A primeira metade do ano de 2005 já se foi. Nela, a notícia mais freqüente sobre o agronegócio é que havia chegado o tempo das vacas magras. Produtores de soja, milho, carne, algodão, enfim, todos os segmentos reclamaram de perda de competitividade. O leite foi diferente. E agora, o que esperar do segundo semestre?
Em março, um importante economista amigo informou-me que o Banco no qual ele é responsável por análises de conjuntura, trabalhava com o valor do dólar a R$ 2,40 para o meio do ano. Fiquei surpreso. Naquela época, o dólar estava em R$ 2,68. Isso me levou a escrever o artigo "Perigoso Otimismo", publicado nesta seção, em 14/03. Vale a pena voltar a lê-lo, clique aqui.
Nos meses de maio e junho o mercado de leite emitiu sinais distorcidos. De um lado, os leilões e a venda de animais especializados na produção de leite demonstraram um vigor considerável. Refletiram o otimismo dos produtores em relação ao preço de leite. Em parte, esse otimismo foi alimentado pelo número de projetos de instalação de novas plantas industriais em importantes regiões produtoras, por grandes e até mesmo médios laticínios. Mas, por outro lado, o dólar chegou a um patamar extremamente baixo - R$ 2,36. Isso torna extremamente difícil manter competitividade nas exportações de lácteos, ao tempo em que as importações ficam facilitadas.
Dólar cotado a R$2,36. Isso claramente configura um quadro do que os economistas chamam de Real valorizado. O Real é considerado valorizado quando é necessário menos Real do que era esperado, para adquirir o dólar. Se, num outro extremo, o dólar estivesse cotado, neste momento, a R$ 7,00, fatalmente diríamos que o Real estaria desvalorizado.
Há formas de saber qual deveria ser a cotação correta do dólar em relação ao dólar. Alguns economistas utilizam modelos sofisticados. Também é possível considerar opinião daqueles que atuam comercializando no mercado internacional. O fato é que, na medida em que ocorre inflação interna, o ideal é que o dólar valorize na mesma proporção da inflação brasileira, menos a inflação externa. Suponha que, num determinado momento, um dólar equivalha a R$ 3,00. ados um ano, se a inflação brasileira for de 12% e a inflação mundial for de 2%, o ideal é que a cotação do dólar frente à moeda nacional se valorize em 10% (12% - 2%). Nesse caso, o dólar aria a ser cotado a R$ 3,30. Assim, as exportações brasileiras não seriam prejudicadas nem beneficiadas, pois o dólar teria incorporado a inflação interna. Na prática, o preço dos produtos brasileiros estaria mantendo o mesmo nível de competitividade. Não haveria, portanto, nenhum estímulo adicional à importação nem a exportação por causa da taxa de câmbio.
Mas não é o que tem ocorrido no Brasil. Nos últimos doze meses tivemos inflação interna que já se aproxima de 10% e o dólar, em vez de se valorizar frente ao Real, está seguindo o sentido contrário. No início do ano, por exemplo, analistas, exportadores e os ministros Furlan e Roberto Rodrigues reivindicavam que o dólar valesse mais de R$ 3,00. E, hoje, está abaixo de R$ 2,40.
O que isso interfere na cadeia do leite? Muito! Para quem exporta, os custos internos se elevam com o tempo e o preço do leite em Real tende a acompanhar. Ocorre que, quando os preços dos derivados lácteos são convertidos em dólar, os preços dos produtos nacionais ficam caros e podem perder competitividade, se o dólar se mantiver desvalorizado, ou seja, se não se valorizar na mesma proporção.
Para quem comercializa somente no mercado nacional também pode ocorrer impacto desfavorável, pois os preços dos produtos lácteos tendem a subir ao longo do tempo e os preços dos produtos importados a cair, já que o Real está valorizado. Portanto, estimulante importar derivados lácteos. Se isso ocorre, aumenta a oferta de leite e derivados no mercado interno, concorrendo com o produto nacional. Todos viram este filme ao longo dos anos noventa, não? Com dólar desvalorizado como está, há estímulo a importações e desestimulo a exportações.
Vejamos o que está ocorrendo na economia brasileira como um todo, escolhendo dois setores: Siderurgia e Móveis. A Siderurgia mantém intensas relações com diferentes setores. Capta rapidamente, portanto, o "humor" do mercado. Um importante executivo de uma das duas maiores empresas do setor siderúrgico confidenciou-me que as vendas do setor já caíram 30% este ano e que estão adiando projetos de expansão da produção. Isso se deve ao fato do setor estar com dificuldades de exportar seus produtos, bem como vendê-los no mercado interno, que também tem apresentado sinais de desaquecimento.
Leite é também um setor com intensas relações com outros setores, principalmente, segmentos da indústria de alimentos. Afinal, somente cerca de 52% da produção de leite brasileira chega ao consumidor na forma de leite fluído e de derivados lácteos. Os demais 48% são utilizados como insumo por outros setores. O segmento lácteo, como o siderúrgico, recebe o impacto de crescimento de vendas ou de recessão de modo muito intenso e rápido, exatamente por quê têm esta característica de intensas relações com muitos setores.
Outro setor que demonstra dificuldade de colocação de produtos é o setor de Móveis e Utensílios Domésticos. Este setor é muito sensível ao comportamento da demanda. Quando a economia está em crescimento, esse setor cresce rapidamente a demanda. O inverso é verdadeiro, ou seja, em regime de desaquecimento de vendas na economia, rapidamente o setor de Móveis e Utensílios tem desaquecimento de demanda. Setores como esse dependem muito do comportamento da renda das famílias. Móveis são chamados bens-salário. Esse é o caso do leite e da maioria de seus derivados. Na última quinzena de junho estive em Porto Alegre e li no Jornal Zero Hora, que o setor moveleiro daquele Estado já demitiu 800 pessoas este ano.
Portanto, os sinais que são captados de setores alheios ao leite, mas que guardam alguma similaridade (siderurgia e móveis), são de desaquecimento nas vendas. Somados a boatos que circulam sobre a existência de elevados estoques de lácteos pelas empresas de laticínios, é provável que esteja em curso um ponto de inflexão, ou seja, os preços deverão deixar de crescer e, talvez, começar a cair. É muito provável que tenhamos momentos difíceis no segundo semestre deste ano. Tudo leva a crer que se avizinha o tempo de "vacas magras" para os produtores de leite. No próximo artigo analisaremos a origem de tudo isso.
Segundo semestre será difícil
A primeira metade do ano de 2005 já se foi. Nela, a notícia mais freqüente sobre o agronegócio é que havia chegado o tempo das vacas magras. Produtores de soja, milho, carne, algodão, enfim, todos os segmentos reclamaram de perda de competitividade. O leite foi diferente. E agora, o que esperar do segundo semestre?
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Paulo do Carmo Martins
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SÃO PAULO - SÃO PAULO
EM 21/07/2005
É bastante gratificante ver assuntos complexos serem tratados de forma bastante simples na maioria das cartas do senhor, parabéns.
De fato pode ser comprovada a reviravolta do saldo comercial do setor lácteo, graças à taxa de câmbio valorizada?
Dando uma olhada na balança comercial, verifiquei que a maioria das importações são junto aos nossos "parceiros" do Mercosul.
Houve aumento das importações da Argentina em 41% no primeiro semestre de 2005 sobre igual período de 2004, do Uruguai houve crescimento de 71%; ambos, significativamente, de leite em pó. Até o Paraguai registrou forte presença com a exportação de leite longa vida para o Brasil. O EUA enviou soro de leite, com mais de 1000% de crescimento em volume, da França mais modestamente, importamos 112% mais desse mesmo produto.
A quem o estimado professor atribui o crescimento desse tipo de importação, à indústria ou ao varejo?
Não temos produtos mais íveis e maior oferta que esses fornecedores no mercado interno?
Ou devemos aceitar que o câmbio seja verdadeiramente e somente o culpado pelo início das mazelas do setor?
Obrigado pelo espaço e forte abraço.
<b>Resposta do autor</b>
Prezado Senhor Carlos Augusto,
Desde a abertura da economia brasileira, no início dos anos noventa, a origem das nossas importações tem se concentrado nos países do Mercosul. Isso se deve à inegável competitividade daqueles países na produção de leite, somado à maior proximidade, o que reduz risco de frete, além do ambiente institucional, representado por serem povos que têm culturas próximas. Isso também ajuda nos negócios, não?
Bom, certamente quem importa, importa movido por algum interesse econômico, que não é totalmente captado pelas estatísticas, até porque, no Brasil, não é possível saber que empresa importou, que produto e a que valor. Temos estas informações somente consolidadas.
E o fator diferencial nos últimos seis meses é, sem duvida, o valor do real frente ao dólar. Logo, considerando que os demais interesses sempre existiram, o que explica o comportamento da balança comercial do leite é, efetivamente, câmbio.
Paulo Martins
ANGATUBA - SÃO PAULO - PRODUÇÃO DE LEITE
EM 02/07/2005

BOTUCATU - SÃO PAULO - PROFISSIONAIS DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS
EM 01/07/2005
Os produtores recebem um bombardeio de informações sobre a queda dos preços (8 a 10 centavos), de maneira abrupta.
Os consumidores até agora não sentiram queda dos preços nos supermercados, e vão agora consumir produtos importados, sabe-se lá de onde (será mesmo da Argentina?).
Em plena campanha de implementação de um grande programa de qualidade, visando exportações (IN 51), vemos um desânimo generalizado exacerbado pela mídia, onde produtores já estão se vendo obrigados a aceitar preços inferiores, quando esperavam talvez terem seus produtos valorizados por qualidade, devido as importações. Muitos investiram na atividade em busca de um diferencial pela qualidade.

CUIABÁ - MATO GROSSO - PRODUÇÃO DE LEITE
EM 01/07/2005
O dólar não se manterá por muito tempo a R$ 2,40. Dólar barato foi uma ilusão do PSDB que o PT está adotando e irá também se desfazer desta ilusão em pouco tempo.

BELO HORIZONTE - MINAS GERAIS - PRODUÇÃO DE CAFÉ
EM 29/06/2005
Pode ser que o senhor esteja certo ao dizer que um novo período de preços baixos se avizinha. Certamente não constituirá novidade alguma para o setor de produção de leite.
Quanto a colocar a culpa no câmbio, na queda de renda da população, etc. é matéria que demandaria discussão muito mais profunda do que este espaço permite.
Gostaria principalmente de protestar diante da sua afirmação de que o custo de produção no Brasil é de US$ 0,15 / litro (R$ 0,35 / litro). Só se for para produzir leite de péssima qualidade, em instalações precárias e remuneração de trabalho escravo para os funcionários e/ou donos.
Renato Fonseca
<b>Resposta do autor</b>
Sr. Renato Fonseca,
Entendo que este é um espaço para se discutir câmbio, sim. Afinal, quantos espaços existem que têm leitores de nível, como o senhor? E o espaço é suficiente para discutir assuntos complexos, sim. Ou devemos deixar essas questões somente para ambientes mais s? Bom, mas nesses assuntos, eu também tenho procurado ocupar. Faço, como rotina, discussões a respeito (e não especificamente em relação ao leite), nas minhas aulas semanais para futuros economistas, na disciplina economia internacional, da UFJF.
O que precisamos é popularizar assuntos complexos, mas que atingem o setor!
Não disse que o custo de produção é R$ 0,35. Disse que gira em torno de US$ 0,15. A diferença é que o senhor aceitou a cotação atual do dólar. Eu não! Estou com os ministros Roberto Rodrigues e Furlan: R$3,30.
Sabe qual foi a média da cotação do dólar em 2004? Convido-o a ler o próximo artigo, naturalmente, sobre o mesmo assunto, mas aprofundando a análise.
Paulo Martins

CAJOBI - SÃO PAULO - PRODUÇÃO DE LEITE
EM 27/06/2005
Eu sei que é bastante complicado raciocinar em cima das flutuações do dólar. Sei também que quando o dólar aumenta tudo aumenta de preço e quando o dólar abaixa parece que tudo aumenta também.
Eu sei que quanto mais valorizado a moeda de um povo, mais ricos eles deveriam ser. Será que em vez de ficarmos olhando a queda ou elevação do dólar nós deveríamos tentar analisar o que acontece aqui no nosso país?
Por exemplo, o que precisamos fazer para não depender tanto da flutuação do dólar? Os insumos aumentam quando o dólar valoriza, mas quando o dólar cai e os insumos continuam com o mesmo preço, quando o dólar torna a aumentar, os insumos tornam a aumentar de novo, sem ter acompanhado a queda do dólar.
Será que essas flutuações do dolar não são propositais por quem esta controlando a economia do país? Será que nós não temos que reclamar internamente com quem esta dirigindo a economia?
Temos que exigir que quando o dólar caia, os preços de fertilizantes, e etc. deveriam cair também. Assim tornaríamos mais competitivos. O problema é que quando o dólar cai os preços não acompanham. Deveríamos ir diretamente ao problema e exigir das autoridades que estão no comando.
Veja, a inflação chegou a 45% ao mês. Quando não foi mais interessante para alguém, isso mudou repentinamente. Será que nós não temos competência para digerir esses problemas do dólar e aumentos e quedas de preços?
Antonio César Ferreira
<b>Resposta do autor</b>
Prezado Senhor Antonio César,
Sou de opinião que evoluímos muito, desde o inicio dos anos noventa. Já não temos o tumor social e econômico chamado inflação, a nos assustar tanto. Tenho visão otimista quanto à nossa contínua maturidade enquanto sociedade. Convido-o a ler o próximo artigo, quando pretendo analisar o que está gerando este dólar desvalorizado.
Paulo Martins

OUTRO - SÃO PAULO - INDÚSTRIA DE LATICÍNIOS
EM 27/06/2005
E o que devemos fazer para acompanhar esse custo?
<b>Resposta do autor</b>
Prezado Senhor Roberto,
Os produtos lácteos são subsidiados na origem, na maioria dos países exportadores. Isso deprime o preço internacional. No Brasil há uma lei que minimiza este problema para os importados. Neste momento, o problema é o Real valorizado. Afinal, somos muito competitivos em situação normal de câmbio, pois o custo de produção de leite gira em torno de US$ 0,15 aqui no Brasil.
Paulo Martins

SÃO PAULO - SÃO PAULO - PRODUÇÃO DE LEITE
EM 27/06/2005
<b>Resposta do autor</b>
Prezado Senhor Márcio,
Obrigado por ler e comentar o artigo. Sabemos que o leite apresentou retornos favoráveis, pelo menos nos últimos 24 meses para a maioria dos produtores.
Paulo Martins
PATROCÍNIO PAULISTA - SÃO PAULO - INDÚSTRIA DE LATICÍNIOS
EM 27/06/2005
Não é fácil ser mensageiro de notícias ruins, mas os sinais são bastante claros de que uma crise de grandes proporções se avizinha:
1) Produção nacional em crescimento (10% de aumento no 1<sup>o</sup> trimestre de 2005);
2) Câmbio desfavorável, estimulando as importações (aumento de 50% até maio/05) e desestimulando as exportações;
3) Mercado consumidor deprimido (queda na renda, juros altos, etc.).
Como esses fatores não devem se alterar em curto prazo, aparentemente a correção de mercado se fará pela redução nos preços ao produtor. As primeiras notícias de queda de preço em plena entressafra já estão surgindo.
Será que teremos uma repetição de 2001?
Laércio Barbosa
Diretor Comercial
Usina de Laticínios Jussara S.A.
Patrocínio Paulista - SP