O Brasil está entre os 20 países com maiores populações caprinas, ocupando atualmente o 19º lugar mundial. A Pesquisa da Pecuária Municipal de 2023, realizada pelo IBGE, que fornece informações sobre os principais efetivos da pecuária existentes nos Municípios brasileiros, aponta 12,9 milhões de cabeças de caprinos, com cerca de 96% desses animais localizados no Nordeste do país. As lentiviroses que acometem pequenos ruminantes (LVPR) a nível nacional, estão entre as principais doenças que devem ser conhecidas pelos produtores. Essas lentiviroses são causadas por vírus do gênero Lentivirus, da família Retroviridae.
A Maedi-Visna é mais comum em ovinos, mas também pode afetar caprinos. Nos últimos anos, a Maedi-Visna tem se apresentado de forma esporádica em rebanhos caprinos no Brasil, com prevalência mais baixa em comparação aos ovinos. Do ponto de vista epidemiológico, a transmissão ocorre principalmente pelo contato próximo entre animais infectados e saudáveis, seja por vias respiratórias, leite ou colostro contaminados. Em caprinos, a disseminação da Maedi-Visna tem sido limitada, possivelmente devido a um controle mais rigoroso de doenças como a Artrite Encefalite Caprina (CAE), que compartilha fatores de transmissão semelhantes. Os sinais clínicos incluem dificuldades respiratórias (maedi) e sintomas neurológicos (visna). Até o momento, o número de casos de Maedi-Visna em caprinos no Brasil é considerado baixo, sendo relatados apenas em focos isolados, sem surtos pouco significativos.
Já a Artrite Encefalite Caprina (CAE) é a lentivirose mais difundida em caprinos no Brasil e que merece maior atenção. Nos últimos anos, a CAE tem se mostrado uma doença endêmica em rebanhos caprinos no Brasil, com alta prevalência em várias regiões. A CAE é considerada uma das principais preocupações sanitárias em criações caprinas, devido à sua transmissão eficiente através do colostro, leite contaminado e contato direto entre animais infectados. Do ponto de vista epidemiológico, a CAE é amplamente disseminada, especialmente em criações intensivas e semi-intensivas. O número de casos tem se mantido elevado, e a presença do vírus pode atingir altas taxas de infecção em rebanhos não controlados, chegando a afetar até 90% dos animais em algumas propriedades. Ela se manifesta de forma crônica causando artrite, mastite, encefalite (principalmente em animais jovens), além de emagrecimento progressivo.
A patogenia da CAE se inicia com o vírus, que pode infectar o animal por via gastrointestinal, respiratória ou intrauterina. Tal vírus tem tropismo por células imunológicas, como os macrófagos. As células sinoviais dos rins, das criptas do intestino, glândulas adrenais e da tireoide são alvos comuns. A infecção, por ser prolongada e crônica, já que o vírus tem preferência pelo sistema imune e se replica lentamente, faz com que o animal seja fonte de infecção intermitente no rebanho, sendo uma doença de morbidade extremamente alta.
O vírus da CAE (CAEV), causa perdas diretas e indiretas relacionadas com reprodução e produção, reduzindo o ganho econômico dos rebanhos. Além dessas perdas, também é um fator negativo ao bem-estar dos animais, uma vez que é uma doença crônica que afeta diretamente as articulações dos animais idosos (artrite) e, pode causar encefalite em animais neonatos. Pelo ponto de vista clínico, a CAE se classifica nas formas nervosa, artrítica, respiratória e mamária. Há redução do tempo de vida produtiva e ganho de peso dos animais e também prejuízos quanto a produção e qualidade de leite pela redução dos níveis de gordura e outros componentes sólidos do mesmo.
Para identificar a presença de animais doentes devido a Artrite Encefalite Caprina (CAE) no rebanho, o produtor deve observar os seguintes sinais clínicos:
- Artrite crônica: inchaço nas articulações, claudicação (manqueira) e dificuldade de locomoção, especialmente em animais adultos e mais velhos do rebanho.
- Emagrecimento progressivo: mesmo com alimentação adequada mantida, os animais perdem peso gradativamente.
- Mastite: produção de leite reduzida ou de baixa qualidade, presença de alterações no leite como grumos ou leite mais fluido que o normal, além de “endurecimento” do úbere.
- Problemas neurológicos: tremores, dificuldade de equilíbrio e, em casos mais severos, paralisia, principalmente em cabritos recém nascidos e jovens.
Ao perceber os sinais clínicos, o médico veterinário deve ser chamado para se proceder com o diagnóstico definitivo que pode ser feito por meio de exames laboratoriais, como a sorologia (ELISA) para detecção do vírus e, a partir do resultado, propor medidas para controlar a doença. De acordo com a Instrução Normativa nº 50 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, publicada em 24 de setembro de 2013 (BRASIL, 2013), em casos de infecção por Lentivírus de Pequenos Ruminantes (LVPR) deve ser feita a notificação obrigatória ao Serviço Veterinário Oficial.
Destaca-se a inexistência de uma vacina para esta doença, o que torna as medidas de controle as ferramentas de melhor êxito para evitar a disseminação. Podemos citar:
- Realização de testes sorológicos semestrais.
- Separação de animais positivos dos negativos.
- Implementação de medidas preventivas e de controle nos rebanhos.
- Aplicação de tratamento térmico no leite fornecido aos recém-nascidos.
- Seleção exclusiva de animais soronegativos para reprodução.
- Desinfecção de utensílios comuns, como tatuadoras e teteiras de ordenhas, e descarte de materiais usados.
- Manutenção de um banco de colostro proveniente de cabras com testes negativos comprovados.
- Além disso, como medida de controle, é recomendável estabelecer um ambiente separado da baia, designado como área de quarentena, para animais recém-chegados e não testados.
Figura 1. Medidas de controle de Lentiviroses para rebanhos caprinos, proposto por Rocha et al. (2022).
Na falta de um tratamento específico a ser adotado, há recomendação de terapia e com uso de anti-inflamatórios não esteroidais e antibióticos para infecções secundárias em pulmões e glândulas mamárias. Vale ressaltar que nada disso impede a progressão da doença. Portanto, são imprescindíveis o manejo sanitário adequado e o uso de testes sorológicos para identificar os animais positivos e tomar medidas para a diminuição da disseminação da CAEV no rebanho, isto porque a doença ainda não tem cura.
Nos últimos anos, vem crescendo o número de pesquisas para o diagnóstico mais precoce e preciso da doença e também o estudo da criação de uma vacina para a prevenção da doença. Com a conscientização dos proprietários de caprinos e ovinos da problemática da doença é esperado uma adequada execução das medidas profiláticas para a atenuar os casos de lentiviroses em pequenos ruminantes.
Autores
1Alice Andrade Nóbrega Ferreira;
1Fernanda Teixeira de Souza; 1Isabelle Antunes Nascimento e 2Ana Paula Lopes Marques
¹Discentes do curso de Medicina Veterinária; ²Orientadora LiBovis-UFRRJ
Referências
BRASIL. Instrução Normativa MAPA nº 50, de 23 de setembro de 2013. Lista das doenças animais de notificação obrigatória ao Serviço Veterinário Oficial brasileiro. 2013. Disponível em:
IBGE. Produção Pecuária Municipal, v. 51, p.1-12, 2023. Disponível em:
NASCIMENTO, C. B. et al. Ferramentas diagnósticas de Lentivirose de Pequenos Ruminantes: padronização da técnica de ELISA indireto. Animal Pathology/Scientific Article. Arquivos do Instituto BiológicoArq. Inst. Biol., São Paulo, v. 81, n. 1, p. 9-15, 2014. Disponível em: < https://www.scielo.br/j/aib/a/TVLvsCZHcDnFmQVLxs8KtLG/?lang=pt>. o em: 17 marjun. 2024.
OLIVEIRA, M. et al. Estudo epidemiológico das lentiviroses de pequenos ruminantes na Mesorregião do Oeste Maranhense, Brasil. Pubvet, [S. l.], v. 10, n. 07, 2016. DOI: 10.22256/pubvet.v10n7.550-555. Disponível em:
ROCHA, J. A. S. et al. Lentiviroses de pequenos ruminantes: perguntas e respostas. 1. ed. Recife: EDUFRPE, 2022. 38 p. Il. Disponível em:
VALENTIM, M. et al. Lentivírus dos pequenos ruminantes. Revista Ruminantes, v. 47, p. 16-18, 2022. Disponível em: < https://bibliotecadigital.ipb.pt/handle/10198/28825>. o em: 17 mar. 2024.