Há alguns dias o agronegócio bateu mais um recorde no emprego de mão de obra. Atualmente são 18.9 milhões de brasileiros ocupados diretamente de um total de 98 milhões, ou seja, quase um quinto da massa trabalhadora sustenta suas casas com o setor agropecuário.
A pecuária emprega 2 milhões e a indústria láctea 260 mil. O levantamento CEPEA mostra que 95% têm algum nível de instrução, porém o agro - e especialmente o leite - estão prontos para absorver essas pessoas?
O leite, por ser uma atividade que requer cuidados com fêmeas gestantes e filhotes, é muito exigente em relação a mão de obra. É preciso entender um pouco sobre parto, saúde, qualidade de leite, cuidados com bezerros etc. Além de tudo, é uma atividade desafiadora quando se fala de rotina, pois o dia começa de madrugada e a operação roda 365 dias do ano.
Paulo Machado, professor e especialista na formação de gestores para o agro dentro da metodologia Agro + Lean, declara sua preocupação com o nível de conhecimento das pessoas envolvidas na atividade. "A grande preocupação é que as pessoas são relativamente escolarizadas, mas que lhes falta habilidades especificas de execução nas tarefas que lhe são dadas no dia a dia e por isso são culpadas por não performarem bem ou ainda por terem falhas de índole, sendo que a mentalidade deveria ser de preparar os gestores das fazendas para que fossem mestres dos operadores. Mestre nesse caso, se entende por pessoas que sabem fazer, mas que mais do que isso que sabem ensinar”, completa.
Pensar na gestão e não diretamente no operacional é um desafio mental, pois inverte completamente o pensamento e o foco das ações e, obviamente, vai alterar o resultado.
Há alguns anos a mentalidade era muito mais autoritária e com pouca abertura para aprendizado, mas, atualmente, além da falta de pessoas dispostas a irem para o campo há o desafio de lidar com manejos e tecnologias que deixaram a atividade em si muito mais complexa.
O raciocínio invertido, de pensar primeiro na capacitação da gestores para que ela capacite o operacional, permite que um único gestor modele sua equipe de acordo com a necessidade do negócio e a partir do momento que essa mão de obra é mais capacitada e, consequentemente mais independente, ele se vê com mais tempo livre para pensar no caminho do negócio.
Muitas vezes a figura do gestor é o próprio dono, mas em outras pode ser uma equipe de gestão formada pelo proprietário, gerente e encarregados de setores. Isso depende muito do tamanho e complexidade do negócio, mas a mentalidade de criar um ambiente de ensino antes de tudo é o mesmo.
Entender que a capacitação deve ser observada de muito perto e que leva tempo, além de ser um processo de repetição, faz com que o gestor tenha expectativas adequadas em relação a velocidade das mudanças e da evolução dos resultados.
Um gestor que compreende que treinar uma pessoa leva tempo e exige presença realmente próxima, consegue entender que os resultados serão consequência e não virão sob pressão. Contudo, pressionar, usar de autoridade, agir de forma enérgica são opções, mas que geralmente encorajam o trabalhador a não se sentir parte do negócio e criar barreiras para sua autoproteção.
Rotatividade de funcionários é um ótimo sinal de que a gestão talvez esteja negligenciando o cuidado com as pessoas. Lembrando que o leite está evoluindo dia a dia e que cada vez mais a carga de ensino vai ter que ser maior.
Saber ensinar é um grande pilar para que times sejam desenvolvidos e se mantenham engajados, já que “se bem capacitadas as pessoas sabem o que fazem, por que fazem e tentam melhorar sempre” segundo Paulo Machado, que completa falando sobre as expectativas do setor sobre os funcionários. “A pessoa deveria entregar o que foi combinado, procurando melhorar sempre. Este é o comportamento que o setor precisa. O que percebemos é que as pessoas não entregam o que foi combinado. Essa é a dor que escutamos de todos ou quase todos os gestores que vem até a Clínica do Leite, e de maneira geral se justifica dizendo que as pessoas de hoje não são como de antigamente, mas não creio que é por ai. Apesar de até poder haver uma parte de verdade, o importante é que o gestor faça com que as pessoas sejam mais competentes e isso implica que o gestor mude e entenda que o papel dele é que as pessoas se tornem mais competentes e não entregarem o produto do processo, e quem entrega os produtos são os operadores, mas quem as capacita são os gestores. Quando elas não entregam é que acontece o problema”
Por onde começar essa jornada é uma boa pergunta a se fazer. O primeiro o deveria ser uma profunda reflexão de que a maneira de gerir negócios e pessoas o trouxe até o estado atual, mas talvez não seja capaz de levá-lo ao próximo estágio.
É preciso parar, talvez até tirar algum tempo fora da fazenda para pensar, fazer essa retrospectiva e entender como se tem agido até o momento, depois repensar se os empregos que são gerados tem realmente qualidade? Dão dignidade ao trabalhador? E mais, se fazem com que ele e sua família queiram fazer parte do negócio? Uma pergunta poderosa a ser feita: Eu gostaria de ser um dos meus empregados?
Perguntas simples, mas que podem mostrar quão urgente é o reconsiderar a maneira como empregamos pessoas e como as mantemos em empregos no agro. O trabalho é duro, mas que deve mostrar ganhos para que atraia e retenha bons trabalhadores nas fazendas e que não se perca pessoas boas de serviço, simplesmente porque não demos o subsídio intelectual e operacional para que elas mostrassem o melhor de si.
Com vacas já entendemos que se dermos conforto, comida e condições, o leite é consequência, mas com pessoas, ainda estamos insistindo na gestão anos 50 que já provou estar ada. Infelizmente, o professor Paulo Machado conclui dizendo que não temos números sobre capacitação ou sobre habilidades de gestores no agronegócio, especialmente no leite, e isso mostra que ainda não se trata de uma área de interesse, como nutrição, reprodução que temos números para quase tudo.
O agro emprega, vai empregar cada vez mais e deveria se preocupar em empregar cada vez melhor.