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Internet das coisas: o futuro digital dos laticínios

A IoT fornece novas oportunidades em diferentes domínios na cadeia produtiva de produtos lácteos, mas existem diversos desafios que devem ser superados.

Publicado por: vários autores

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Os lácteos fazem parte da categoria de alimentos mais consumida mundialmente de acordo com um levantamento da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (ROTINA DIGITAL, 2019).

Em meio a diversificada indústria de laticínios, garantir a eficiência, rastreabilidade e a segurança alimentar por meio de tecnologias emergentes tornaram-se fatores chaves em toda cadeia de suprimentos.

No contexto da 4ª geração industrial (Indústria 4.0), as informações são facilmente obtidas e compartilhadas por meio de máquinas inteligentes que promovem a integração e digitalização das operações unitárias, proporcionando uma tomada de decisão rápida e assertiva (HERNAVS et al., 2018; WANG et al., 2018).

A indústria 4.0 pode ser definida como o conjunto de tecnologias, dispositivos e processos com modelos de produção capazes de operar de forma integrada, ao longo das várias fases do processo de produção ou dos diversos níveis da cadeia de abastecimento, para uma produção autossuficiente, com operações integradas, decisões descentralizadas e mínima intervenção humana (BELTRAMI et al., 2021).

Impulsionada pela computação de baixo custo, big data e tecnologias móveis, a Internet das Coisas (IoT, do inglês internet of things), no contexto da indústria 4.0, vem ganhando proeminência nas décadas recentes.

A IoT pode ser definida como uma rede composta por pontos únicos e identificáveis “coisas” que capturam e compartilham dados (NORD; KOOHANG; PALISZKIEWICZ, 2019). Baseado na interconexão de máquinas e dispositivos através da Internet, a tecnologia IoT fornece soluções inovadoras e apoia decisões relacionadas a diferentes negócios em todo mundo (KUMAR; TIWARI; ZYMBLER, 2019).

A ideia da IoT é criar uma rede aberta e abrangente de dispositivos capazes de organizar e compartilhar recursos e dados automaticamente, bem como ser flexível para se adaptar a situações de mudança (MADAKAM et al., 2015).

O uso da IoT na cadeia produtiva de alimentos foi mencionado como uma das novas áreas mais promissoras com aplicações na agricultura de precisão, produção de alimentos, processamento, armazenamento, desafios de distribuição, consumo, rastreabilidade, visibilidade e controle (SAINT-EXUPERY, 2009).

No âmbito industrial, a comunicação sem fio de máquina para automação e controle encontram na tecnologia IoT promissora aplicabilidade, cuja instrumentação envolve tecnologias de nuvem. Por exemplo, qualquer dispositivo com alguns sensores (temperatura, luz, movimento, localização, etc.) acoplado a um meio de comunicação (Bluetooth, RFID, 4G, etc.) está inserido no conceito IoT (BOUZEMBRAK et al., 2019). 

A indústria de laticínios caracterizada por operações automatizadas com muitos sensores em toda linha apresenta grande quantidade de fluxo de dados, mas com informações pouco integradas, sendo cabível o desenvolvimento de sistemas de coleta, integração, gerenciamento e análise de dados em tempo real para práticas relevantes (CABRERA et al., 2020).

Desde a ordenha é possível desenvolver ferramentas integradas para monitorar condições sanitárias, dieta e saúde dos rebanhos, permitindo que estes dados sejam correlacionados com a composição centesimal do leite.

De acordo com Cabrera et al. (2020), tal sistema definido como “cérebro lácteo” permite a tomada de decisão contínua por meio do monitoramento em tempo real, análise de dados e utilização da IoT. Segundo Righi et al. (2020) existe uma lacuna de pesquisa para propor e avaliar modelos computacionais para automatizar e individualizar a alimentação dos animais e seu impacto sobre a produção leiteira.

Os autores propam o modelo MooCare, projetado para auxiliar os produtores na gestão de gado leiteiro, a fim de obter melhores índices de produtividade. Aplicando a ferramenta IoT, o MooCare realizou a automatização e individualização da alimentação dos animais.

Brewster et al. (2017) apresentaram algumas das restrições e questões relacionadas à implantação da IoT na agricultura na Europa. Os autores dividiram os desafios em dois: setoriais e tecnológicos. As questões setoriais estão relacionadas à diversificação e à localização geográfica e tamanho da fazenda, em que fazendas maiores poderiam ter uma resposta mais positiva à adoção da tecnologia.

Entre as questões tecnológicas, os autores consideraram que a falta de conectividade nas zonas rurais, indispensáveis para o desenvolvimento da IoT, seria um empecilho, além da segurança e da privacidade de dados.

Os autores concluíram que o desafio mais importante da implementação da IoT é a cultura das partes interessadas que precisa ser mudada e os produtores devem ter uma melhor compreensão dos benefícios e vantagens associados a esta tecnologia.

O uso de dados integrados por meio da IoT também foi aplicado no estudo do bem-estar animal e da eficiência da fazenda por meio da avaliação de mastite e do consumo de ração animal por Michie et al. (2020).

O bem-estar animal é um dos aspectos que ganharam interesse na perspectiva do consumidor. Um dos desafios encontrados pelos autores foi o o a bons canais de transmissão de internet sem fio. Na fazenda habilitada com internet, a implementação de um ambiente de nuvem foi apresentada como um mecanismo ideal para integração de dados.

Já no interior da indústria de laticínios, a implementação da tecnologia IoT é ainda mais desafiadora, devido aos múltiplos dispositivos, sensores e instrumentos que continuamente analisam, monitoram e controlam parâmetros como temperatura, pressão, vazão, pH, níveis de contaminação etc.

Integrada à indústria 4.0, surge o conceito de fábricas inteligentes, que são conectadas, otimizadas e ágeis no monitoramento e análise preditiva dos dados. Para este fim, a arquitetura da informação baseada em IoT atua combinada à plataforma de análise de dados, cujos algoritmos podem ser definidos em geral como inteligência artificial e aprendizagem de máquinas (ADI et al., 2020).

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As tecnologias de comunicação mais frequentemente usadas são a internet, a identificação por radiofrequência (RFID) e as redes de sensores sem fio (RSSF) (BOUZEMBRAK et al., 2019).

O sistema de rastreabilidade de alimentos de ponta a ponta para produtos lácteos muitas vezes é negligenciado, apesar de ser importante já que são amplamente consumidos em todo o mundo. Tan e Ngan (2020) estudaram o uso da tecnologia emergente Blockchain (cadeia de bloqueio) juntamente com a IoT para tentar resolver os problemas de segurança alimentar no setor de laticínios no Vietnã.

A cadeia de bloqueio foi empregada pela primeira vez em 2008 juntamente com a invenção da moeda digital Bitcoin por Satoshi Nakamoto (CASINO; DASAKLIS; PATSAKIS, 2019). A moeda criptográfica foi a primeira e provavelmente a mais bem sucedida aplicação desta tecnologia até o momento, mas seu potencial não se limita apenas à área financeira.

Qualquer atividade que exija transações complexas e armazenamento de dados confidenciais sem interação real entre as partes envolvidas pode beneficiar-se da tecnologia (TAN; NGAN, 2020).

Conceitualmente, blockchain é um sistema de registro de dados descentralizado e distribuído contendo todas as transações entre membros dentro de uma rede de ponto a ponto (CHRISTIDIS; DEVETSIKIOTIS, 2016), sendo caracterizada por cinco princípios: segurança (LEMIEUX, 2016); transmissão ponto a ponto, transparência com uso de pseudônimo (IANSITI, MARCO & LAKHANI, 2006); irreversibilidade dos registros (ZHANG et al., 2017) e lógica computacional (EBERHARDT; TAI, 2017).

A pesquisa de Tan e Ngan (2020) foi baseada na abordagem indutiva com projeto qualitativo usando dados coletados de várias fontes secundárias. Os autores recomendaram o uso de blockchain, contrato inteligente e IoT especificamente para o setor de laticínios por abordar questões de segurança alimentar e rastreabilidade e dar e ao framework (conjunto de códigos para implementar funcionalidades específicas em um sistema). O sistema tem benefício potencial para cada um dos atores da cadeia de abastecimento em termos de eficácia nas operações, custos, tempo e recursos humanos.

A IoT também pode ser implementada com o objetivo de monitorar o funcionamento de equipamentos em tempo real. A manutenção preditiva de equipamentos industriais tornou-se um aspecto crítico na Indústria 4.0 e a IoT pode ser a base para a detecção de anomalias operacionais e um futuro sistema de manutenção preditiva.

Magadán et al. (2020) avaliaram em tempo real sobre as vibrações e a temperatura de um motor elétrico e o protótipo foi testado em laboratório e em uma planta industrial de um laticínio. O sistema foi projetado usando componentes de hardware de baixo custo (módulos multi sensores sem fio e computador de placa única como gateway), software de código aberto e uma versão gratuita de um serviço de análise IoT na nuvem onde todas as informações relevantes foram armazenadas.

O uso da IoT na manutenção preditiva surge como uma abordagem ideal para redução de custos e prevenção de falhas de equipamentos na indústria (MAGADÁN et al., 2020). A manutenção preventiva generalizada implica atividades de manutenção periódicas com base nas experiências anteriores sobre a periodicidade da falha.

A aplicação de diferentes algoritmos para integração dos dados fornece insights adicionais e complementares para melhorar as ferramentas de tomada de decisão e, portanto, melhorar a economia e toda a cadeia produtiva.

Os algoritmos mais utilizados são lógica Fuzzy, redes neurais e regressão.Os dados produzidos por dispositivos IoT podem ser difíceis de interpretar, comunicar e serem compartilhados devido à falta de padronização de protocolos de comunicação.

No futuro, muitos dispositivos IoT seguirão os princípios orientados pelo FAIR (Achável, ível, Interoperável, Reutilizável), habilitando a Internet de dados e serviços além de auxiliar os algoritmos a permanecerem disponíveis para compartilhamento e reutilização de dados. Pesquisas recentes nesta área apontam para o desenvolvimento de padrões de metadados para máquinas (WITTENBURG et al., 2019).

A segurança dos dados é um requisito essencial para todos os projetos de IoT em segurança alimentar. No entanto, vários sistemas de IoT são muito menos seguros do que sistemas clássicos para computadores como Mac e Linux. Vários problemas associados à segurança da IoT são: recursos de segurança inadequados no hardware, software mal projetado, senhas padrão e outros erros de design de segurança (BOUZEMBRAK et al., 2019).

Desde o manejo mais adequado do gado leiteiro visando maior produtividade e qualidade do leite, a tecnologia IoT no ramo industrial é ainda mais versátil. O controle de cada equipamento, determinação do ciclo de operação, da faixa ótima de trabalho, prevenção de acidentes, identificação dos erros em tempo real e melhoria da produtividade são algumas das aplicações da IoT na cadeia láctea.

Como as operações industriais são muito diversificadas, é preciso definir tempo de produção, grau de automatização e otimizar processos dentro do ciclo do produto, o que também é proporcionado pela IoT, constituindo verdadeira transformação do modo de produção.

Desta forma, a IoT fornece novas oportunidades em diferentes domínios na cadeia produtiva de produtos lácteos, mas também existem diversos desafios que devem ser superados. A implementação de novas tecnologias, o uso eficiente dos dados gerados e a ibilidade à conexão rápida de internet são problemas em muitos países e em muitas áreas rurais.

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Referências

ADI, E. et al. Machine learning and data analytics for the IoT. Neural Computing and Applications, v. 32, n. 20, p. 16205–16233, 2020.

BELTRAMI, M. et al. Industry 4.0 and sustainability: Towards conceptualization and theory. Journal of Cleaner Production, p. 127733, 2021.

BOUZEMBRAK, Y. et al. Internet of Things in food safety: Literature review and a bibliometric analysis. Trends in Food Science and Technology, v. 94, p. 54–64, 2019.

BREWSTER, C. et al. IoT in agriculture: Deg a Europe-wide large-scale pilot. IEEE Communications Magazine, v. 55, p. 26–3, 2017.

CABRERA, V. E. et al. Symposium review: Real-time continuous decision making using big data on dairy farms. Journal of Dairy Science, v. 103, n. 4, p. 3856–3866, 2020.

CASINO, F.; DASAKLIS, T. K.; PATSAKIS, C. A systematic literature review of blockchain-based applications: Current status, classification and open issues. Telematics and Informatics, v. 36, n. November 2018, p. 55–81, 2019.

CHRISTIDIS, K.; DEVETSIKIOTIS, M. Blockchains and Smart Contracts for the Internet of Things. IEEE Access, v. 4, p. 2292–2303, 2016.

EBERHARDT, J.; TAI, S. On or off the blockchain? Insights on off-chaining computation and data. Lecture Notes in Computer Science (including subseries Lecture Notes in Artificial Intelligence and Lecture Notes in Bioinformatics), v. 10465 LNCS, p. 3–15, 2017.

HERNAVS, J. et al. Deep Learning in Industry 4.0 – Brief. Journal of Production Engineering, v. 21, n. 2, p. 1–5, 2018.

IANSITI, MARCO & LAKHANI, K. (2017). T. T. A. B. H. BUSINESS REVIEW. 95. 118-127. The Truth About Blockchain. Annals of Tourism Research, v. 33, n. 2, p. 360–381, 2006.

KUMAR, S.; TIWARI, P.; ZYMBLER, M. Internet of Things is a revolutionary approach for future technology enhancement: a review. Journal of Big Data, v. 6, n. 1, 2019.

LEMIEUX, V. L. Trusting records: is Blockchain technology the answer? Records Management Journal, v. 26, n. 2, p. 110–139, 2016.

MADAKAM, S., RAMASWAMY, R., TRIPATHI, S. Internet of Things (IoT): a literature review, J. Comput. Commun., v. 3, n. 05, p. 164, 2015.

MAGADÁN, L. et al. Low-cost real-time monitoring of electric motors for the Industry 4.0, Procedia Manufacturing, v. 42, p. 393-398, 2020.

MICHIE, C. et al. The Internet of Things enhancing animal welfare and farm operational efficiency. Journal of Dairy Research, v. 87, p. 20–27, 2020.

NORD, J. H.; KOOHANG, A.; PALISZKIEWICZ, J. The Internet of Things: Review and theoretical framework. Expert Systems with Applications, v. 133, p. 97–108, 2019.

RIGHI, R. R. et al. Towards combining data prediction and internet of things to manage milk production on dairy cows. Computers and Electronics in Agriculture, v. 169, p. 105156, 2020.

Sabe qual o alimento mais consumido no mundo? Rotina Digital, 2019. Disponível em:< https://rotinadigital.net/alimentos-mais-consumidos-mundo/> o em 08 de junho de 2021.

SAINT-EXUPERY, A. D. (2009). Internet of Things Strategic Research Roap. http://www.internet-of554 things-research.eu, 1-50.

TAN, A.; NGAN, P. T. A proposed framework model for dairy supply chain traceability, Sustainable Futures, v. 2, p. 100034, 2020.

WANG, J. et al. Deep learning for smart manufacturing: Methods and applications. Journal of Manufacturing Systems, v. 48, p. 144–156, 2018.

WITTENBURG, P. et al. The FAIR Funder pilot programme to make it easy for funders to require and for grantees to produce FAIR Data. In arXiv e-prints, 2019. 13p. https://library.wur.nl/WebQuery/wurpubs/554760.

ZHANG, P. et al. Applying Software Patterns to Address Interoperability in Blockchain-based Healthcare Apps. 2017.

*Fonte da foto do artigo: Freepik

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Material escrito por:

Jamille Coimbra

Jamille Coimbra

Mestre em Ciência e Tecnologia de Alimentos e doutoranda do Laboratório de Desenvolvimento e Simulação de Processos (LADESP- UFV).

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Márcia Cristina Teixeira Ribeiro Vidigal

Márcia Cristina Teixeira Ribeiro Vidigal

Professora do Departamento de Tecnologia de Alimentos da UFV.

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Ana Clarissa dos Santos Pires

Ana Clarissa dos Santos Pires

Profa. Dra. Ana Clarissa dos Santos Pires, Professora do Departamento de Tecnologia de Alimentos da UFV e coordenadora do Laboratório de Termodinâmica Molecular Aplicada (THERMA-UFV)

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A IoT fornece novas oportunidades em diferentes domínios na cadeia produtiva de produtos lácteos, mas existem diversos desafios que devem ser superados.

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Os lácteos fazem parte da categoria de alimentos mais consumida mundialmente de acordo com um levantamento da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (ROTINA DIGITAL, 2019).

Em meio a diversificada indústria de laticínios, garantir a eficiência, rastreabilidade e a segurança alimentar por meio de tecnologias emergentes tornaram-se fatores chaves em toda cadeia de suprimentos.

No contexto da 4ª geração industrial (Indústria 4.0), as informações são facilmente obtidas e compartilhadas por meio de máquinas inteligentes que promovem a integração e digitalização das operações unitárias, proporcionando uma tomada de decisão rápida e assertiva (HERNAVS et al., 2018; WANG et al., 2018).

A indústria 4.0 pode ser definida como o conjunto de tecnologias, dispositivos e processos com modelos de produção capazes de operar de forma integrada, ao longo das várias fases do processo de produção ou dos diversos níveis da cadeia de abastecimento, para uma produção autossuficiente, com operações integradas, decisões descentralizadas e mínima intervenção humana (BELTRAMI et al., 2021).

Impulsionada pela computação de baixo custo, big data e tecnologias móveis, a Internet das Coisas (IoT, do inglês internet of things), no contexto da indústria 4.0, vem ganhando proeminência nas décadas recentes.

A IoT pode ser definida como uma rede composta por pontos únicos e identificáveis “coisas” que capturam e compartilham dados (NORD; KOOHANG; PALISZKIEWICZ, 2019). Baseado na interconexão de máquinas e dispositivos através da Internet, a tecnologia IoT fornece soluções inovadoras e apoia decisões relacionadas a diferentes negócios em todo mundo (KUMAR; TIWARI; ZYMBLER, 2019).

A ideia da IoT é criar uma rede aberta e abrangente de dispositivos capazes de organizar e compartilhar recursos e dados automaticamente, bem como ser flexível para se adaptar a situações de mudança (MADAKAM et al., 2015).

O uso da IoT na cadeia produtiva de alimentos foi mencionado como uma das novas áreas mais promissoras com aplicações na agricultura de precisão, produção de alimentos, processamento, armazenamento, desafios de distribuição, consumo, rastreabilidade, visibilidade e controle (SAINT-EXUPERY, 2009).

No âmbito industrial, a comunicação sem fio de máquina para automação e controle encontram na tecnologia IoT promissora aplicabilidade, cuja instrumentação envolve tecnologias de nuvem. Por exemplo, qualquer dispositivo com alguns sensores (temperatura, luz, movimento, localização, etc.) acoplado a um meio de comunicação (Bluetooth, RFID, 4G, etc.) está inserido no conceito IoT (BOUZEMBRAK et al., 2019). 

A indústria de laticínios caracterizada por operações automatizadas com muitos sensores em toda linha apresenta grande quantidade de fluxo de dados, mas com informações pouco integradas, sendo cabível o desenvolvimento de sistemas de coleta, integração, gerenciamento e análise de dados em tempo real para práticas relevantes (CABRERA et al., 2020).

Desde a ordenha é possível desenvolver ferramentas integradas para monitorar condições sanitárias, dieta e saúde dos rebanhos, permitindo que estes dados sejam correlacionados com a composição centesimal do leite.

De acordo com Cabrera et al. (2020), tal sistema definido como “cérebro lácteo” permite a tomada de decisão contínua por meio do monitoramento em tempo real, análise de dados e utilização da IoT. Segundo Righi et al. (2020) existe uma lacuna de pesquisa para propor e avaliar modelos computacionais para automatizar e individualizar a alimentação dos animais e seu impacto sobre a produção leiteira.

Os autores propam o modelo MooCare, projetado para auxiliar os produtores na gestão de gado leiteiro, a fim de obter melhores índices de produtividade. Aplicando a ferramenta IoT, o MooCare realizou a automatização e individualização da alimentação dos animais.

Brewster et al. (2017) apresentaram algumas das restrições e questões relacionadas à implantação da IoT na agricultura na Europa. Os autores dividiram os desafios em dois: setoriais e tecnológicos. As questões setoriais estão relacionadas à diversificação e à localização geográfica e tamanho da fazenda, em que fazendas maiores poderiam ter uma resposta mais positiva à adoção da tecnologia.

Entre as questões tecnológicas, os autores consideraram que a falta de conectividade nas zonas rurais, indispensáveis para o desenvolvimento da IoT, seria um empecilho, além da segurança e da privacidade de dados.

Os autores concluíram que o desafio mais importante da implementação da IoT é a cultura das partes interessadas que precisa ser mudada e os produtores devem ter uma melhor compreensão dos benefícios e vantagens associados a esta tecnologia.

O uso de dados integrados por meio da IoT também foi aplicado no estudo do bem-estar animal e da eficiência da fazenda por meio da avaliação de mastite e do consumo de ração animal por Michie et al. (2020).

O bem-estar animal é um dos aspectos que ganharam interesse na perspectiva do consumidor. Um dos desafios encontrados pelos autores foi o o a bons canais de transmissão de internet sem fio. Na fazenda habilitada com internet, a implementação de um ambiente de nuvem foi apresentada como um mecanismo ideal para integração de dados.

Já no interior da indústria de laticínios, a implementação da tecnologia IoT é ainda mais desafiadora, devido aos múltiplos dispositivos, sensores e instrumentos que continuamente analisam, monitoram e controlam parâmetros como temperatura, pressão, vazão, pH, níveis de contaminação etc.

Integrada à indústria 4.0, surge o conceito de fábricas inteligentes, que são conectadas, otimizadas e ágeis no monitoramento e análise preditiva dos dados. Para este fim, a arquitetura da informação baseada em IoT atua combinada à plataforma de análise de dados, cujos algoritmos podem ser definidos em geral como inteligência artificial e aprendizagem de máquinas (ADI et al., 2020).

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As tecnologias de comunicação mais frequentemente usadas são a internet, a identificação por radiofrequência (RFID) e as redes de sensores sem fio (RSSF) (BOUZEMBRAK et al., 2019).

O sistema de rastreabilidade de alimentos de ponta a ponta para produtos lácteos muitas vezes é negligenciado, apesar de ser importante já que são amplamente consumidos em todo o mundo. Tan e Ngan (2020) estudaram o uso da tecnologia emergente Blockchain (cadeia de bloqueio) juntamente com a IoT para tentar resolver os problemas de segurança alimentar no setor de laticínios no Vietnã.

A cadeia de bloqueio foi empregada pela primeira vez em 2008 juntamente com a invenção da moeda digital Bitcoin por Satoshi Nakamoto (CASINO; DASAKLIS; PATSAKIS, 2019). A moeda criptográfica foi a primeira e provavelmente a mais bem sucedida aplicação desta tecnologia até o momento, mas seu potencial não se limita apenas à área financeira.

Qualquer atividade que exija transações complexas e armazenamento de dados confidenciais sem interação real entre as partes envolvidas pode beneficiar-se da tecnologia (TAN; NGAN, 2020).

Conceitualmente, blockchain é um sistema de registro de dados descentralizado e distribuído contendo todas as transações entre membros dentro de uma rede de ponto a ponto (CHRISTIDIS; DEVETSIKIOTIS, 2016), sendo caracterizada por cinco princípios: segurança (LEMIEUX, 2016); transmissão ponto a ponto, transparência com uso de pseudônimo (IANSITI, MARCO & LAKHANI, 2006); irreversibilidade dos registros (ZHANG et al., 2017) e lógica computacional (EBERHARDT; TAI, 2017).

A pesquisa de Tan e Ngan (2020) foi baseada na abordagem indutiva com projeto qualitativo usando dados coletados de várias fontes secundárias. Os autores recomendaram o uso de blockchain, contrato inteligente e IoT especificamente para o setor de laticínios por abordar questões de segurança alimentar e rastreabilidade e dar e ao framework (conjunto de códigos para implementar funcionalidades específicas em um sistema). O sistema tem benefício potencial para cada um dos atores da cadeia de abastecimento em termos de eficácia nas operações, custos, tempo e recursos humanos.

A IoT também pode ser implementada com o objetivo de monitorar o funcionamento de equipamentos em tempo real. A manutenção preditiva de equipamentos industriais tornou-se um aspecto crítico na Indústria 4.0 e a IoT pode ser a base para a detecção de anomalias operacionais e um futuro sistema de manutenção preditiva.

Magadán et al. (2020) avaliaram em tempo real sobre as vibrações e a temperatura de um motor elétrico e o protótipo foi testado em laboratório e em uma planta industrial de um laticínio. O sistema foi projetado usando componentes de hardware de baixo custo (módulos multi sensores sem fio e computador de placa única como gateway), software de código aberto e uma versão gratuita de um serviço de análise IoT na nuvem onde todas as informações relevantes foram armazenadas.

O uso da IoT na manutenção preditiva surge como uma abordagem ideal para redução de custos e prevenção de falhas de equipamentos na indústria (MAGADÁN et al., 2020). A manutenção preventiva generalizada implica atividades de manutenção periódicas com base nas experiências anteriores sobre a periodicidade da falha.

A aplicação de diferentes algoritmos para integração dos dados fornece insights adicionais e complementares para melhorar as ferramentas de tomada de decisão e, portanto, melhorar a economia e toda a cadeia produtiva.

Os algoritmos mais utilizados são lógica Fuzzy, redes neurais e regressão.Os dados produzidos por dispositivos IoT podem ser difíceis de interpretar, comunicar e serem compartilhados devido à falta de padronização de protocolos de comunicação.

No futuro, muitos dispositivos IoT seguirão os princípios orientados pelo FAIR (Achável, ível, Interoperável, Reutilizável), habilitando a Internet de dados e serviços além de auxiliar os algoritmos a permanecerem disponíveis para compartilhamento e reutilização de dados. Pesquisas recentes nesta área apontam para o desenvolvimento de padrões de metadados para máquinas (WITTENBURG et al., 2019).

A segurança dos dados é um requisito essencial para todos os projetos de IoT em segurança alimentar. No entanto, vários sistemas de IoT são muito menos seguros do que sistemas clássicos para computadores como Mac e Linux. Vários problemas associados à segurança da IoT são: recursos de segurança inadequados no hardware, software mal projetado, senhas padrão e outros erros de design de segurança (BOUZEMBRAK et al., 2019).

Desde o manejo mais adequado do gado leiteiro visando maior produtividade e qualidade do leite, a tecnologia IoT no ramo industrial é ainda mais versátil. O controle de cada equipamento, determinação do ciclo de operação, da faixa ótima de trabalho, prevenção de acidentes, identificação dos erros em tempo real e melhoria da produtividade são algumas das aplicações da IoT na cadeia láctea.

Como as operações industriais são muito diversificadas, é preciso definir tempo de produção, grau de automatização e otimizar processos dentro do ciclo do produto, o que também é proporcionado pela IoT, constituindo verdadeira transformação do modo de produção.

Desta forma, a IoT fornece novas oportunidades em diferentes domínios na cadeia produtiva de produtos lácteos, mas também existem diversos desafios que devem ser superados. A implementação de novas tecnologias, o uso eficiente dos dados gerados e a ibilidade à conexão rápida de internet são problemas em muitos países e em muitas áreas rurais.

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Referências

ADI, E. et al. Machine learning and data analytics for the IoT. Neural Computing and Applications, v. 32, n. 20, p. 16205–16233, 2020.

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CASINO, F.; DASAKLIS, T. K.; PATSAKIS, C. A systematic literature review of blockchain-based applications: Current status, classification and open issues. Telematics and Informatics, v. 36, n. November 2018, p. 55–81, 2019.

CHRISTIDIS, K.; DEVETSIKIOTIS, M. Blockchains and Smart Contracts for the Internet of Things. IEEE Access, v. 4, p. 2292–2303, 2016.

EBERHARDT, J.; TAI, S. On or off the blockchain? Insights on off-chaining computation and data. Lecture Notes in Computer Science (including subseries Lecture Notes in Artificial Intelligence and Lecture Notes in Bioinformatics), v. 10465 LNCS, p. 3–15, 2017.

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*Fonte da foto do artigo: Freepik

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Material escrito por:

Jamille Coimbra

Jamille Coimbra

Mestre em Ciência e Tecnologia de Alimentos e doutoranda do Laboratório de Desenvolvimento e Simulação de Processos (LADESP- UFV).

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Márcia Cristina Teixeira Ribeiro Vidigal

Márcia Cristina Teixeira Ribeiro Vidigal

Professora do Departamento de Tecnologia de Alimentos da UFV.

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Ana Clarissa dos Santos Pires

Ana Clarissa dos Santos Pires

Profa. Dra. Ana Clarissa dos Santos Pires, Professora do Departamento de Tecnologia de Alimentos da UFV e coordenadora do Laboratório de Termodinâmica Molecular Aplicada (THERMA-UFV)

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