A necessidade de um período seco antes da próxima lactação é uma prática comum em rebanhos leiteiros, que tem objetivo de preparar a glândula mamária para a próxima lactação. A influência do método de secagem e da duração do período seco sobre a produção de leite e saúde das vacas na lactação seguinte já foram bastante estudados. Inclusive, este foi tema de um outro texto publicado recentemente em nossa coluna (Qual é o melhor método para secagem de vacas leiteiras?).
Os dois métodos mais usados para a secagem de vacas são o abrupto e o intermitente. Na secagem abrupta interrompe-se as ordenhas da vaca de acordo com um intervalo definido (normalmente de 45 a 60 dias) pela data prevista de parto. Por outro lado, a secagem intermitente (também conhecida como secagem gradual) ocorre pela redução da frequência de ordenha durante um período de dias ou semanas (com ou sem restrição alimentar).
O método de secagem intermitente é o que mais se aproxima do comportamento natural das vacas, visto que na natureza o bezerro diminuiu gradativamente a ingestão de leite antes do desmame. A redução gradativa da frequência de ordenha causa diminuição na produção de leite antes da secagem definitiva, o que pode ser benéfico para a saúde do úbere das vacas.
O processo de involução da glândula mamária de vacas com baixa produção de leite na secagem foi associado com a maior eficiência de fatores metabólicos e imunológicos que promovem a remoção de células danificadas ou mortas da glândula mamária em comparação a vacas de alta produção submetidas à secagem de forma abrupta. A redução no tempo de involução da glândula mamária aumentou a taxa de cura de infecções intramamárias existentes, além de prevenir novas infecções de forma mais eficiente. No entanto, devido ao aumento do tamanho dos rebanhos e à intensificação da produção observada em muitos países, o método de secagem abrupto ainda é o procedimento mais usado por ser de mais fácil manejo que o método intermitente.
Estudos recentes descreveram que o método abrupto de secagem pode inclusive afetar o comportamento e bem-estar das vacas. Vacas de alta produção que foram secadas de forma abrupta apresentaram níveis mais altos de indicadores de estresse do que vacas submetidas a secagem de forma intermitente. Além disso, vacas secadas abruptamente mostraram forte motivação para serem ordenhadas, o que foi percebido pela maior permanência no portão próximo da sala de ordenha, e pela maior frequência de mugidos do que vacas secadas pelo método intermitente.
Além disso, é possível que a interrupção abrupta da ordenha cause desconforto para a vaca, de acordo com o aumento a pressão interna do úbere. Um estudo realizado nos EUA avaliou os efeitos do tipo de secagem (abrupta ou intermitente) e dos níveis de produção de leite sobre o comportamento de vacas leiteiras em torno do período de secagem. A hipótese dos pesquisadores foi de que vacas mais produtivas antes da secagem submetidas à interrupção abrupta de ordenha sofreriam maior desconforto devido ao acúmulo de leite, e isso acarretaria mudanças de comportamento, especialmente a frequência em que as vacas deitaram e ao tempo que as vacas permaneciam em descanso.
O comportamento de 58 vacas (29 em cada grupo de secagem) foi avaliado por meio pedômetros, que mediram o número de vezes que as vacas deitaram, o tempo em que as vacas permaneceram deitadas, e o número de os que as vacas deram por dia. As vacas secadas abruptamente foram ordenhadas até o final da lactação conforme a rotina do rebanho (três vezes ao dia). Por outro lado, as vacas secadas pelo método intermitente foram ordenhadas apenas uma vez ao dia durante a última semana de lactação. A produção diária de leite foi registrada para todas as vacas durante os 14 dias antes da secagem.
Antes da secagem, a CCS, os dias em lactação e o número de lactações foram semelhantes entre as vacas de ambos os grupos. Da mesma forma, não houve diferença de produção de leite entre as vacas com secagem intermitente (23,9 kg/dia) e as com secagem abrupta (24,7 kg/dia). No entanto, no último dia de lactação, como esperado, as vacas de secagem intermitente apresentaram menor produção de leite do que as vacas secadas de forma abrupta (14,3 vs. 22,7 kg/dia).
Não houve diferença de comportamento das vacas, durante os 14 dias antes da secagem, entre os grupos de secagem. Em média, as vacas permaneceram deitadas por 10,7 horas/dia, com média de 73 minutos/deitada; 9,8 deitadas/dia e 2.457 os/dia.
Em relação ao período seco, as vacas com secagem intermitente permaneceram deitadas nove minutos a mais por episódio de descanso em comparação às vacas com secagem abrupta. Nenhuma outra diferença de comportamento entre os dois tratamentos foi observada (Figura 1).
Independentemente do método de secagem, a duração média por deitada após a secagem diminuiu em 4 minutos, e o tempo total em que as vacas permaneceram deitadas diminuiu em 19 minutos para cada 5 kg a mais de leite produzido antes da secagem. Isso pode ser um indicativo de dor ou desconforto associados com a interrupção da ordenha, já que vacas de alta produção geralmente continuam produzindo grandes quantidades de leite no momento nos 2-3 dias após a secagem.
Assim, deitar-se sobre o úbere com alta pressão, as vacas podem ter desconforto ou dor. Em vacas primíparas, o período de descanso e o número de vezes em que as vacas se deitaram foi ainda mais afetado pelo nível de produção de leite pré-secagem do que em vacas ≥ 2 lactações. Vacas multíparas sofrem menos desconforto pela distensão do úbere que as vacas mais jovens, pois já tiveram essa experiência em lactações anteriores.
Figura 1 – Comparação de comportamento das vacas submetidas aos métodos de secagem abrupta (linha preta com triângulos) e intermitente (linha cinza com círculos) durante a primeira semana após a secagem. Fonte: adaptado de Rajala-Schultz et al. (2018).
Considerando que o período seco é uma fase importante para a saúde da vaca na lactação seguinte, é crucial reduzir os fatores estressantes que prejudicam a resposta imune e aumentam o risco de infecções e distúrbios metabólicos durante o período de transição.
Portanto, o uso do método intermitente de secagem pode ser uma prática benéfica para o bem-estar das vacas, pois reduz a produção de leite antes da ordenha final e permite melhor conforto durante a fase inicial do período seco.
Fonte: Rajala-Schultz et al. (2018). Journal of Dairy Science. 101:3261–3270. (https://doi.org/10.3168/jds.2017-13588).