Maria Lucia Andrade Garcia fala sobre sua fazenda e sobre produzir leite no Brasil de hoje
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Maria Lucia tem sido uma das leitoras mais atuantes do MilkPoint e eventualmente nos brinda com seus textos e comentários, abordando especialmente a relação entre os elos da cadeia. Em entrevista exclusiva para o MilkPoint, ela fala sobre seu envolvimento com o leite, sobre a Fazenda Cayuaba e nos dá sua visão sobre o setor leiteiro.
MilkPoint: Há quantos anos a Sra. está envolvida com a produção de leite?
MLAG: Entramos na produção leiteira a partir do final da década de sessenta, quando, depois de comprar uma propriedade em Entre Rios de Minas em 1963, adquirimos rebanhos e bezerras mestiças holandesas de criadores locais. Dessa primeira compra, vendemos a maioria das matrizes adultas, retendo as melhores, e as bezerras que tinham sido mais criteriosamente compradas no varejo, com base na capacidade leiteira de suas mães. Sobre o rebanho assim iniciado colocamos touros holandeses PO da Fazenda Campo Verde de Barbacena. O controle da produção de leite foi introduzido como rotina diária e a partir dos quadros estatísticos de produção, iniciamos o processo de seleção, estabelecendo médias de produção de leite crescentes que eram atingidas pela venda das vacas que ficavam aquém das médias. Em 82 adquirimos as primeiras novilhas PO da Fazenda Campo Verde e no final da década de 80 novilhas e embriões PO dos EUA. Entramos para a Cooperativa local desde o início e com a seleção das PC e a compra das PO entramos para a ACGHMG. Ao final da Década de 90, depois de introduzirmos o Free Stall, estávamos praticamente com o rebanho holandês todo PO, relativamente uniformizado quanto à média de produção por vaca, ultraamos a média de 11.000 kg/ vaca/ ano nas lactações encerradas. Partimos então para a exploração do padrão genético atingido pela seleção voltada para a produção de leite. Iniciamos um programa genético que incluiu o uso da TE para produção de matrizes holandesas PO e Girolando 1/2 e 3/4 de sangue. O aprofundamento da crise do setor leiteiro a partir de 2001 nos levou a radicalizar a produção de 1/2 sangue e 3/4, mantendo a produção do holandês apenas para a ampliação e reposição do rebanho de produção de leite. Estamos caminhando para uma média de produção mensal esse ano entre 4.000 e 5.000 kg leite/dia. Nosso limite de produção poderá se estender no máximo até 6.000 kg/leite/dia, com poucos investimentos. A média anual de produção vaca/dia do rebanho holandês em 2003 foi de 32,6 kg, um pouco menor do que o ano anterior em virtude do seu rejuvenescimento. O rebanho girolando registrado com maioria de novilhas de 1ª cria, teve média de 18,04 kg.
MKP: Poderia fazer uma breve descrição da Fazenda Cayuaba?
MLAG: A Fazenda Cayuaba situa-se na Zona Campos das Vertentes, tradicionalmente produtora de leite e queijo, a 1.230 metros de altitude, com uma topografia de montanha suave, 70% tratorável, clima ameno, muitas nascentes e um ribeirão de porte cercando-a por um lado. Seus 200 ha de terra são ocupados da seguinte forma: 7,5% com sistema de produção de leite e recria até 06 meses de todos rebanhos e até 18 meses do rebanho holandês; 35% com roças de milho para silagem e produção de inverno de aveia, sorgo e milho; 15% de cana; 35% de pastagens de braquiarão para a recria das girolandas e mestiças após 6 meses; 7.5% de mata nativa.
O rebanho tem atualmente de 501 cabeças, 96% fêmeas, 75% vacas e novilhas. Na verdade pode ser divido em três: 288 cabeças de holandês PO, 80 cabeças de girolando registrado e 134 cabeças mestiças em diferentes graus de sangue girolando, do 3/4 ao 31/32, recriado e usado anteriormente para TE, e comercializado imediatamente após o parto.
O sistema de produção de leite tem como base um Free Stall para 70 vacas e vários piquetes de tifton que podem comportar quantidade variável de vacas. Os grupos de produção são manejados de forma dinâmica, com as girolandas e mestiças nos piquetes e as holandesas mais aleitadas no Free Stall e as em declínio nos piquetes. É um arranjo provisório, até que se construa o novo Free Stall para 80 vacas holandesas. O projeto está pronto desde o ano ado; estamos esperando melhorar a situação para investir nele.
Desde 2003 a Fazenda foi arrendada para a Cayuaba Genética & Pecuária Ltda., uma micro-empresa, da qual sou diretora, e que conta com um bacharel em istração que ocupa a gerência istrativa e comercial, apoiado por três sub-gerências: rebanho, produção de leite, agricultura e manutenção. Além das sub-gerências temos os encarregados do bezerreiro, ração, alimentação, limpeza. Ao todo são 15 funcionários. Nossa istração enfatiza a predominância da atividade sobre o poder, a comunicação, a responsabilidade, a cooperação e a polivalência. Temos um código de convivência dialógica, um sistema de incentivo de desempenho que leve à eficiência e pretendemos assim que for possível instituir a participação nos lucros.
MKP: O que é o Shopping Cayuaba ?
MLAG: O Shopping Cayuaba de Gado Leiteiro, foi uma idéia que nos surgiu em 2000 quando precisamos ampliar a comercialização dos animais da fazenda, com o acréscimo das receptoras que recriávamos para TE. Diferentemente de outras iniciativas de TE, que usam receptoras de corte, optamos por fazer das receptoras, oriundas de currais leiteiros da região, um negócio, que aperfeiçoamos com o tempo, selecionando com rigor os animais na compra. Hoje a demanda por essas mestiças é muito grande, pois começam dando mais de 20 litros de leite... Algumas com até mais.
A idéia do Shopping, posta em prática , aproveita uma parte da estrutura dos piquetes da recria, dispostos ao longo de três estradas de alimentação que podem ser percorridas a pé. Iniciada com a metáfora de um supermercado, os piquetes corresponderiam às prateleiras e gôndolas de produtos que estão ao alcance do olho e da mão. No caso, matrizes leiteiras, bezerras, novilhas inseminadas, prenhes, recém paridas, tourinhos, são agrupados por "raça", idade, condição reprodutiva e produção de leite, em se tratando de novilhas paridas.
Como num shopping ou supermercado, tudo está à vista e pode ser tocado, examinado, não apenas por horas ou dia, mas pelo tempo que o comprador quiser. Se desejar pode acompanhar toda a rotina da fazenda e dos animais colocados à venda. Da mesma forma, todo o sistema de alimentação e produção pode ser acompanhado, pois está disposto e integrado aos piquetes de venda. Catálogos informam sobre todos os animais à venda piquete por piquete e seus preços. No escritório temos à disposição o serviço de proteção ao crédito, e toda a documentação necessária ao fechamento dos negócios. Temos um site, www.cayuaba.com.br , que divulga os animais à venda no Shopping, o mapa de localização da Fazenda e outras informações e fotos. Durante o período de abril a julho de cada ano, anunciamos em revistas nacionais mais consultadas no setor pecuário/leiteiro, bem como nos jornais do estado e da região.
Observamos que a demanda de matrizes leiteiras têm se voltado crescentemente para os animais mestiços, do girolando registrado às mestiças não registradas que eventualmente poderão ser registradas tanto na ACGHMG como na ABGG. Também tem crescido a procura por tourinhos holandeses PO e 1/2 e 3/4 girolando de produção própria. As lactações de nossas vacas holandesas fazem muito sucesso entre os compradores. A s matrizes holandesas são menos procuradas; também não as temos produzido para venda.
O Shopping atende uma área de demanda regional que se estende ao entorno da grande BH, pois a fazenda está a 120 km por asfalto, da capital do Estado. Já tivemos compradores do estado do Rio e surpreendentemente esse ano, vendemos dois caminhões de girolandas registradas e mestiças para o Ceará !
MKP: Quais as vantagens do Shopping para o comprador?
MLAG: As vantagens do Shopping, foram pensadas principalmente para atender à procura por animais de qualidade leiteira confiável em que informações corretas e o o as suas condições de alimentação, sanitárias e de produção, podem ser verificadas diretamente pelo comprador ou seu preposto. Outro aspecto importante é o preço, considerando o padrão e a qualidade dos animais que colocamos à venda. Esse ano conseguimos firmar parceria com Banco do Brasil para financiar as compras, o que nos dá um bom respaldo junto ao cliente. O Shopping por não ter o custo da intermediação do corretor ou do leiloeiro, vende mais barato além propiciar todo conforto e comodidade que um leilão oferece, excetuando o caráter festivo. O que é compensado no Shopping pelo contato e avaliação direta dos animais nas suas condições criação, reprodução e produção.
MKP: A senhora tem tido posição crítica em relação que afetam o setor. É otimista em relação ao futuro do setor leiteiro? Por que?
MLAG: Temos praticamente mais de 30 anos de militância efetiva na produção leiteira, já recebemos de 11 a 32 centavos de dólar por kg de leite, já brigamos por um cooperativismo profissional nos idos 80, já investimos minoriamente numa indústria de laticínios, revoltados com os baixos preços do leite "excedente". Experimentamos a Danone nos seus tempos de elegância e compromisso para com o produtor que investia no negócio. Infelizmente depois que os tempos grosseiros chegaram, fomos trocados como seu patrimônio com a Parmalat. Foi quando deixamos o "doce jugo" das multis e voltamos para a cooperativa de origem, então com um sistema já mais moderno de pagamento por quantidade e qualidade. Quando há dois anos a cooperativa se separou da Central, optamos ficar com a última, ao perceber que seus esforços de modernização eram sérios e que tínhamos mais chances de continuar ser remunerados pela qualidade de nosso leite.
Enfim, como se diz, o mundo dá voltas e hoje não temos mais otimismo mas esperança, depois que o produtor de leite ou a andar com seus próprios pés, em 2001, quando chegou ao fundo do poço com a selvageria do livre mercado comandado pelas multis. A reação foi histórica e se difundiu por toda sociedade e os poderes do governo. Processos e medidas foram tomados e dificilmente retornaremos ao arbítrio que sucedeu à des-regulamentação; estamos todos atentos e vigilantes.
MKP: O que precisaria melhorar olhando o negócio do ponto de vista do produtor de leite?
MLAG: Os problemas do setor leiteiro foram e estão sendo então levantados e colocados à mostra desde 2001. Cabe a nós, produtores, através de nossa influência e de nossas entidades representativas, continuar a fazer pressão sobre o executivo e o legislativo para que encaminhem os projetos e as regulamentações necessárias à domesticação do mercado, como por exemplo: a) exigência de contratação do fornecimento do leite in natura pela indústria de acordo com as especificações de qualidade do leite já normatizada pelo MAPA; b) estabelecimento de preço mínimo de referência do leite que leve em conta não apenas o interesse bancário de financiamento dos estoques pela indústria mas o custo de produção do leite para o produtor nas diferentes regiões do país ( como que um preço de intervenção para evitar a quebradeira em massa do produtor) ; c) projeto de reestruturação do setor cooperativista que tenha como base o direito de propriedade dos sócios-produtores e a profissionalização ou empresariação da cooperativa; d) apoio à exportação de lácteos não apenas enquanto comodities mas produtos de maior valor agregado (para não arcarmos com o ônus de preço da N. Zelândia sem seu bônus); e) programas de profissionalização dos pequenos produtores através da assistência técnica governamental (capacitando-os para serem competitivos no leite ou em outros sistemas de produção como hortaliças, frutas, etc); f) produção e divulgação de informações e estatísticas de interesse para a produção, industrialização, distribuição e consumo de lácteos; g) estudos sócio-econômicos que objetivem o desenvolvimento e a modernização do setor leiteiro e sua inserção no mercado internacional; h) pesquisa e desenvolvimento de derivados lácteos, considerando suas possibilidades de transformação e a utilização de seus componentes nos setores alimentício, de saúde e outros.
Do que foi dito, muita coisa já está sendo feita . Toda iniciativa que ordene as relações ainda bem perversas e oportunistas vigentes na cadeia produtiva e que desenvolva o setor leiteiro é bem vinda. Estamos ainda num mercado altamente volátil porque fracamente regulamentado e afetado pela recessão e o desemprego que já dura muito tempo. Invariavelmente a cada choque, o produtor é o que paga a conta mais pesada. Isso deve mudar, assim que essas condições mudarem.
A empresa leiteira tem sido mau negócio apenas por isso. Se o mercado for regulamentado, principalmente naqueles pontos geradores de conflito de renda e reforçada a estrutura cooperativista do leite, é só voltar o crescimento econômico, que teremos dias melhores.
MKP: Como a senhora gostaria de ver a cadeia do leite daqui a uns 10 anos?
MLAG: Equilibrada em termos de distribuição de renda entre seus elos, menos volátil e mais previsível em seus ciclos de alta de preços e de baixa, mas sem ultraar limites na baixa que levem à quebradeira em massa dos produtores eficientes.
Assim desejo, e espero que daqui a dez anos, já um tanto velhinha, possa balançar na minha cadeira e rir, pensando: até que enfim está sobrando dinheiro vivo no fim do mês no meu bolso!
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BELO HORIZONTE - MINAS GERAIS - PRODUÇÃO DE LEITE
EM 14/03/2006
Atenciosamente,
Carlos

FRANCA - SÃO PAULO - PRODUÇÃO DE LEITE
EM 16/05/2004

OUTRO - MINAS GERAIS - PROFISSIONAIS DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS
EM 15/05/2004
JUIZ DE FORA - MINAS GERAIS - PESQUISA/ENSINO
EM 14/05/2004
Ainda nao a conheço pessoalmente, mas torno público a minha iração por ela. A Dra. Maria Lucia foi o meu batismo neste MilkPoint, quando estabeleceu comigo um longo e profícuo (para mim) debate, quando do meu primeiro artigo na coluna conjuntura, renovado quinzenalmente neste MilkPoint.

OUTRO - MINAS GERAIS - INDÚSTRIA DE LATICÍNIOS
EM 12/05/2004
Romy Farage Batista
Cooperativa de Leopoldina
Gerente-geral
romy@leitelac.com.br