Este não é um artigo sobre o fim da queda de preços do leite. Até porquê, os preços ao produtor ainda não chegaram ao fundo do poço, infelizmente. A captação pelos laticínios continua a crescer, o que significa que estamos longe do término do "overshooting" do mercado. A oferta continua suplantando a demanda, e muito. Então, de que fundo trata este artigo?
Por mais insano que alguns acreditem ser o mercado de lácteos, seu comportamento é da mais pura racionalidade. Do lado da demanda, o consumo cresce quando cresce a renda do consumidor. E esta cresce, quando a economia (PIB) cresce acima do crescimento populacional, cresce quando há queda brusca da taxa de inflação, ou quando ambas acontecem juntas. Nestes casos, o que ocorre é o crescimento da renda real, ou seja, o poder de compra das famílias aumenta e, como conseqüência, aumenta o consumo de leite.
Pelo lado da oferta, esta cresce quando cresce a demanda (com reflexo imediato na elevação dos preços ao produtor), quando cai a inflação (porque o produtor percebe o aumento de sua renda mensal derivada do pagamento do leite e isso o estimula a aumentar a produção), ou quando, em termos relativos, a rentabilidade do leite está melhor que outras culturas. Esta última é muito recente e é a prova inconteste de que o leite hoje deixou de ser o patinho feio do agronegócio brasileiro.
E o que temos de tendência para o leite no Brasil em 2010, portanto, que cenário temos para os próximos cinco anos? Penso que: a) a produção tenderá a crescer mais que o consumo; b) teremos mais dificuldades para crescer as nossas exportações; c) haverá menos apoio governamental para os lácteos.
A primeira afirmação é obvia, de acordo com o gráfico 1. A cada década, a média anual de produção é maior que a anterior. Nesta meia década, somente o crescimento da produção média anual já equivale à produção do Uruguai em quatro anos e, seguramente, fecharemos a década com um acréscimo na produção média anual acima de toda a produção da Argentina. Se a produção crescerá mais que o consumo interno, será necessário marketing institucional e pesquisa e desenvolvimento, além de ações institucionais junto ao executivo e legislativo.
Gráfico 1. Produção anual de leite do Brasil. 1970 -2004. (em bilhões de litros)
A segunda é derivada do fato de que, ao crescermos, incomodaremos os concorrentes, que reagirão. Ademais, para crescer em novos mercados. Será necessário conhecer as peculiaridades dos consumidores, seus costumes e as legislações vigentes. Isso exigirá pesquisa (de mercado e de produto), marketing institucional e melhoria da qualidade do produto e, conseqüentemente, da matéria-prima, o que envolve pesquisa e defesa sanitária.
A terceira afirmação é obvia. Alguém acredita no contrário?
Enfim, tudo caminha para o Brasil ultraar a França no ranking mundial de maiores produtores de leite já em 2006, assumindo a quinta colocação. Mas isso poderá ser um grave problema. Ou uma grande oportunidade. Sem nenhuma ação preventiva do setor, teremos crise brutal e longa. Mas é possível evitá-la. Como isso é possível?
Para encontrar alternativas, sempre é bom verificar como outros países importantes encontraram desenhos institucionais para o leite. Além disso, sempre é bom verificar como outras cadeias melhor estruturadas no Brasil se organizaram para assegurar sólida participação no mercado interno e ganhos contínuos no mercado externo. Em ambos os casos, para se atingir os fins, o meio foi a criação de fundos específicos, com a participação voluntária ou não de recursos privados.
Voltaremos a esse assunto na próxima quinzena, depois da realização do V Congresso Internacional do Leite, que se realizará em Goiânia, entre 28 e 30 de novembro, um evento que tem o saudável apoio deste MilkPoint. Conheça a programação no site: www.cnpgl.embrapa.br/congresso/.
Até lá!