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O Outro Lado da Consolidação do Mercado

Análise crítica da concentração no setor de laticínios brasileiro, seus riscos à democracia econômica e caminhos para fortalecer a cadeia produtiva de forma justa e sustentável.

Publicado por: MilkPoint

Publicado em: - 3 minutos de leitura

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Não é da benevolência do leiteiro, do produtor ou do industrial que o leite chega à nossa mesa. Como Adam Smith já alertava no século XVIII, é do interesse próprio — e não da generosidade — que brotam os motores do mercado. Esse princípio, ainda que desconfortável, é central para compreender a atual transformação do setor de laticínios brasileiro: a consolidação das indústrias, marcada pela redução no número de laticínios e o crescimento do tamanho dos que permanecem.

Entre agentes do mercado, há a expectativa de que essa consolidação trará ganhos de escala, melhores padrões de qualidade e formas mais modernas e eficientes de negociação. A lógica é simples: menos empresas maiores teriam mais capacidade de investimento em controle sanitário, logística e tecnologia.

No entanto, essa esperança esbarra perigosamente na realidade da natureza humana e nos riscos do poder concentrado. O que parece uma promessa de progresso pode, na verdade, abrir caminho para a formação de oligopólios — ou até monopólios — que, longe de servirem ao bem comum, acabam servindo apenas a si mesmos.

O exemplo recente da JBS é emblemático. À medida que crescia e centralizava o mercado de carnes, a empresa não só dominou a cadeia produtiva como também se infiltrou profundamente nas engrenagens do Estado, aparelhando instituições, financiando campanhas e operando esquemas bilionários de corrupção. A promessa de eficiência se converteu em um dos maiores escândalos empresariais da história do Brasil, mostrando que a concentração econômica pode, sim, se transformar em um instrumento de captura política — e de destruição institucional.

Robert Michels, ao estudar partidos políticos, cunhou a famosa "lei de ferro das oligarquias", demonstrando como, mesmo em estruturas que nascem democráticas, poucos acabam controlando muitos. Esse padrão não se limita à política. Quando aplicado ao setor produtivo, cria sistemas nos quais poucos players dominam os canais de produção, distribuição e influência — muitas vezes moldando as regras do jogo em benefício próprio.

No Brasil, o setor de leite a por essa transformação silenciosa. Grandes grupos industriais absorvem os menores ou os eliminam pela competição desigual. Pequenos laticínios, que antes sustentavam comunidades e garantiam diversidade regional, fecham suas portas diante de exigências regulatórias e pressões logísticas que só os grandes conseguem ar. Esse cenário se aproxima perigosamente do que Daron Acemoglu e James A. Robinson definem como instituições extrativistas: sistemas moldados para extrair valor da maioria e concentrá-lo em uma minoria. Tais instituições, quando se instalam, sufocam a inovação, limitam a mobilidade social e corroem o tecido produtivo.

A história oferece exemplos trágicos. Em países como a Guatemala ou algumas nações africanas pós-coloniais, oligarquias econômicas capturaram o Estado e bloquearam qualquer tentativa de modernização que ameaçasse seus privilégios. O resultado foi estagnação, desigualdade e conflito. O Brasil, com sua história marcada por ciclos de concentração e exclusão, conhece bem esse risco.

O mercado de leite brasileiro permanece relativamente pulverizado, com milhares de produtores e uma diversidade de laticínios em operação. Mas o alerta está dado. A concentração em curso exige atenção — e ação.

Uma possível saída está na organização da cadeia produtiva em torno de cooperativas fortalecidas, sistemas fiscalização e controle e incentivos à inovação. Estes podem funcionar como contrapesos à consolidação excessiva, protegendo o produtor e o consumidor da lógica extrativista. Afinal, se a natureza humana tende à concentração de poder, cabe à sociedade construir as instituições que a limitem — antes que seja tarde demais

e aqui os cursos da W Agro C&T e conteúdos.

 

Escrito por Equipe W Agro C&T
Referências:
Acemoglu, D., & Robinson, J. A. (2012).
Por que as nações fracassam: As origens do poder, da prosperidade e da pobreza.
Rio de Janeiro: Elsevier
MICHELS, Robert. Sociologia dos Partidos Políticos. São Paulo: Unesp, 2001
JBS – Caso de corrupção:
Ministério Público Federal.
Operação Carne Fraca e delações da JBS.

 

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O MilkPoint é maior portal sobre mercado lácteo do Brasil. Especialista em informações do agronegócio, cadeia leiteira, indústria de laticínios e outros.

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Não é da benevolência do leiteiro, do produtor ou do industrial que o leite chega à nossa mesa. Como Adam Smith já alertava no século XVIII, é do interesse próprio — e não da generosidade — que brotam os motores do mercado. Esse princípio, ainda que desconfortável, é central para compreender a atual transformação do setor de laticínios brasileiro: a consolidação das indústrias, marcada pela redução no número de laticínios e o crescimento do tamanho dos que permanecem.

Entre agentes do mercado, há a expectativa de que essa consolidação trará ganhos de escala, melhores padrões de qualidade e formas mais modernas e eficientes de negociação. A lógica é simples: menos empresas maiores teriam mais capacidade de investimento em controle sanitário, logística e tecnologia.

No entanto, essa esperança esbarra perigosamente na realidade da natureza humana e nos riscos do poder concentrado. O que parece uma promessa de progresso pode, na verdade, abrir caminho para a formação de oligopólios — ou até monopólios — que, longe de servirem ao bem comum, acabam servindo apenas a si mesmos.

O exemplo recente da JBS é emblemático. À medida que crescia e centralizava o mercado de carnes, a empresa não só dominou a cadeia produtiva como também se infiltrou profundamente nas engrenagens do Estado, aparelhando instituições, financiando campanhas e operando esquemas bilionários de corrupção. A promessa de eficiência se converteu em um dos maiores escândalos empresariais da história do Brasil, mostrando que a concentração econômica pode, sim, se transformar em um instrumento de captura política — e de destruição institucional.

Robert Michels, ao estudar partidos políticos, cunhou a famosa "lei de ferro das oligarquias", demonstrando como, mesmo em estruturas que nascem democráticas, poucos acabam controlando muitos. Esse padrão não se limita à política. Quando aplicado ao setor produtivo, cria sistemas nos quais poucos players dominam os canais de produção, distribuição e influência — muitas vezes moldando as regras do jogo em benefício próprio.

No Brasil, o setor de leite a por essa transformação silenciosa. Grandes grupos industriais absorvem os menores ou os eliminam pela competição desigual. Pequenos laticínios, que antes sustentavam comunidades e garantiam diversidade regional, fecham suas portas diante de exigências regulatórias e pressões logísticas que só os grandes conseguem ar. Esse cenário se aproxima perigosamente do que Daron Acemoglu e James A. Robinson definem como instituições extrativistas: sistemas moldados para extrair valor da maioria e concentrá-lo em uma minoria. Tais instituições, quando se instalam, sufocam a inovação, limitam a mobilidade social e corroem o tecido produtivo.

A história oferece exemplos trágicos. Em países como a Guatemala ou algumas nações africanas pós-coloniais, oligarquias econômicas capturaram o Estado e bloquearam qualquer tentativa de modernização que ameaçasse seus privilégios. O resultado foi estagnação, desigualdade e conflito. O Brasil, com sua história marcada por ciclos de concentração e exclusão, conhece bem esse risco.

O mercado de leite brasileiro permanece relativamente pulverizado, com milhares de produtores e uma diversidade de laticínios em operação. Mas o alerta está dado. A concentração em curso exige atenção — e ação.

Uma possível saída está na organização da cadeia produtiva em torno de cooperativas fortalecidas, sistemas fiscalização e controle e incentivos à inovação. Estes podem funcionar como contrapesos à consolidação excessiva, protegendo o produtor e o consumidor da lógica extrativista. Afinal, se a natureza humana tende à concentração de poder, cabe à sociedade construir as instituições que a limitem — antes que seja tarde demais

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Referências:
Acemoglu, D., & Robinson, J. A. (2012).
Por que as nações fracassam: As origens do poder, da prosperidade e da pobreza.
Rio de Janeiro: Elsevier
MICHELS, Robert. Sociologia dos Partidos Políticos. São Paulo: Unesp, 2001
JBS – Caso de corrupção:
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