é maior portal sobre mercado lácteo do Brasil. Especialista em informações do agronegócio, cadeia leiteira, indústria de laticínios e outros.

Deixe sua opinião!

Foto do usuário

Todos os comentários são moderados pela equipe MilkPoint, e as opiniões aqui expressas são de responsabilidade exclusiva dos leitores. Contamos com sua colaboração.

Qual a sua dúvida hoje?