Não há dúvida. Com atraso em relação aos demais setores do agronegócio brasileiro, o setor de leite e derivados está iniciando processo de reversão de expectativas. Mas, qual o tamanho dessa crise? Quanto tempo irá durar? Como sair dela?
Entre 18 e 22 de julho, a Epamig realizou em Juiz de Fora - MG, o Congresso Brasileiro de Laticínios, a Exposição de produtos lácteos e a Exposição de máquinas, equipamentos e ingredientes utilizados na produção de derivados. Mais de cem expositores, de diferentes países, e uma dezena de belos trabalhos científicos. Ao mesmo tempo, já em Viçosa - MG, foi realizada a 76ª. Semana do Fazendeiro, pela Universidade Federal, tendo no leite uma grande referência. E, além disso, entre 21 e 23 do mesmo mês, ocorreu o 7º. Interleite, realizado pelo MilkPoint. Um sucesso!
Na última semana de julho ocorreram dois eventos científicos de grande relevância e peso, em que o leite esteve em evidência: Congresso Brasileiro de Zootecnia, em Goiânia - GO, e o Congresso Brasileiro de Economia e Sociologia Rural, em Ribeirão Preto - SP. Teve, ainda, a Expomilk, em São Paulo - SP (26 a 30). Seguramente, outros eventos de menor vulto ocorreram por todo o Brasil. Somente a Embrapa Gado de Leite fechou o mês de julho com 19 cursos exclusivamente focando a IN 51.
Os fatos mostram o dinamismo do setor e a busca por conhecimento técnico e por caminhos que melhorem a organização da cadeia produtiva mais complexa e mais importante do agronegócio brasileiro.
Durante o 7º. Interleite, a OCB/CBCL reuniu mais de 60 dirigentes de cooperativas de leite e inovou, convidando um dos grandes especialistas em economia brasileira, o Prof. Gesner Oliveira. Bela, lúcida e oportuna apresentação. Em síntese, o Prof. Gesner entende que a economia ainda não se contaminou pela crise política, mas o Produto Interno Bruto, que mede o comportamento da economia, deverá se desaquecer, pois crescerá 0,8% entre julho e setembro, e somente 0,5% entre outubro e dezembro. Portanto, o crescimento do ano de 2005 deverá ser creditado, em grande parte, ao crescimento do primeiro semestre, e não deste que estamos iniciando. Os sinais de desaceleração da economia podem ser sentidos no Índice de Preços ao Consumidor, que registrou variação (inflação) zero em junho. Entre janeiro e dezembro de 2005, o Prof. Gesner prevê que a economia mundial, mais uma vez, crescerá mais que a economia brasileira. Prevê, ainda, um câmbio de R$ 2,55 por dólar em dezembro, e a taxa de juros (Selic) em 18%. Se confirmadas as previsões do emérito professor e experiente consultor, que reflexos deveremos ter no setor de leite e derivados?
Nunca deve ser esquecido e deixado de ser insistentemente falado, que grande parte do cenário de crise da economia se deve à taxa de juros elevada, adotada pelo Banco Central. Com juros estratosféricos, entra dinheiro especulativo no Brasil, aumentando a oferta de dólares. Como a taxa de juros é o "preço" da moeda nacional frente ao dólar, vale a lei da oferta e da demanda. Se o Banco Central reduz a emissão e circulação de Reais e há mais dólares disponíveis, o Real fica caro frente ao dólar.
Os motivos da crise no leite são claros. A produção cresceu, em função dos preços recebidos pelos produtores, que estiveram atrativos entre julho de 2004 e junho de 2005. Com remuneração melhor, há um natural estímulo para que o produtor adote práticas que melhorem o desempenho técnico de seu rebanho. Mas, isso não explica tudo. Havia também uma forte expectativa favorável no setor, frente às novas fábricas. E expectativa favorável é algo relevante. Se todos imaginam que o futuro será melhor, agimos investindo na atividade e o resultado aparece meses depois. Além disso, como outros setores do agronegócio demonstravam dificuldades de se manterem atrativos desde o ano ado, houve migração para a atividade leiteira. O resultado é esse: oferta maior de leite.
Não haveria problema na elevação da oferta, se a demanda também crescesse na mesma proporção. Ocorre que crescimento de demanda depende de crescimento da renda, que depende de crescimento da economia. Com economia crescendo, crescem os salários e cresce a massa salarial. Os salários crescem e ficam acima da inflação, porquê há demanda maior por trabalhadores. Já a massa salarial cresce, pois há mais pessoas trabalhando. O problema é que isso ocorreu no primeiro semestre em proporção menor que o crescimento da oferta de leite. Logo, o mercado ou a ser ofertador de leite. Haveria uma forma de contornar esse problema, via exportação. Mas, estas, ficam comprometidas com o câmbio atual.
Seria possível prever esta crise, se tivéssemos dois indicadores de mercado, ainda que bimestrais: um indicador de vendas e outro indicador de estoques. Se as empresas de laticínios se dispusessem a informar para uma entidade idônea, como a Embrapa, a variação das vendas dos principais produtos e a variação dos estoques, seguramente iríamos nos antecipar aos problemas e correções seriam feitas, antes da crise se instalar. Mas não temos estes indicadores e eu pretendo voltar nesse assunto em próximo artigo.
Ainda é cedo para afirmar, com segurança, qual é o tamanho da crise. Portanto, compensa exercitar sobre dois cenários possíveis. No primeiro, suponha que a economia não irá se contaminar e manterá juros elevados e câmbio caminhando para R$ 2,55, como prevê o Prof. Gesner. Nesse caso, caminhamos para o período de safra com um excesso de oferta de leite. No segundo cenário, que qualquer agente racional não quer que se realize, a economia se contamina e o Governo é deposto. Nesse caso, provavelmente o câmbio caminhará para R$ 3,00 ou mais. Isso é bom para as exportações, mas não há garantia de tranqüilidade para o setor, pois a turbulência poderia traduzir em inflação, que é mais danosa para o consumo de leite que juros e câmbio desfavoráveis.
Portanto, não é possível imaginar que a crise do setor possa ser resolvida fora do próprio setor. A ajuda não virá de fora. Será necessário cortar na própria carne. Qual o melhor caminho?
O setor aproxima-se do que chamamos, em economia, de mercado de competição pura. Neste modelo, o produtor pergunta ao mercado quanto querem pagar pelo seu produto. Por ser atomizado, é impossível uma ação sincronizada para reduzir oferta, como fazem as montadoras de veículos. Seria o mesmo que se tentar promover, como foi tentada, uma campanha de boicote contra um refrigerante e uma rede de fast food multinacionais, em protesto contra a invasão do Iraque. A chance de sucesso na sincronia, na ação orquestrada, é zero. Mas, a oferta, necessariamente irá cair, mesmo que nada seja feito, pois os produtores são racionais. Irão buscar reduzir custos de produção, já que os preços apresentam queda. Como a atividade leiteira tem pouca margem de manobra, no curto prazo, o principal caminho que o produtor tem é reduzir custos via alimentação.
Então, o espaço útil para atuação de lideranças e de técnicos do setor é informar aos produtores quanto a esta crise e induzi-los a adiar investimentos e orientá-los a adotar alimentação mais barata em seus diferentes sistemas de produção. Mas, de modo seletivo, até que a crise e. Sem informação, vira estouro da boiada e todos perdem no médio prazo, inclusive o consumidor, pois faltará leite lá na frente.
Atuar de modo a orientar os produtores é algo possível para lideranças nacionais, que vêm demonstrando continua maturidade no trato de crises. Vejam o desempenho da CNA em relação à pressão para o adiamento da IN 51. Não afrouxou, nem foi para o confronto. Com isso, viabilizou a agem do primeiro mês da implantação da IN 51, inviabilizando o conflito esperado e almejado por muitos. Contudo, é necessária a atuação orientadora dos técnicos, que terão que lembrar que a sua função não é e nunca foi levar o produtor a produzir mais leite. Produção é meio, não fim em si. Sua função é fazer o produtor ganhar mais dinheiro e, com mercado saturado, o melhor caminho para se atingir esse objetivo, não é estimulando o aumento de produção.
Há ainda dois caminhos importantes, que demandam articulação. O primeiro é aproveitar que a Câmara dos Deputados está discutindo Medida Provisória que reduz impostos, a chamada MP do Bem. Ali há espaço para reduzir custos dos produtos lácteos e, conseqüentemente, estimular consumo interno e as exportações. O segundo, é negociar a criação de crédito brasileiro para financiar importações de países pobres.
Enfim, o tamanho da crise dependerá do nível de informação e orientação que os produtores vierem a ter. Com mais e melhores informações, menos ações oportunistas ocorrerão. Cada crise ensina um pouco aos agentes. E estes aprenderam muito com a crise do apagão. Portanto, partilho a opinião que a crise é menor que se anuncia. Os produtores, na média, saberão adiar investimentos e reduzir custos, mesmo que com inegável perda de receita nos próximos meses. Mas sairão mais fortalecidos daqui a alguns meses. Há luz no fundo do túnel, e não é explosão de bomba terrorista...