ticas-na-cadeia-de-queijos-artesanais-237785/" />

Regulamentações e BPF na cadeia de queijos artesanais

O Brasil é marcado por uma variedade de queijos, com processos e receitas diversas, mas a regulamentação e as Boas Práticas de Fabricação devem ser uma só.

Publicado por: vários autores

Publicado em: - 9 minutos de leitura

Ícone para ver comentários 0
Ícone para curtir artigo 8

De acordo com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Meneses, 2006), a produção de queijos artesanais no Brasil teve início no século XVIII, com a chegada dos portugueses que buscavam as riquezas na região de Minas Gerais.

Por todo o Brasil, especialmente em Minas Gerais, a produção de queijos artesanais se expandiu e diversificou, levando consigo uma rica mistura de culturas, conhecimentos e histórias. Hoje, essa tradição persiste em todo o território nacional, majoritariamente nas mãos de pequenos produtores rurais e suas famílias, desempenhando um papel crucial na economia, cultura e sociedade brasileira.

Cada região do Brasil é marcada por uma diversidade de queijos, com processos de produção e receitas únicas, que variam entre métodos tradicionais e inovadores (Chaves et al., 2021).

A composição do queijo, incluindo a umidade, pH e concentração de sal, desempenha um papel crucial na qualidade final do produto. Além disso, o tipo e a concentração da microbiota presente no pingo e no coagulante adicionado, bem como a temperatura e a umidade do local de maturação, são fatores determinantes nesse processo.

Figuras 1 e 2. Queijos Artesanais Mantiqueira de Minas em processo de maturação.

Queijos Artesanais Mantiqueira de Minas em processo de maturação.
Fonte: Acervo pessoal.

A prevenção e a correção dos defeitos são mais difíceis na fabricação dos queijos artesanais, se comparadas aos queijos de leite pasteurizado. Isso ocorre visto que nos queijos artesanais, a matéria prima principal, ou seja, o leite, não pode ser padronizada como acontece na indústria.

O leite não apresenta padrão físico-químico constante e pode variar ainda mais com as diferentes estações do ano. Também não são permitidas outras etapas que padronizam o produto, como a pasteurização, o acréscimo de fermento industrial, o aumento da temperatura de coagulação, dentre outros. Portanto, cabe ao artesão ou queijeiro responsável pela produção adequar a técnica de fabricação aos diferentes tipos de leite produzidos ao longo do ano e às temperaturas e condições ambientais da fabricação e maturação para obter queijos com a qualidade que se deseja (Sobral et al., 2017).

Nos últimos anos, agências federais têm publicado regulamentações essenciais para alimentos artesanais no Brasil. A Lei Federal 13.680, de 14 de junho de 2018, estabeleceu regras para a produção e comercialização desses alimentos (Brasil, 2018). O Decreto 9.918, de 18 de julho de 2019, abordou a certificação ARTE para queijos artesanais (Selo ARTE) (Brasil, 2019a). Subsequentemente, outras normas complementares sobre a certificação ARTE foram publicadas (Brasil, 2019b, Brasil, 2019c). Em Minas Gerais, o Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA), vinculado ao Ministério da Agricultura e Pecuária, estabeleceu suas próprias normas e diretrizes técnicas para a produção e inspeção de Queijo Artesanal Mineiro (QAM).

Figura 3. Mapa dos Queijos Artesanais de Minas Gerais.

 Mapa dos Queijos Artesanais de Minas Gerais.
Fonte: EMATER-MG (2022).

 

A Instrução Normativa nº 73, de 23 de dezembro de 2019 (IN 73/2019), do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), aprovou o regulamento técnico de Boas Práticas Agropecuárias (BPA), focando especialmente no aspecto sanitário dos rebanhos dos produtores de queijo artesanal. No entanto, as BPA abrangem não apenas a sanidade dos rebanhos leiteiros, mas também a gestão da propriedade, o bem estar animal, a higiene pessoal, a saúde das famílias e colaboradores, e a sustentabilidade ambiental (Brasil, 2019).

Continua depois da publicidade

A adoção das BPA em aspectos sanitários permite que a produção de leite e seus derivados atenda às mais altas expectativas dos consumidores em relação à qualidade e segurança dos queijos artesanais. Os aspectos sanitários da IN 73/2019 são voltados para doenças que afetam tanto a produção quanto a saúde dos consumidores, como brucelose, tuberculose e mastite. É importante destacar que brucelose e tuberculose estão contempladas no Programa Nacional de Controle e Erradicação da Brucelose e Tuberculose Animal (PNCEBT) do Mapa, com medidas de controle, prevenção e erradicação estabelecidas de acordo com cada Estado (Chaves et al., 2021).

Figura 4. Cronologia das regulamentações relativas à produção e comercialização de queijos artesanais.

Cronologia das regulamentações relativas à produção e comercialização de queijos artesanais.
Fonte: Elaborado pelos autores (2024).

As medidas sanitárias que devem ser aplicadas em rebanhos produtores de leite para a fabricação de queijo artesanal incluem a prevenção da entrada de doenças na propriedade por meio de exames de animais adquiridos; o estabelecimento de um programa efetivo de manejo sanitário no rebanho; a utilização de produtos químicos e de medicamentos veterinários conforme orientação técnica; a garantia de que a rotina de ordenha não lesione os animais ou introduza contaminantes no leite, e de que seja realizada em condições higiênicas; e a manipulação adequada do leite e do queijo artesanal. Além disso, para manter os animais produtivos e sadios, é fundamental a implementação de práticas de bem-estar, de forma a garantir que os animais estejam livres de sede e fome, desconforto, dor, injúrias, doenças e medo. Assim, deve-se promover condições para que os animais sigam padrões normais de comportamento(Chaves et al., 2021).

A produção de leite e a fabricação de queijos artesanais devem ser integradas, implementando as boas práticas de fabricação (BPF) para garantir a qualidade desejada. Conforme o Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (RIISPOA), as BPF são definidas como "condições e procedimentos higiênico-sanitários e operacionais sistematizados, aplicados em todo o fluxo de produção, com o objetivo de garantir a inocuidade, a identidade, a qualidade e a integridade dos produtos de origem animal" (Brasil, 2021).

Essas práticas consistem em um conjunto de ações simples e eficazes para a manipulação, armazenagem e transporte de insumos, matérias-primas, embalagens, utensílios, equipamentos e produtos acabados. Isso também inclui o planejamento das instalações físicas das áreas de processamento e seus arredores, bem como a adequação dos ambientes e a circulação de pessoal (SEBRAE, 2021). 

Além disso, a abrangência das BPF envolve o controle de outras operações dentro da unidade de processamento, tais como as manutenções preventivas, calibrações de equipamentos e a rastreabilidade do produto. Os proprietários das queijarias são os maiores responsáveis pela garantia dos procedimentos de higiene do estabelecimento e devem assegurar que todos os envolvidos na elaboração do produto sigam esses procedimentos de forma padronizada. Isso inclui todos os membros da família e os eventuais funcionários ou colaboradores contratados. Todos devem ser adequadamente capacitados para conhecer e aplicar efetivamente as BPF (Chaves et al., 2021).

Assim, a adoção das BPF é essencial para garantir que os queijos artesanais não se tornem veículos de microrganismos indesejáveis e toxinas, ou seja, produtos seguros para a saúde do consumidor. Quanto maior o cuidado com a higiene, menor a contaminação microbiana e melhor a qualidade do produto final. Isso resulta em um maior tempo de vida útil do produto e em características sensoriais mais atrativas para o paladar do consumidor (Guimarães et al., 2021).

Planilhas e checklists de conformidade e não conformidades é crucial para a verificação e monitoramento dos processos na produção de queijos artesanais. Esses instrumentos ajudam os produtores a identificar áreas que precisam de melhorias e a elaborar planos de ação para aprimorar a segurança e a qualidade do produto. Implementar os requisitos das Boas Práticas de Fabricação (BPF) em todas as etapas de produção é essencial para garantir que os queijos artesanais atendam aos padrões de excelência. Dessa forma, não só se assegura a qualidade e segurança alimentar, mas também se preserva a rica tradição artesanal dos queijos brasileiros, valorizando o trabalho dos pequenos produtores e contribuindo para a sustentabilidade econômica e cultural.

Como leitura complementar, recomendamos o conteúdo das Cartilhas confeccionadas pela EPAMIG – Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais.

Figura 5. Cartilhas:

Boas práticas de fabricação e boas práticas da ordenha
Boas Práticas de Fabricação e Boas Práticas de Ordenha

 

Boas práticas de fabricação de queijos e boas práticas agropecuárias
Guia para Verificação das Boas Práticas de Fabricação na Produção de Queijo Artesanal e Guia para Verificação das Boas Práticas Agropecuárias na Produção de Queijo Artesanal

 

 

Gostou do conteúdo? Deixe seu like e seu comentário, isso nos ajuda a saber que conteúdos são mais interessantes para você.

 

Agradecimentos:

A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) e a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais – Instituto de Laticínios Cândido Tostes (EPAMIG-ILCT).


Referências

ARAÚJO, J. P. A. et al. Uma análise histórico-crítica sobre o desenvolvimento das normas brasileiras relacionadas a queijos artesanais. Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia, v.72, n.5, p.1845-1860, 2020.

BRASIL. Decreto nº 9.013, de 29 de março de 2017. Regulamentaa Lei nº 1.283, de 18 de dezembro de 1950, e a Lei nº 7.889, de23 de novembro de 1989, que dispõem sobre a inspeção industriale sanitária de produtos de origem animal. Diário Oficial daUnião, 30 mar. 2017. Seção 1, n. 62, p. 3. Disponívelem:https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=1&data=30/03/2017&pagina=3. 

Brasil. (2019) Decreto n° 9.918 de 18 de julho de 2019. Regulamenta o art. 10-A da Lei n° 1.283, de 18 de dezembro de 1950, que dispõe sobre o processo de fiscalização de produtos alimentícios de origem animal produzidos de forma artesanal. Diário oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano 131, n. 138, p. 1, 19 jul. 2019. Brasil. (2019) Lei n° 13.860 de 18 de julho de 2019. Dispõe sobre a elaboração e comercialização de queijos artesanais e dá outras providências. Diário oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano 131, n. 138, p. 1, 19 jul. 2019.

BRASIL. Lei nº 13.680, de 14 de junho de 2018. Altera a Lei nº1.283, de 18 de dezembro de 1950, para dispor sobre o processode fiscalização de produtos alimentícios de origem animalproduzidos de forma artesanal. Diário Oficial da União, 15 jun.2018. Seção 1, n. 114, p. 2. Atos do Poder Legislativo. Disponível em:https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=15/06/2018&jornal=515&pagina=2. 

IMA- Instituto Mineiro de Agropecuária (2020a). Portaria nº 1986, de 16 de junho de 2020. Identifica o município de Alagoa como produtor do Queijo Artesanal de Alagoa.

IMA- Instituto Mineiro de Agropecuária (2020a). Portaria nº 2049, de 07 de abril de 2021. Estabelece o Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade do Queijo Artesanal Mantiqueira de Minas. 

Minas Gerais. Lei 20.549 de 18 de dezembro de 2012. Dispõe sobre a produção e a comercialização dos queijos artesanais de Minas Gerais. Minas Gerais, Belo Horizonte, 19 dez. 2012. Diário do Executivo. Minas Gerais. Lei nº 23.157 de 18 de dezembro de 2018. Dispõe sobre a produção e a comercialização dos queijos artesanais de Minas Gerais. Minas Gerais, Belo Horizonte, 18 dez. 2018. Diário do Executivo.

CHAVES, A. C. S. D.; STEHLING, C. A. do V.; SOUZA, G. N. de; SANTOS, L. C. R. dos; GOMES, P. B.; CASTRO, R. A. B. de; MONTEIRO, R. P.; FERREIRA, V. R.Queijos artesanais brasileiros. 2021.

MENESES, J. N. C. Queijo artesanal de minas: patrimônio cultural do Brasil. Belo Horizonte: Iphan, 2006. v. 1, 156 p.

SEBRAE, EMBRAPA. Queijos artesanais brasileiros. 2021. Disponível em: https://www.infoteca.cnptia.embrapa.br/infoteca/bitstream/doc/1135036/1/Guia-de-Negocio-Queijos-Artesanais.pdf

SLOW FOOD BRASIL. Queijo artesanal de leite cru. Disponível em: https://slowfoodbrasil.org/temas-campanhas/queijo-artesanal-de-leite-cru/#materiais.

SOBRAL, D. et al. Principais defeitos em queijo Minas artesanal: uma revisão. Revista Instituto Laticínios Cândido Tostes. Juiz de Fora, v. 72, n. 2, p. 108-120, 2017.

SOBRAL, D. et al. Os queijos Minas artesanais – uma breve revisão. 2022.

TEODORO, V. A. M.; SILVA, J. F.; PINTO, M. S. A. Evolução da legislação no setor de lácteos no Brasil. Informe Agropecuário. Belo Horizonte, v. 28, n. 238, p. 14-21, 2007.

QUER AR O CONTEÚDO? É GRATUITO!

Para continuar lendo o conteúdo entre com sua conta ou cadastre-se no MilkPoint.

Tenha o a conteúdos exclusivos gratuitamente!

Ícone para ver comentários 0
Ícone para curtir artigo 8

Material escrito por:

Thais Sales Antunes

Thais Sales Antunes

ar todos os materiais
Alessandra Salimena

Alessandra Salimena

Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais / Instituto de Laticínios Cândido Tostes.

ar todos os materiais
Junio Cesar J. de Paula

Junio Cesar J. de Paula

Professor e Pesquisador da Epamig Instituto de Laticínios Cândido Tostes

ar todos os materiais
Leticia Scafutto de Faria

Leticia Scafutto de Faria

ar todos os materiais
Ana Carolina de Oliveira Tavares

Ana Carolina de Oliveira Tavares

ar todos os materiais
DENISE SOBRAL

DENISE SOBRAL

Engenheira de Alimentos, DSc. Professora e Pesquisadora da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (EPAMIG) - Instituto de Laticínios Cândido Tostes (ILCT).

ar todos os materiais
Renata Golin Bueno Costa

Renata Golin Bueno Costa

Engenheira de Alimentos, DSc. Professora e pesquisadora na Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (EPAMIG) - Instituto de Laticínios Cândido Tostes (ILCT).

ar todos os materiais
Kely de Paula Correa

Kely de Paula Correa

Professora/pesquisadora do Instituto de Laticínios Cândido Tostes - EPAMIG-MG.

ar todos os materiais
Vanessa Aglaê Martins Teodoro

Vanessa Aglaê Martins Teodoro

ar todos os materiais

Deixe sua opinião!

Foto do usuário

Todos os comentários são moderados pela equipe MilkPoint, e as opiniões aqui expressas são de responsabilidade exclusiva dos leitores. Contamos com sua colaboração.

Qual a sua dúvida hoje?