“O que é leite?” “Por que o leite é branco?” “Como se produz leite sem lactose?” “Como é possível transformar leite em queijo?” Essas e muitas outras questões do universo lácteo são respondidas por uma importante ciência: a química do leite!
O leite é um alimento rico em nutrientes importantes para a manutenção da saúde e isso não é segredo para ninguém. Mas a definição exata de leite ainda pode ser um mistério para muitas pessoas. O leite é muito mais que um líquido branco, opaco e homogêneo a olho nu... o leite é um sistema muito complexo!
Físico-quimicamente, o leite pode ser definido como um sistema coloidal composto por uma fase contínua (constituída por uma solução de água, lactose, vitaminas e sais minerais solúveis) e várias fases dispersas, que são os glóbulos de gordura, as micelas de caseína e cada uma das proteínas do soro (α-lactoalbumina (α-la), β-lactoglobulina (β-lg), albumina do soro bovino (BSA), etc.). A Figura 1 ilustra o leite como um sistema coloidal.
Figura 1. Esquema do leite como um sistema coloidal com sua fase contínua (solução) e suas fases dispersas.
Fonte: autoras.
Por que o leite é branco?
A complexidade físico-química do leite é responsável por grande parte de suas propriedades. Por exemplo, nós enxergamos o leite como um líquido de cor branca porque as micelas de caseína (diâmetros médios entre 50 e 250 nanômetros) e os glóbulos de gordura (diâmetros médios entre 2 e 6 micrômetros), as maiores partículas que compõem o leite, espalham a luz no espectro visível e, assim, são responsáveis pelo aspecto branco do leite (MILOVANOVIC et al., 2021).
Como produz leite sem lactose?
Outro aspecto em que a química está presente é na composição de carboidratos do leite. A lactose, carboidrato exclusivo do leite, é um dissacarídeo composto por uma unidade de glicose e uma unidade de galactose unidas por uma ligação glicosídica β-1,4.
A adição de uma enzima chamada β-galactosidase, mais conhecida como lactase, promove a hidrólise dessa ligação química e, então, o leite a a conter glicose e galactose livres solubilizadas em sua fase contínua. Essa tecnologia possibilita o consumo de leite e derivados por pessoas intolerantes à lactose, mas também pode alterar propriedades desses produtos, como gosto (doçura um pouco maior) e cor (escurecimento).
O escurecimento de produtos lácteos, como o doce de leite, é outro processo em que a química está presente: a reação do grupo aldeído da lactose (um açúcar redutor) com o grupo ε-amino do aminoácido lisina dá início à reação de escurecimento chamada Reação de Maillard.
Quando glicose e galactose, que também são açúcares redutores, estão livres no leite, maior é a extensão dessa reação (DAMODARAN; PARKIN; FENNEMA, 2008). Na prática, isso pode ser facilmente observado em produtos “zero lactose”, que apresentam coloração levemente mais escura do que aqueles com a lactose não hidrolisada.
Como leite se transforma em queijo?
E os queijos? De forma resumida, o queijo pode ser definido como um produto lácteo obtido por separação parcial do soro do leite por coagulação (enzimática ou ácida) das proteínas presentes no leite, promovendo a agregação das micelas de caseína. A ricota é obtida pela adição de ácido e aplicação de energia na forma de calor ao soro do leite, promovendo a desnaturação e precipitação das proteínas. Ou seja, pura química!
Qual a importância das propriedades físico-químicas do leite?
Não podemos deixar de mencionar as propriedades físico-químicas do leite, que são utilizadas para determinação de parâmetros de qualidade do leite e derivados, além serem fundamentais para a determinação de condições de fluxo, bomba, tratamento térmico e até na escolha da embalagem! Tomando como exemplo apenas a viscosidade.
Esta propriedade influencia na taxa de transferência de energia na forma de calor e, consequentemente, na escolha do trocador de calor utilizado; na velocidade de formação de cristais de lactose em doce de leite; no escoamento de um produto, por exemplo, o iogurte da sua embalagem (portanto, na escolha do design da embalagem), na aceitação sensorial de produtos, o que faz com que um produto “zero gordura” contenha ingredientes conhecidos como “substitutos de gordura”, dentre muitos outros fatores.
A química está presente em muitos aspectos e transformações do leite e produtos lácteos. Portanto, estudar a química do leite e compreendê-lo como um sistema coloidal permite avanços no desenvolvimento e aperfeiçoamento de produtos lácteos, modulação de propriedades desejáveis e também o desenvolvimento de produtos em outras áreas, como a farmacêutica. O conhecimento da química do leite confere liberdade a uma aplicação tecnológica eficiente do leite!