De acordo com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Meneses, 2006), a produção de queijos artesanais no Brasil teve início no século XVIII, com a chegada dos portugueses que buscavam as riquezas na região de Minas Gerais.
Por todo o Brasil, especialmente em Minas Gerais, a produção de queijos artesanais se expandiu e diversificou, levando consigo uma rica mistura de culturas, conhecimentos e histórias. Hoje, essa tradição persiste em todo o território nacional, majoritariamente nas mãos de pequenos produtores rurais e suas famílias, desempenhando um papel crucial na economia, cultura e sociedade brasileira.
Cada região do Brasil é marcada por uma diversidade de queijos, com processos de produção e receitas únicas, que variam entre métodos tradicionais e inovadores (Chaves et al., 2021).
A composição do queijo, incluindo a umidade, pH e concentração de sal, desempenha um papel crucial na qualidade final do produto. Além disso, o tipo e a concentração da microbiota presente no pingo e no coagulante adicionado, bem como a temperatura e a umidade do local de maturação, são fatores determinantes nesse processo.
Figuras 1 e 2. Queijos Artesanais Mantiqueira de Minas em processo de maturação.
Fonte: Acervo pessoal.
A prevenção e a correção dos defeitos são mais difíceis na fabricação dos queijos artesanais, se comparadas aos queijos de leite pasteurizado. Isso ocorre visto que nos queijos artesanais, a matéria prima principal, ou seja, o leite, não pode ser padronizada como acontece na indústria.
O leite não apresenta padrão físico-químico constante e pode variar ainda mais com as diferentes estações do ano. Também não são permitidas outras etapas que padronizam o produto, como a pasteurização, o acréscimo de fermento industrial, o aumento da temperatura de coagulação, dentre outros. Portanto, cabe ao artesão ou queijeiro responsável pela produção adequar a técnica de fabricação aos diferentes tipos de leite produzidos ao longo do ano e às temperaturas e condições ambientais da fabricação e maturação para obter queijos com a qualidade que se deseja (Sobral et al., 2017).
Nos últimos anos, agências federais têm publicado regulamentações essenciais para alimentos artesanais no Brasil. A Lei Federal 13.680, de 14 de junho de 2018, estabeleceu regras para a produção e comercialização desses alimentos (Brasil, 2018). O Decreto 9.918, de 18 de julho de 2019, abordou a certificação ARTE para queijos artesanais (Selo ARTE) (Brasil, 2019a). Subsequentemente, outras normas complementares sobre a certificação ARTE foram publicadas (Brasil, 2019b, Brasil, 2019c). Em Minas Gerais, o Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA), vinculado ao Ministério da Agricultura e Pecuária, estabeleceu suas próprias normas e diretrizes técnicas para a produção e inspeção de Queijo Artesanal Mineiro (QAM).
Figura 3. Mapa dos Queijos Artesanais de Minas Gerais.
Fonte: EMATER-MG (2022).
A Instrução Normativa nº 73, de 23 de dezembro de 2019 (IN 73/2019), do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), aprovou o regulamento técnico de Boas Práticas Agropecuárias (BPA), focando especialmente no aspecto sanitário dos rebanhos dos produtores de queijo artesanal. No entanto, as BPA abrangem não apenas a sanidade dos rebanhos leiteiros, mas também a gestão da propriedade, o bem estar animal, a higiene pessoal, a saúde das famílias e colaboradores, e a sustentabilidade ambiental (Brasil, 2019).
A adoção das BPA em aspectos sanitários permite que a produção de leite e seus derivados atenda às mais altas expectativas dos consumidores em relação à qualidade e segurança dos queijos artesanais. Os aspectos sanitários da IN 73/2019 são voltados para doenças que afetam tanto a produção quanto a saúde dos consumidores, como brucelose, tuberculose e mastite. É importante destacar que brucelose e tuberculose estão contempladas no Programa Nacional de Controle e Erradicação da Brucelose e Tuberculose Animal (PNCEBT) do Mapa, com medidas de controle, prevenção e erradicação estabelecidas de acordo com cada Estado (Chaves et al., 2021).
Figura 4. Cronologia das regulamentações relativas à produção e comercialização de queijos artesanais.
Fonte: Elaborado pelos autores (2024).
As medidas sanitárias que devem ser aplicadas em rebanhos produtores de leite para a fabricação de queijo artesanal incluem a prevenção da entrada de doenças na propriedade por meio de exames de animais adquiridos; o estabelecimento de um programa efetivo de manejo sanitário no rebanho; a utilização de produtos químicos e de medicamentos veterinários conforme orientação técnica; a garantia de que a rotina de ordenha não lesione os animais ou introduza contaminantes no leite, e de que seja realizada em condições higiênicas; e a manipulação adequada do leite e do queijo artesanal. Além disso, para manter os animais produtivos e sadios, é fundamental a implementação de práticas de bem-estar, de forma a garantir que os animais estejam livres de sede e fome, desconforto, dor, injúrias, doenças e medo. Assim, deve-se promover condições para que os animais sigam padrões normais de comportamento(Chaves et al., 2021).
A produção de leite e a fabricação de queijos artesanais devem ser integradas, implementando as boas práticas de fabricação (BPF) para garantir a qualidade desejada. Conforme o Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (RIISPOA), as BPF são definidas como "condições e procedimentos higiênico-sanitários e operacionais sistematizados, aplicados em todo o fluxo de produção, com o objetivo de garantir a inocuidade, a identidade, a qualidade e a integridade dos produtos de origem animal" (Brasil, 2021).
Essas práticas consistem em um conjunto de ações simples e eficazes para a manipulação, armazenagem e transporte de insumos, matérias-primas, embalagens, utensílios, equipamentos e produtos acabados. Isso também inclui o planejamento das instalações físicas das áreas de processamento e seus arredores, bem como a adequação dos ambientes e a circulação de pessoal (SEBRAE, 2021).
Além disso, a abrangência das BPF envolve o controle de outras operações dentro da unidade de processamento, tais como as manutenções preventivas, calibrações de equipamentos e a rastreabilidade do produto. Os proprietários das queijarias são os maiores responsáveis pela garantia dos procedimentos de higiene do estabelecimento e devem assegurar que todos os envolvidos na elaboração do produto sigam esses procedimentos de forma padronizada. Isso inclui todos os membros da família e os eventuais funcionários ou colaboradores contratados. Todos devem ser adequadamente capacitados para conhecer e aplicar efetivamente as BPF (Chaves et al., 2021).
Assim, a adoção das BPF é essencial para garantir que os queijos artesanais não se tornem veículos de microrganismos indesejáveis e toxinas, ou seja, produtos seguros para a saúde do consumidor. Quanto maior o cuidado com a higiene, menor a contaminação microbiana e melhor a qualidade do produto final. Isso resulta em um maior tempo de vida útil do produto e em características sensoriais mais atrativas para o paladar do consumidor (Guimarães et al., 2021).
Planilhas e checklists de conformidade e não conformidades é crucial para a verificação e monitoramento dos processos na produção de queijos artesanais. Esses instrumentos ajudam os produtores a identificar áreas que precisam de melhorias e a elaborar planos de ação para aprimorar a segurança e a qualidade do produto. Implementar os requisitos das Boas Práticas de Fabricação (BPF) em todas as etapas de produção é essencial para garantir que os queijos artesanais atendam aos padrões de excelência. Dessa forma, não só se assegura a qualidade e segurança alimentar, mas também se preserva a rica tradição artesanal dos queijos brasileiros, valorizando o trabalho dos pequenos produtores e contribuindo para a sustentabilidade econômica e cultural.
Como leitura complementar, recomendamos o conteúdo das Cartilhas confeccionadas pela EPAMIG – Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais.
Figura 5. Cartilhas:
Boas Práticas de Fabricação e Boas Práticas de Ordenha
Guia para Verificação das Boas Práticas de Fabricação na Produção de Queijo Artesanal e Guia para Verificação das Boas Práticas Agropecuárias na Produção de Queijo Artesanal
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Agradecimentos:
A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) e a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais – Instituto de Laticínios Cândido Tostes (EPAMIG-ILCT).
Referências
ARAÚJO, J. P. A. et al. Uma análise histórico-crítica sobre o desenvolvimento das normas brasileiras relacionadas a queijos artesanais. Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia, v.72, n.5, p.1845-1860, 2020.
BRASIL. Decreto nº 9.013, de 29 de março de 2017. Regulamentaa Lei nº 1.283, de 18 de dezembro de 1950, e a Lei nº 7.889, de23 de novembro de 1989, que dispõem sobre a inspeção industriale sanitária de produtos de origem animal. Diário Oficial daUnião, 30 mar. 2017. Seção 1, n. 62, p. 3. Disponívelem:https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=1&data=30/03/2017&pagina=3.
Brasil. (2019) Decreto n° 9.918 de 18 de julho de 2019. Regulamenta o art. 10-A da Lei n° 1.283, de 18 de dezembro de 1950, que dispõe sobre o processo de fiscalização de produtos alimentícios de origem animal produzidos de forma artesanal. Diário oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano 131, n. 138, p. 1, 19 jul. 2019. Brasil. (2019) Lei n° 13.860 de 18 de julho de 2019. Dispõe sobre a elaboração e comercialização de queijos artesanais e dá outras providências. Diário oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano 131, n. 138, p. 1, 19 jul. 2019.
BRASIL. Lei nº 13.680, de 14 de junho de 2018. Altera a Lei nº1.283, de 18 de dezembro de 1950, para dispor sobre o processode fiscalização de produtos alimentícios de origem animalproduzidos de forma artesanal. Diário Oficial da União, 15 jun.2018. Seção 1, n. 114, p. 2. Atos do Poder Legislativo. Disponível em:https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=15/06/2018&jornal=515&pagina=2.
IMA- Instituto Mineiro de Agropecuária (2020a). Portaria nº 1986, de 16 de junho de 2020. Identifica o município de Alagoa como produtor do Queijo Artesanal de Alagoa.
IMA- Instituto Mineiro de Agropecuária (2020a). Portaria nº 2049, de 07 de abril de 2021. Estabelece o Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade do Queijo Artesanal Mantiqueira de Minas.
Minas Gerais. Lei 20.549 de 18 de dezembro de 2012. Dispõe sobre a produção e a comercialização dos queijos artesanais de Minas Gerais. Minas Gerais, Belo Horizonte, 19 dez. 2012. Diário do Executivo. Minas Gerais. Lei nº 23.157 de 18 de dezembro de 2018. Dispõe sobre a produção e a comercialização dos queijos artesanais de Minas Gerais. Minas Gerais, Belo Horizonte, 18 dez. 2018. Diário do Executivo.
CHAVES, A. C. S. D.; STEHLING, C. A. do V.; SOUZA, G. N. de; SANTOS, L. C. R. dos; GOMES, P. B.; CASTRO, R. A. B. de; MONTEIRO, R. P.; FERREIRA, V. R.Queijos artesanais brasileiros. 2021.
MENESES, J. N. C. Queijo artesanal de minas: patrimônio cultural do Brasil. Belo Horizonte: Iphan, 2006. v. 1, 156 p.
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