A disseminação de informações falsas e enganosas sobre alimentos, especialmente nas redes sociais, tem gerado confusão e preocupação entre os consumidores. No contexto dos produtos lácteos, esses mitos, ou fake news, podem comprometer decisões alimentares e até prejudicar a saúde pública. Com o propósito de combater a desinformação, esse segundo artigo da série “Fato ou Fake?” desta coluna apresenta uma análise crítica baseada em evidências científicas para esclarecer as concepções equivocadas sobre os produtos lácteos, e destacar o papel fundamental da ciência na orientação das escolhas alimentares.
A gordura láctea faz mal para a saúde
FAKE. A gordura láctea, presente em produtos como manteiga e outros lácteos, não faz mal à saúde quando consumida com moderação. Embora contenha ácidos graxos saturados, que por muito tempo foram considerados prejudiciais, pesquisas recentes mostram que esses ácidos graxos, especialmente os de cadeia curta, possuem propriedades bioativas benéficas. Além de conter mais de 400 tipos de ácidos graxos, alguns dos quais estão associados ao aumento do colesterol HDL, o colesterol bom, a gordura láctea é uma fonte rica de vitaminas lipossolúveis como A, D, E e K2. Estudos também sugerem que a gordura láctea pode reduzir o risco de condições metabólicas, como diabete tipo 2 e síndrome metabólica. Portanto, quando consumida como parte de uma dieta equilibrada, a gordura láctea pode ser um componente saudável da alimentação.
A manteiga é nutricionalmente melhor do que a margarina
FATO. A manteiga é nutricionalmente superior à margarina em vários aspectos, especialmente por ser uma fonte natural de nutrientes essenciais. Sendo composta, majoritariamente, por gordura láctea, a manteiga é rica em vitaminas lipossolúveis como A, D, E e K2, além de ácidos graxos de cadeia curta e ácidos graxos poli-insaturados, como o ácido linoleico conjugado (CLA), benéficos para a saúde cardiovascular, imunológica e metabólica. Por outro lado, a margarina, embora a tecnologia do processamento tenha evoluído para evitar a formação de ácidos graxos trans, é um produto altamente processado, muitas vezes feito a partir de óleos vegetais refinados e submetido a processos como a interesterificação. Este processo, embora livre de gorduras trans, ainda levanta preocupações devido aos seus efeitos controversos sobre a saúde, como aumento do LDL em pessoas com alto colesterol e potenciais problemas metabólicos. Portanto, a manteiga, por ser um produto rico em nutrientes vitais, é uma escolha mais saudável e nutritiva para compor dietas equilibradas em comparação com a margarina.
Bebidas vegetais são mais nutritivas e saudáveis do que leite de vaca
FAKE. As bebidas vegetais não são mais nutritivas e/ou saudáveis do que o leite de vaca. Embora algumas alternativas à base de plantas, como as feitas de soja e ervilha, apresentem um teor elevado de proteínas, as proteínas do leite de vaca desempenham um papel fundamental na promoção da saúde. Elas fornecem aminoácidos essenciais que o corpo não é capaz de sintetizar, sendo indispensáveis para o crescimento muscular e a produção de neurotransmissores. Além disso, a biodisponibilidade dos nutrientes presentes no leite de vaca é superior à das bebidas vegetais. Para que as bebidas vegetais atinjam uma densidade nutricional comparável à do leite de vaca, é necessário que sejam fortificadas, o que evidencia a diferença natural na qualidade nutricional entre esses produtos.
Leite em pó e composto lácteo têm o mesmo valor nutricional
FAKE. Segundo a legislação brasileira, composto lácteo é um produto em pó obtido pela mistura de leite com produtos ou substâncias alimentícias, sejam elas lácteas ou não lácteas, com ou sem adição de outros ingredientes. Para ser considerado um composto lácteo, os ingredientes lácteos devem representar, no mínimo, 51% da massa total do produto. Em contraste, leite em pó é o produto resultante da desidratação do leite de vaca, que pode ser integral, desnatado ou parcialmente desnatado. O leite em pó é composto inteiramente por ingredientes lácteos, conferindo-lhe um valor nutricional superior ao dos compostos lácteos, que podem ter uma proporção menor de componentes lácteos e variar mais em sua composição.
A produção de lácteos pode afetar negativamente o meio ambiente
FATO. A cadeia agroindustrial do leite enfrenta desafios ambientais significativos devido à geração de efluentes líquidos com alta carga orgânica, como soro e leitelho. Esses efluentes têm potencial para causar graves problemas ambientais, incluindo a redução do oxigênio dissolvido nos corpos d'água e a morte de organismos aquáticos por asfixia. Para diminuir esses impactos, uma abordagem eficaz é modificar a forma de lidar com alguns efluentes, como soro e leitelho, valorizando-os como coprodutos e incorporando-os na formulação de novos produtos, como bebidas lácteas e sorvetes. Essa prática não apenas reduz a carga poluidora, mas também contribui para uma utilização mais sustentável dos coprodutos da indústria láctea, uma vez que, esses possuem alto valor nutricional.
Leites fermentados, como iogurte e kefir, são boas opções para a saúde intestinal
FATO. Leites fermentados como iogurte e kefir são excelentes para a saúde intestinal devido ao seu conteúdo de probióticos, que ajudam a manter um equilíbrio saudável da microbiota intestinal e melhoram a digestão. O processo de fermentação hidrolisa a lactose, facilitando a digestão para pessoas com intolerância. Além disso, esses produtos fornecem nutrientes importantes, como proteínas e vitaminas, contribuindo para uma alimentação mais saudável e para o fortalecimento do sistema imunológico. A presença dessas bactérias benéficas também pode ajudar a combater patógenos, promovendo um ambiente intestinal equilibrado.
Intolerantes a lactose podem consumir produtos lácteos
FATO. Pessoas com intolerância à lactose podem consumir leite e derivados, mas devem optar por produtos isentos ou que tenham teor reduzido de lactose. Além disso, alternativas como cápsulas de lactase, que podem ser tomadas antes da ingestão de lactose, ou lactase líquida adicionada ao produto, auxiliam na digestão da lactose. Alimentos que contêm prebióticos e microrganismos probióticos podem ajudar a diminuir os sintomas da intolerância à lactose porque esses componentes contribuem para o equilíbrio da microbiota intestinal, favorecendo a presença de bactérias que produzem a enzima lactase, responsável pela digestão da lactose. Os probióticos, ao colonizar o intestino, podem aumentar a produção de lactase ou ajudar na fermentação da lactose, reduzindo assim os sintomas como gases, inchaço e diarreia. Já os prebióticos servem de alimento para essas bactérias benéficas, fortalecendo sua ação e contribuindo para um ambiente intestinal mais saudável e eficiente na digestão da lactose.
Proteínas do leite auxiliam no ganho de massa muscular
FATO. As proteínas do leite são bastante eficazes no auxílio ao ganho de massa muscular. Elas são ricas em aminoácidos essenciais, incluindo a leucina, que desempenha um papel crucial na síntese de proteínas musculares. As proteínas do leite, como a caseína e as do soro de leite (whey), têm uma excelente capacidade de promover a recuperação muscular após o exercício físico, auxiliando na reparação e no crescimento dos músculos. Além disso, a digestão gradual da caseína proporciona uma liberação sustentada de aminoácidos, o que pode ser benéfico para o desenvolvimento muscular ao longo do tempo.
Leite de outras espécies é melhor que leite de vaca
FAKE. O leite de outras espécies não é superior ao leite de vaca, uma vez que cada tipo de leite possui características específicas que podem ser mais ou menos adequadas conforme as necessidades e preferências individuais dos consumidores. Embora a composição de micronutrientes e macronutrientes entre as espécies seja bastante semelhante, o leite de vaca se destaca por sua ampla disponibilidade e ibilidade. Por outro lado, o leite de cabra é mais fácil de digerir devido aos seus glóbulos de gordura menores. O leite de búfala, com seu alto teor de gordura, é ideal para produtos mais cremosos, enquanto o leite de ovelha é notável por seu alto teor proteico, e o leite de camela é valorizado por suas quantidades elevadas de vitaminas. A escolha do melhor leite, portanto, deve considerar as necessidades nutricionais específicas, as questões digestivas e as preferências pessoais de cada consumidor.
Queijo branco é melhor que queijos amarelos
FAKE. O queijo branco não é melhor que o queijo amarelo, pois a escolha entre os dois depende das necessidades nutricionais e das preferências individuais. Queijos brancos, como o queijo frescal e a ricota, geralmente possuem menor teor de gordura e maior teor de umidade, além de conter mais lactose. Em contraste, queijos amarelos tendem a ter um maior teor de gorduras e proteínas, resultando em um sabor mais intenso e uma textura mais cremosa. O maior teor de gordura no queijo amarelo não o torna inferior, pelo contrário, o consumo de gordura láctea pode oferecer diversos benefícios nutricionais, como já mencionado. Portanto, a avaliação da qualidade de um queijo em relação ao outro é relativa e deve ser baseada nas preferências pessoais do consumidor.
Autoras
Letícia Bruni de Souza, Mestranda do Laboratório de Termodinâmica Molecular Aplicada (THERMA-UFV).
Dra. Eliara Acipreste Hudson, Pesquisadora do Laboratório de Termodinâmica Molecular Aplicada (THERMA-UFV).
Profa. Dra. Ana Clarissa dos Santos Pires, Professora do Departamento de Tecnologia de Alimentos da UFV e Coordenadora do Laboratório de Termodinâmica Molecular Aplicada (THERMA-UFV).
Referências bibliográficas
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BRASIL. Portaria do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - MAPA n° 146, de 07 de março de 1996 - Regulamentos Técnicos de Identidade e Qualidade dos Produtos Lácteos. Diário Oficial da União, Brasília, p. 24-25, 1996.
BRASIL. Ministério da agricultura, pecuária e abastecimento. Instrução Normativa nº 28, de 12 de junho de 2007. Regulamento técnico para fixação de identidade e qualidade de composto lácteo. 2007.
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